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Rosiska Darcy de Oliveira recorda trajetória em documentário

A escritora conta como o desejo de liberdade a levou a buscar igualdade de direitos

Por Alessandra Medina
Atualizado em 18 fev 2020, 08h53 - Publicado em 8 Maio 2019, 18h30

Muito antes de os termos assédio e empoderamento serem integrados ao vocabulário diário das brasileiras, a escritora, ensaísta e jornalista carioca Rosiska Darcy de Oliveira já lutava pela igualdade de direito das mulheres. Exilada na Suíça em 1969, depois de denunciar episódios de tortura contra os opositores da ditadura, participou da fundação do movimento feminista daquele país.

De volta ao Brasil na década de 1980, juntou-se à briga em território nacional. Em 1995, co-chefiou a delegação brasileira na Conferência Mundial sobre a Mulher, em Beijing, na China. Também foi presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher no governo de Fernando Henrique Cardoso e criou o Centro de Liderança da Mulher, que auxilia na formação educacional feminina.

Em 2013, tornou-se a oitava mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Sua trajetória de batalhas está contada no recém-lançado documentário Elogio da Liberdade, dirigido pela atriz Bianca Comparato e produzido pela HBO Latin America com Losbragas. Em entrevista a CLAUDIA, Rosiska relembra seu percurso na luta pelos direitos das mulheres.

CLAUDIA: O que quer dizer o título do filme?

Não tem nada que eu tenha buscado mais na vida do que a liberdade. É o bem mais precioso, o que faz as pessoas felizes e, se faltar, o que pode desgraçá-las. Tenho muita pena quando vejo mulheres perdendo a oportunidade de escolher seus caminhos em certo ponto. Na minha geração aconteceu muito. Elas se casavam e tinham filhos, isso era normal. Eu e meu marido estamos juntos há 50 anos e não quisemos herdeiros. Fomos mal compreendidos por muita gente.

CLAUDIA: Como surgiu a ideia do documentário?

Eu queria contar a minha história porque acho que há vários fatos desconhecidos pela nova geração. O feminismo foi ridicularizado por muitos anos, apresentado como se tivesse sido criado por um bando de mulheres horrorosas, peludas, não desejadas por homens e que, por isso, eram revoltadas. Absurdo! Minha geração foi heroica, brigou contra essa ideia ridícula. Sabíamos que não éramos desviantes, taradas, malucas, mulheres que não gostavam de homens… Tudo isso não passava de uma resposta irada de quem estava se sentindo atacado e perdendo o poder. Nascíamos com uma moldura. Se você não casasse e tivesse filhos, era tachada de solteirona histérica incapaz de reproduzir. Nós quebramos esse paradigma milenar. Tivemos o privilégio, mas pagamos o preço.

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CLAUDIA: Qual foi o preço?

Tive que lutar, sofri muitos ataques! Felizmente não havia redes sociais, senão seria pior. Na internet, as ofensas são anônimas e não há como reagir. Naquela época, para falar uma barbaridade, a pessoa tinha que se expor. Quando tomei posse no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, teve uma coletiva de imprensa. Abri a reunião dizendo que não ia fugir de pergunta alguma, exceto de uma: se eu havia queimado sutiã. Faço parte do movimento há mais de 40 anos e nunca vi uma mulher fazer isso. Um grupo de americanas queimou em meados da década de 1960 e virou esse folclore. Vamos colocar o debate em outro nível! Falemos de políticas públicas, propostas.

CLAUDIA: Como se tornou feminista?

Cresci com minha mãe dizendo que mulher não devia depender economicamente do marido. Já na década de 1950, ela era professora, trabalhava e insistia para que tivéssemos uma carreira, algo raríssimo. Só parou de lecionar porque, quando nasci – eu era a terceira filha –, ela não conseguiu mais conciliar ambas as atividades, problema comum até hoje. Mas virei feminista na faculdade de direito, que escolhi como uma provocação. Afinal, as mulheres cursavam letras. Um dia, fiz um trabalho sobre a peça Antígona (de Sófocles). O professor deu nota 10 e leu trechos do que eu escrevera. No final, perguntou se a turma sabia de quem era a pesquisa. Não chutaram nome de mulher. Ele falou: “Vocês deviam se envergonhar, seus barbados! Quem escreveu foi aquela menina!”. Tinha um tom de desprezo. Saí da sala e ele foi atrás dizendo que era um elogio. Questionei por que os homens deveriam sentir vergonha por eu ter tirado uma nota maior que a deles. Ele percebeu a gafe e pediu desculpas. Voltei para a aula e ali nasceu uma feminista. Mas só entrei mesmo para o movimento no exílio, na Suíça.

CLAUDIA: Como avalia a atuação do movimento feminista no Brasil hoje?

Como eu falo no filme, hoje não se trata mais de um movimento de mulheres, mas de mulheres em movimento. A hashtag #metoo, nascida nos Estados Unidos, é um exemplo. A #elenão também. O “não é não” do Carnaval! Antigamente, você leria no jornal um artigo de alguém dizendo que era absurdo os homens bolinarem as mulheres. Eu mesma escrevi uns dez. Hoje tem até tatuagem! Essas questões, felizmente, extrapolaram uma minoria para se tornar uma discussão importante e central da sociedade brasileira.

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CLAUDIA: Quanto a medidas públicas, estamos passando por um momento de retrocesso?

A Secretaria da Mulher, criada em 2003, foi uma conquista, pois tinha como objetivo elaborar políticas públicas que fizessem avançar a causa das mulheres, o reconhecimento de que existe um problema. Não se pode entregar isso a uma pessoa como a Damares Alves, que não tem noção do que está falando e, pior, é contra a causa. Então, prejudica muito. Mas o movimento não para, e eu tenho enorme confiança na sociedade. Estamos atravessando um momento difícil no mundo inteiro com o conservadorismo ganhando força. Entretanto, cabe a nós resistir. Não podemos baixar a cabeça. O governo foi eleito, tem o direito de nomear ministros, mas a liberdade é inegociável. As mulheres precisam continuar lutando a favor do controle do corpo, da igualdade salarial.

CLAUDIA: Qual legado quer deixar com o filme?

Ele dá a ideia de continuidade, mostra que o feminismo é um processo histórico. A igualdade não significa as mulheres se tornarem homens, imitá-los. O homem não é o padrão do humano. A cultura feminina é formidável. A igualdade é o reconhecimento da diferença sem hierarquia. Não podemos aceitar a volta dessa hierarquia. A geração atual está disposta a continuar. E o filme faz parte disso.

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