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Um conto sobre gestar filhos e livros: “Urgente contar a própria história”

A narrativa de como foi o processo de engravidar perto dos 40 e as histórias nascidas dessa experiência

Por Carola Saavedra
Atualizado em 4 out 2018, 15h27 - Publicado em 4 out 2018, 15h07
 (tatyana_tomsickova/ThinkStock)
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Momento 1: eu não queria ter filhos. No início, ninguém levava muito a sério a minha decisão. “Deixa de ser egoísta. Tão jovem ainda. Quando se apaixonar, muda de ideia, o instinto maternal aparece”, diziam. Mas então eu me apaixonei, me desapaixonei, me apaixonei novamente e novamente, mas nada do tal instinto maternal aparecer. Cheguei aos 30 e as vozes foram mudando, ficando menos condescendentes: “Você não é mais tão jovem, vai esperar até quando? Não seria melhor congelar seus óvulos?”. E, quando fiz 35, ninguém escondia o desagrado: “Ai, minha filha, pobrezinha, vai acabar perdendo o marido. E o médico? Porque, você sabe, na sua idade só com tratamento e, mesmo assim, as chances são poucas”. Mas, apesar de tudo, de toda a pressão, a vontade e esse instinto de que tanto falavam não vinham. E tudo bem. Até que, ao me aproximar dos 40, no meu tempo, não do instinto, mas da alma, o desejo veio e, sim, eu queria ter filhos. Não porque estivesse no meu DNA, não porque fosse o desejo de toda mulher, mas simplesmente porque eu, na minha trajetória, havia chegado ali. Todos me olhavam como se eu fosse louca.

“Mas agora? Na sua idade? É uma gravidez de alto risco, você sabia?”, o médico anunciou. Dois anos depois, minha filha veio ao mundo, linda e saudável. O desfecho poderia ter sido outro, é verdade, mas a decisão era minha, assim como o corpo era meu. Fico pensando, é triste ver que a mulher ainda tem que lutar pelo direito ao próprio corpo, ao próprio desejo, o direito a querer ou não ter filhos, continuar ou não num relacionamento – dependendo do caso paga com a própria vida por essas escolhas – e até mesmo decidir se quer ou não se depilar. Precisamos urgentemente tomar posse do nosso corpo, e não só do corpo, da nossa alma e da nossa história. Eu me pergunto quem somos nós, mulheres, quando não somos objeto do outro, objeto de desejo do homem, objeto das necessidades físicas e psíquicas dos filhos e da sociedade. Quem somos? É urgente começar a contar a própria história.

Momento 2: minha filha acabara de fazer 1 ano e eu ainda me sentia muito tocada por todas as transformações que a maternidade trouxera. Resolvi então procurar na literatura o olhar de outras mulheres, em romances que falassem sobre mães e filhas, escritos por mulheres e sobre essa relação tão bonita, mas também tão difícil e tão intensa. Para minha surpresa, não achei quase nada.

Ao menos na literatura brasileira, como era possível que o tema praticamente não existisse? Pois, se não temos filhas, todas temos mãe, pensei. Foi quando resolvi escrever uma história que girasse em torno de três mulheres: Anna, que engravida, mas não quer ser mãe e, num momento de desespero, abandona a filha num parque. Maike, uma jovem lésbica em conflito com a mãe, que não aceita a sua sexualidade. E, por último, uma mineira do interior que é obrigada pela mãe (e pela pobreza em que vivem) a trabalhar como doméstica no Rio de Janeiro. Enfim, é um livro sobre querer ou não querer ser mãe, sobre ter ou não ter tido mãe e também sobre o desejo feminino. Quem somos? De que forma , ou formas, desejamos? Como é a nossa relação com as mulheres que vieram antes de nós? Que herança deixaremos para as que vieram depois? Não sei se encontrei alguma resposta, mas o romance foi sem dúvida uma aproximação, um primeiro passeio por esse enigma, tão complexo e tão simples.

*Carola Saavedra, autora de Flores Azuis, que acaba de lançar Com Armas Sonolentas (Cia. das Letras).

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