Tempo: dilema e desejo das mulheres contemporâneas
Estudo Conte com Elas, do movimento Pensou Mulher Pensou Abril, traz à tona a realidade da mulher brasileira e o que a geração Y tem pela frente
Quer mais tempo? Todas as mulheres brasileiras também querem (e precisam)
Foto: Getty Images
Está precisando de mais tempo? Saiba que não está sozinha. O tempo está entre os maiores dilemas e desejos das mulheres contemporâneas, como revela o estudo Conte com Elas, realizado pelo Pensou Mulher Pensou Abril, área da Abril Mídia que nasceu como Movimento Habla e tem o propósito de identificar tendências do comportamento feminino. Em números, isto significa que em uma semana (considerando cinco dias úteis e o total de 120 horas), a mulher brasileira dedica cerca de 40 horas para o trabalho profissional, remunerado. Como ela também cuida da casa e da família – sem qualquer remuneração -, estes números aumentam consideravalmente. Caso more sozinha, a mulher dedica quase 18 horas semanais aos cuidados do lar; se mora com um filho, trabalha em média 19 horas em casa, tempo que aumenta para 28 horas se ela vive com um parceiro (!!!) e mais de 30 horas semanais, se tiver marido e filho. Isso sem contar que, além da dupla jornada, ainda há o trânsito, os cuidados com a saúde, os estudos (as mulheres estudam cada vez mais no país) e o sempre preterido lazer. Como chegamos a esse ponto?
A escritora Rosiska Darcy de Oliveira, autora do livro “Reengenharia do tempo”, acredita que o ônus do tempo está vinculado ao bônus da independência feminina. “A sociedade não se organizou para a migração das mulheres da vida privada para o mundo do trabalho. Nós não discutimos a questão do uso do tempo. É como se nós disséssemos ‘me deixe entrar (no mercado de trabalho) que você nem vai perceber que sou mulher’. E ao mesmo tempo disséssemos em casa: ‘eu vou (trabalhar), mas você nem vai perceber que eu saí'”, argumenta. Rosiska observa que isto gerou uma situação impossível para as mulheres e fez a necessidade de repensar a organização da sociedade, levando-se em conta que todos trabalham e têm uma vida privada. “No fundo, não é um debate só sobre o tempo – é um debate sobre o sentido da vida. Quando você escolhe, nas 24 horas do seu dia, o que você vai fazer, você está escolhendo o sentido da sua vida, explica.
Não bastasse, existe ainda a questão contemporânea do tempo digital e do tempo concreto. A tecnologia facilitou tanto a nossa vida que nos dá a ilusão de que tudo é possível na distância de um clique. A pesquisadora Dora Fraggin, sócia-diretora da Vox Pesquisas, estuda esse cenário. Antes da medida digital, dividíamos o nosso tempo em tarefas com começo, meio e fim. Hoje, o fim de uma tarefa não coincide com o início de outra; empilhamos muitas tarefas em um só momento apoiadas nas facilidades digitais, diz. Criou-se uma relação esquizofrênica com o tempo, há a falsa ilusão de um tempo elástico e de que tudo é instantâneo e isso causa angústia. Por acreditar que podemos resolver tudo clicando ‘enter’ ou ‘enviar’, valorizamos os resultados e não os caminhos que nos fazem chegar a eles, em uma tentativa subliminar, de cancelar o tempo do processo. Isso obviamente é uma ilusão, e causa angústia”, completa Dora.
Segundo ela, ao eliminarmos o processo, damos fim, também, ao conhecimento, viramos “pessoas post-it”, com informação em cima de informação, sem memória. “Conhecimento leva tempo, significa conseguir encontrar, em tudo, um fluxo, uma direção, um caminho. Tentar tirar isso pode causar grandes prejuízos. Até porque eu acredito que, no futuro, o poder vai ser totalmente vinculado ao conhecimento, muito mais do que é ao dinheiro hoje, acredita a pesquisadora.
O que vem por aí
A geração Y , que cresceu junto com a tecnologia, é a maior vítima da ilusão do tempo. Teca, estilista entrevistada pelo estudo Conte com Elas, afirma que é difícil lidar com situações e trabalhos que requerem maior dedicação de tempo, assim como é complicado dividir tarefas nas camadas de tempo digital e concreto. De maneira geral, você (acumula funções e) acha que vai dar conta de tudo , mas não dá, é claro, admite. Contudo, a relação com o tempo digital não é exclusividade das jovens, apesar de elas serem mais propensas ao burnout, o esgotamento emocional, por causa da ansiedade digital.
De acordo com pesquisa da ComScore, mulheres com mais de 45 anos dedicam cerca de 21 horas semanais à internet, ao tempo digital, enquanto as que têm entre 15 e 24 anos dedicam 28,5 horas. E, de maneira geral, a mulher navega mais que o homem na web. “Mas para os dois gêneros é um desafio aprender a lidar com este novo formato de tempo. A vantagem é que, instintivamente, as mulheres são mais capacitadas a lidar com muitas coisas simultaneamente. Mas ainda assim sofrem, pois existe muita pressão na era da informação. Quero dizer: em um mundo onde se pode acessar tudo, como é que a sua performance não é incrível? Como você não é criativa, genial, fantástica o tempo inteiro? Tudo é tão rápido, tão simples de ser resolvido, tão instantâneo, certo? Errado. O ser humano tem limitações. Precisamos de tempo para não fazer nada. Isso alimenta a criatividade. E no ritmo que estamos, não conseguimos aceitar um tempo sem atividade”, provoca Dora Fraggin.
Bia, Teca e Marina: mulheres da geração Y que administram questões ligados ao tempo, ao talento e aos cuidados
Foto: Divulgação
Tempo livre parece utopia. Não é. Conectar-se menos resulta em tempo a mais. Porém, não resolve. A alternativa correta para o teste do tempo concreto é reavaliar jornadas de trabalho e a divisão de tarefas, como aponta a pesquisadora Graziela Perosa, da Universidade de São Paulo (USP). “A emancipação feminina aconteceu, mas a ideia de que o trabalho doméstico é feminino sobrevive e se preserva, mesmo com as mulheres tendo que se colocar no mundo do trabalho”, observa. E continua: “Os homens têm participado mais, mas de uma maneira lenta. É preciso dividir mais essas tarefas ou ter um regime especial para as mulheres, com a legislação considerando o trabalho doméstico como feminino nos direitos trabalhistas. Cuidar das crianças, educá-las, é um trabalho que precisa ser feito. E são as mulheres que foram preparadas para isso e assumem essa função”. “As mulheres vão precisar da ação da política pública (para solucionar esse dilema)“, completa.
Jeitinho brasileiro
Enquanto o poder público não se dedica a estudar a licença paternidade – uma ideia recorrente entre os entrevistados do estudo Conte com Elas – a geração Y vai se virando como pode e encontra soluções alternativas. Bia, jornalista, e Teca, estilista, resolveram trabalhar em casa para ter maior domínio do seu tempo. A primeira é freelancer; a segunda, empreendedora. Marina, antropóloga, faz o possível para conciliar a vida acadêmica, o trabalho, os cuidados com a casa e com o único filho, embora conte com a ajuda do marido. Confirmando as estáticas, Marina engravidou aos 28 anos. Em média, as brasileiras engravidam pela primeira vez aos 26,8 anos, segundo o Censo 2010. Em 2000, a idade média era de 21,3 anos. Ao contrário do tempo – que parece ter diminuído nos últimos dez anos, mas permanece intacto – a taxa de fecundidade da mulher brasileira minguou: atualmente é de 1,86 filhos, contra 2 filhos por mulher no inicio da década. Falta tempo para ser mãe? Saiba mais no resumo do tema Cuidados, do estudo Conte com Elas.