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Inversão de papéis: Betty Milan compartilha as dificuldades que uma filha enfrenta ao cuidar da mãe

Em seu novo livro, Betty Milan transfere para a ficção um drama real – o momento em que assumiu os cuidados com a mãe – e a angústia de questionar diariamente o sentido da vida e o direito à morte

Por Marina Bessa (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 21h10 - Publicado em 29 Maio 2016, 07h00

Rosa, mãe da escritora e psicanalista Betty Milan, tem 98 anos. Está saudável, mas tem todos os limites físicos que a idade avançada impõe. Ao ouvir Betty discorrer sobre sua relação com a mãe e a presença iminente da morte, os dramas e as incertezas parecem sutis – ela é racional e objetiva. Sua angústia é diária. Mexeu com a estrutura familiar, alterou sua rotina, a faz trabalhar no limite do possível. E a levou a escrever um livro. Em A Mãe Eterna (Record, 32 reais), uma filha fala com uma mãe imaginária, já que a verdadeira, embora viva, não dialoga mais. Trata-se de uma ficção, mas todos os conflitos da autora estão lá. Ao mostrar o cotidiano de uma idosa, Betty se propõe a repensar o significado do amor, da vida e da morte – sobretudo do direito de decidir o fim. Em uma conversa franca, ela falou a CLAUDIA sobre sua realidade e o difícil momento em que deixa de ser filha para assumir os cuidados com a mãe.
 
A mãe retratada em seu livro era forte e independente. Como viveu Rosa?

Minha mãe ficou viúva muito cedo, aos 48 anos. Apesar de não ter formação nenhuma, assumiu a responsabilidade pelo patrimônio e cuidou das três filhas, que eram jovens. Era independente, afetuosa, generosa. Sua casa sempre foi bonita, um lugar onde todos podiam ser acolhidos, onde havia grandes almoços. Mas, um dia, percebi que ela já não estava lá.

Houve algum fato específico?

Há uns três anos, comecei a ver que ela não dialogava mais comigo. Já não tinha interesse em me ouvir. Agora, repete sempre as mesmas coisas. Escrevi o livro para tentar entender o que acontecia e até superar essa questão. Nesse processo, me dei conta de que no fim ainda há uma última vida. Uma vida de quem pouco escuta, pouco enxerga, pouco anda, mas ainda quer estar.

De que tipo de cuidados sua mãe necessita?

Até os 97 anos, ela morava sozinha e era muito resistente a ter qualquer tipo de ajuda. Mas, no começo do ano, sofreu um acidente horrível. Caiu no banheiro, quebrou o úmero e precisou ser operada. Ficou quase três semanas no hospital, saiu delirando, mas se recuperou. Sempre tive medo de que ela caísse. Mas o velhinho tende a ser muito teimoso. Para tudo diz “não”, “não quero”. Resolve sair sozinho, se expõe ao risco. Depois da queda, passou a ser cuidada.

Quem a ajuda atualmente?

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É uma estrutura grande. Hoje ela tem três cuidadoras, mais uma enfermeira três vezes na semana, a médica e eu, que supervisiono tudo.

Como é a convivência entre vocês duas?

Somos muito presentes na vida uma da outra. Antigamente, eu passava os fins de semana na casa dela. Depois, foi ficando mais difícil, justamente pela falta de diálogo. Ainda assim, eu a vejo pelo menos quatro dias na semana. Às vezes, ela vem almoçar aqui, em outras vou almoçar lá ou então ela me leva a um restaurante…

Você fala muito em seu livro sobre o direito de decidir o momento do fim. Já perguntou a Rosa se ela quer morrer?

Já, e ela disse que não. Antes da cirurgia, perguntei se ela queria enfrentar tudo aquilo. Ela disse que sim, que a morte tem que ser natural. Mas minha mãe é muito ambivalente nessa vontade de viver. Há momentos em que diz: “Até quando vou ficar? Não acaba nunca?” Aí, de repente, vem uma alegria, fica contente. Só que a cada dia que passa ela está mais diminuída. Ela fez um testamento vital me autorizando a impedir que a vida dela seja prolongada inutilmente.

Por que você acredita que a vida pode não valer a pena?

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Eu sou médica, já assisti a várias mortes e sei a que ponto a morte natural pode ser violenta, equivalente a uma doença terminal. O fim só pode ser humanizado se a gente aceitar que a morte natural pode não ser boa, se a pessoa puder decidir o momento de morrer e souber que será ajudada. Quando chega aos 90, com toda a deterioração física, você quer ir embora. A própria natureza prepara para isso.

Acha mesmo possível ver as coisas assim, objetivamente?

A morte em si não é nada. Terrível é sofrer. É como diz a personagem do livro. O fato de saber que a morte é inevitável não é um consolo quando se trata de nossa mãe.

O que significa perder a mãe?

No meu caso, é ficar sem a pessoa que mais amei. A pessoa que certamente mais me amou. De quem eu fui muito amiga sempre. Mas atualmente está bem difícil para mim, para ela, para as minhas irmãs. Estou conformada com o fato de que ela vai embora. Só espero que eu não esteja com ela, que eu seja avisada. Não quero estar lá.

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