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Motivos para odiar os homens

Andam dizendo que feministas não gostam de homens porque são feias. Um mix de sentimentos aplacou minha alma. Veio à minha memória as brigas da quinta série

Por Juliana Borges
Atualizado em 17 jan 2019, 10h54 - Publicado em 16 jan 2019, 21h04

Algo perturbador chegou aos meus ouvidos na última semana: andam dizendo por aí que feministas não gostam de homens porque são feias. Um mix de sentimentos aplacou minha alma quando soube disso, acarretando uma série de crises. Primeiro, veio à minha memória as brigas da quinta série. Vejam, eu era uma aluna aplicada. Juro. Mas é inevitável quando se tem 11 anos, sendo uma menina negra em um colégio de classe média, se meter em algumas brigas. E tudo começava com xingamentos como “Você é feia” ou “Você é uma preta”. Graças aos astros, minha mãe sempre me ensinou muito bem como lidar com estas situações. Eu respondia ao agressor que, se eu era preta, ele era rosa. Branco. Rá! E se a coisa partia para ser feia ou não, daí era uma discussão interminável até chegarmos ao confronto físico. A questão é: você não pode deixar uma coisa dessas passar em, agora sim, branco. Mas o mais perturbador foi saber deste xingamento quando temos idade para, no mínimo, o ensino médio completo. Bom, tem os prodígios que, com a minha idade, já estão no terceiro doutorado. Mas não vamos nos balizar por minorias. Ops!

O segundo fator que causou a crise de identidade foi a equação, quase como Nazaré Tedesco pensando em aritmética: eu sou feminista + não gosto de homem. Uma inverdade, já que eu gosto de homem e sei de várias amigas feministas que também gostam. E se eu gosto de homem e sou feminista, o xingamento cabe? Porque, se gostar de homem faz de uma mulher bonita, eu estou no lucro da beleza. Mas se ser feminista me faz feia, sou uma mulher de beleza mediana? A coisa ficou difícil. E daí, fiquei pensando em uma série de motivos diários para que odiemos homens, mesmo não conseguindo praticar esse rancor por muito tempo.

Motivos para não gostar de homens não faltam. Por exemplo, eu odeio essa coisa ensinada para eles desde cedo, pelo exemplo, de ficar dando escarradas pela rua. Acho péssimo. E é um bom motivo número 1.

Motivo número 2: quando homens acham que suas bolas são maiores do que realmente são e sentam com uma perna no Pólo Norte e outra no Pólo Sul. Sério, pra quê isso? Para exibir algo que ninguém está interessada em ver, tipo, no transporte público? Eu sempre achei que isso está mais ligado ao mundo competitivo masculino. Sabe quando querem ter um carro melhor do que o vizinho? Ou um home theater melhor do que o do cunhado? Então, acho que sentar com as pernas tão abertas pode ser uma tentativa de mostrar ao outro o quão boludo o cara pensa que é (e quer aparentar ser). Com toda a tranquilidade, essa competição poderia entrar como take naqueles programas do Animal Planet, com a voz do locutor descrevendo cada movimento animal, tentando passar alguma seriedade científica naquele momento. Eu sempre fico tensa nestes programas. Mas, penso que isso tem a ver com outro aspecto, infelizmente, e outra coisa que odeio, sendo o motivo número 3: homens são espaçosos. Não como nós, porque a gente foi ensinada a ser espaçosa com eletrodomésticos e sapatos. Homens são espaçosos no território mesmo. Desde a sentada boluda até em como deitam na cama, em como sentam no sofá de casa, em como largam suas cuecas no chão e suas toalhas molhadas em cima da cama – hoje, inclusive, eu esqueci minha toalha molhada em cima da minha cama. Homem também é espaçoso em como circula pelo ambiente. Eles falam mais alto, gesticulam, se acham os reis do pedaço. A gente é ensinada a ser contida – mas eu não sou contida. E, quando somos expansivas tanto quanto, somos chamadas de “aparecidas”, que Deus a tenha! Quem nos chamou de feias, neste momento, ao ler minhas pontuações sobre “sermos ensinados” a desempenhar certos papeis, vai logo dizer que eu sou uma ideóloga de gênero. Mas a questão é: quem é que aguenta toalha molhada, escarrada na rua? Gostar disso? Deus nos dibre!

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O motivo número 4, que eu O-DEI-O, é homem que fica passando a mão nas bolas todo tempo. Alguns amigos me explicaram que a cueca “fica pegando” os pelos pubianos. Custa aparar? Ou mudar a cueca? E esse motivo me trouxe a recordação daquele técnico de futebol alemão, Joachim Low, que revirava o saco e ainda cheirava para ver se estava tudo ok. Eu não sei se aquilo se referia há dias sem banho e uma incerteza sobre o quanto poderia afetar o entorno. Mas, pensem naquela cena: pra quê?

Mas tem outros motivos que seriam mais do que plausíveis para odiar homens – e que, na verdade, nos dão medo. Acho a frase da Margaret Atwood perfeita para isso: “Homens têm medo de que as mulheres riam deles. Mulheres têm medo de que os homens as matem”. Não seria plausível odiar os homens pelo feminicídio? Um baita motivo número 5! Antes, notícias sob o título “marido mata ex-mulher com 20 facadas” só tinham espaço nas tardes do Datena. Hoje, são tema principal do “Jornal Nacional”. Os números são alarmantes. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017, 1 mulher é morta a cada 2 horas no Brasil; e 1 mulher é estuprada a cada 11 minutos. ONZE MINUTOS. Lá vai o motivo de número 6. Enquanto eu escrevia esta crônica – que demorou 1 dia e meio, ou seja, 36 horas para ser finalizada – 196 mulheres foram estupradas no Brasil.   E, piora, sendo o motivo número 7, segundo o mesmo Anuário, 70% dos estupradores são conhecidos das vítimas: pais, tios, primos, sobrinhos, amigos do pai, amigos da família, amigos. “Amigos”.

Querem mais motivos? A violência assola as nossas vidas desde pequenas. Motivo número 8: 1 em cada 5 mulheres já sofreu alguma violência por ser mulher no Brasil. E não sou eu que estou dizendo isso, mas pesquisas, mesmo que agora alguns queiram relativizar dados. Mas, para ajudá-los, não precisa nem fazer a leitura de relatório de pesquisa de instituto renomado. A gente sabe das histórias nas nossas casas, com a gente, com nossas irmãs, com nossas primas, com as nossas cunhadas, com as nossas vizinhas. Se não somos as vítimas, certamente temos uma amiga que é ou foi.

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E eu juro para vocês que, em sendo uma pessoa que se propõe crítica, feminista e pesquisadora, estes dados para mim são motivos bastante plausíveis para odiar e/ou ter medo de homens. E, por isso, eu entendo quem nutre ódio pelos homens, mesmo me compreendendo mais no segundo grupo: as que têm medo. O nível beira a eu achar que se envolver com homens deveria ser considerada uma ação de alto risco.

Eu adoro aquela piada das redes sociais de que, se gostar de homens fosse uma escolha, ninguém escolheria gostar de homens. Veja, eu gostaria de listar quais são os motivos que, apesar de tudo, ainda me prendem ao gostar de homens. Mas fica tudo bastante restrito a minha orientação sexual. Porque, eu confesso: eu já tentei muito odiar os homens. Já pensei se talvez eu não estaria presa a uma heterossexualidade compulsória. Já me afastei por um tempo. Porque, além das escarradas, de serem espaçosos, homens não têm nenhuma responsabilidade afetiva e destroçam o nosso equilíbrio mental e emocional – uma violência também, diga-se de passagem. Homens são bélicos, violentos e descompromissados. Homens são tóxicos. A não possibilidade de escolha deveria nos garantir um adicional por insalubridade e investigações sobre porquê, diante de tudo o que eu elenquei, a gente ainda gosta de homens. E eu juro que tentei forçar o mais profundo do meu ser; ou como nos ensinou aquele deputado com o soco na cara em CPI: revirando os meus instintos mais primitivos. E eu tenho motivos primitivos para odiar os homens. Infelizmente, também sou estatística.

Então, pela lógica de quem xinga feministas de feias, volta a questão: a minha incompetência – no sentido de competência inata, de não poder escolher a minha orientação sexual – em não conseguir odiar os homens faz de mim o quê? Eu diria que otária, diante de tantos motivos. Mas pela lógica de quem me xinga: bela. Bela, livre e da luta. Da luta pela minha vida e pelas vidas de minhas iguais. Da luta para que eu não seja violentada e/ou morta pelo fato de ser mulher. Da luta para que eu não receba menos, exercendo a mesma função, pelo fato de ser mulher e menstruar. E engana-se quem acha que eu vou sentar no canto e chorar. Pelo contrário. Eu vou colocar em prática o que aprendi com uma das mulheres mais extraordinárias em minha vida: minha mãe. Nos meus tempos de quinta série B, o ensinamento era erguer a cabeça e não permitir, em hipótese alguma, que alguém limitasse a minha existência pelo fato de eu ser mulher e negra. E que, se preciso fosse, eu revidasse tirando forças de tudo o que sei que posso ser. O resultado poderia, até, ter algumas escoriações no caminho. Mas eu deixaria o meu recado: não levo desaforo para casa.

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Juliana Borges é escritora. Estudou Letras na Universidade de São Paulo e é autora do livro “O que é encarceramento em massa?”, da Coleção Feminismos Plurais.

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