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Entenda o que está em jogo no Projeto de Lei apelidado de Neymar da Penha

O PL 3369/19, protocolado essa semana em Brasília, visa aumentar a punição para quem faz falsas denúncias de estupro.

Por Júlia Warken
Atualizado em 15 jan 2020, 15h22 - Publicado em 7 jun 2019, 21h17
 (kieferpix/ThinkStock)
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O deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) protocolou nessa quinta-feira (6) o PL 3369/19, que já está sendo chamado de “Lei Neymar da Penha”. O projeto de lei visa aumentar a penalidade para quem faz falsas acusações de crimes contra a dignidade sexual.

No Brasil, a lei já prevê punição para quem faz denúncias caluniosas, mas o PL quer que a pena para esse delito seja aumentado em até um terço nos casos em que a falsa acusação seja referente a crimes sexuais – como estupro.

Em entrevista ao Broadcast Político, Jordy revelou que o Caso Neymar fez com que ele resolvesse protocolar o PL antes do previsto. “Denunciações caluniosas já são graves e absurdas por si só, mas quando envolvem estupro, isso destrói a vida do acusado porque não existe crime mais abjeto do que esse. Isso deixa todo mundo indignado”, ressaltou.

De fato, denúncias mentirosas são algo indefensável, mas o surgimento de um PL como esse é preocupante. Isso porque os crimes de estupro apresentam uma grande dificuldade de recolhimento de provas. Inúmeros processos são arquivados por esse motivo, já que a esmagadora maioria dos estupros acontecem entre quatro paredes, sem testemunhas, e as provas coletadas no corpo da vítima nem sempre são conclusivas. A perícia no local do estupro também é complicada – e, muitas vezes, nem é realizada.

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Portanto, surgiu a dúvida: como o PL 3369/19 distingue os casos em que houve acusação caluniosa daqueles em que simplesmente não foram reunidas provas suficientes? O MdeMulher entrou em contato com o gabinete de Carlos Jordy para sanar esse dúvida. Em vez de uma resposta concreta, nos foi encaminhado o texto do projeto de lei.

Os trechos polêmicos do PL

Para justificar a ideia de que muitas mulheres mentem que foram estupradas para perseguir determinado homem, o texto do PL chega a versar sobre a chamada “síndrome da mulher de Potifar” – explicando a passagem bíblica que fala sobre a mulher de um general que, ao ser rejeitada por um escravo, o acusou de estupro. Além disso, o texto também dá a entender que, nos casos de denúncia de estupro, muitos homens são condenados pela justiça mesmo quando não há provas, pois a palavra da mulher tem grande peso.

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Também é controverso seguinte trecho: “Ressalta-se que a Denunciação Caluniosa só estará configurada quando for provada a inocência do indiciado ou acusado, seja por decisão judicial ou administrativa, inocentando-o, ou pelo arquivamento do inquérito policial”. O PL dá a entender que, se houver o arquivamento do caso, isso significa que a denúncia foi caluniosa.

O peso da falsa acusação de estupro

Uma falsa acusação de estupro deve ser penalizada com mais rigor do que outras falsas acusações? O PL 3369/19 defende que sim, por partir do pressuposto que esse tipo de acusação acaba com a vida de inúmeros homens.

Para a advogada Ana Paula Braga, que é especializada em direitos das mulheres, isso não condiz com a verdade. Ela aponta que crimes como o de corrupção têm o mesmo poder de destruir a reputação de alguém.  Além disso, a advogada também traz outro ponto: o de a sociedade costuma culpabilizar a vítima pelo estupro sofrido e/ou duvidar da veracidade de sua acusação.

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“Nos casos dos crimes de gênero, em que a sociedade considera que as mulheres são culpadas das violências sofridas, ou, como sugere o PL, são mentirosas, temos que, em verdade, as consequências para o agressor não são mais gravosas do que falsas acusações de outros crimes. Não à toa, vemos muitos homens acusados de estupro ainda ocupando cargos de poder, inclusive no próprio Poder Legislativo”.

E, afinal, a falta de provas favorece a vítima ou o acusado?

“A absolvição em sentença judicial de um acusado ou arquivamento de um inquérito pode se dar por diversas razões, que não especificamente a sua inocência. Uma delas é a ausência de provas, na qual impera o princípio do in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu). A falta de provas não significa, todavia, que o crime não existiu e que aquela denúncia foi falsa”, diz Ana Paula.

Ela também aponta outro ponto preocupante: o texto do PL não versa sobre o pressuposto de que é preciso comprovar a má-fé da denunciante, ele só dá a entender que a falta de provas comprovaria que a denúncia é caluniosa. “Adotar tal parâmetro como regra ou indicativo de que uma denunciação foi caluniosa, especialmente em casos como os de crime contra a dignidade sexual, cuja maioria é arquivada justamente por falta de prova, é amordaçar as mulheres e reforçar a cultura do estupro. Denúncia sem lastro probatório suficiente não deve se confundir, em hipótese alguma, com denúncia manifestamente de má-fé. É este elemento, má-fé, que precisaria ser provado”.

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O que diz Carlos Jordy

Tendo em vista que o texto do PL apresenta pontos questionáveis, tentamos mais uma vez falar com o deputado Carlos Jordy. Nessa segunda tentativa, obtivemos sucesso.

Na conversa com o MdeMulher, ele defende o texto dizendo que o PL não pretende mudar os critérios da lei que tipifica o crime de denunciação caluniosa. Ele apenas visa aumentar a pena em casos específicos. Sendo assim, os parâmetros que apontam como a lei é aplicada não precisam constar no PL. “É o juiz que faz o juízo de valor sobre o caso diante das provas que ele obtém”, aponta ele, citando o Artigo 339 do Código Penal.

Logo depois, Jordy diz que compreende o fato de que existe muita dificuldade na reunião de provas nos casos de estupro, mas volta a defender que os homens precisam ter uma proteção extra quando são acusados desse crime.

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“Se uma pessoa aponta que alguém cometeu um estupro e não há nenhuma prova, nada, nenhuma prova… nesse caso é complicado. É mais cabível que haja o arquivamento. Esse crime, na verdade, é um crime doloso, tem que avaliar essa questão da má-fé. Da mesma forma que você teme pela situação da mulher, de que ela pode ficar desguarnecida nesse sentido, de que se ela não tiver provas possa incorrer nesse crime, o cidadão que é falsamente acusado de estupro, e não há provas contra ele, também fica desguarnecido. Porque a sua vida fica devassada. Então, simplesmente o crime de denunciação caluniosa que ela incorreria, não basta nesse sentido”.

Também questionamos o deputado a respeito do princípio do in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu), levantado pela advogada Ana Paula Braga. Segundo Jordy, “a questão do arquivamento do inquérito policial já está se aplicando como subsídio para denunciação caluniosa”. Ele afirma que um de seus familiares já foi acusado de racismo e que, por falta de provas, o denunciante acabou sendo enquadrado no crime de denunciação caluniosa.

Advogada contesta afirmações do deputado

Frente a tudo isso, Ana Paula volta a frisar que a questão da falta de provas não pode ser usada para enquadrar alguém no crime de denunciação caluniosa. “Quando você pega o tipo penal, ele não diz especificamente que um caso de arquivamento vai ser considerado como uma denúncia falsa. Porque um arquivamento ou uma absolvição podem se dar por inúmeras razões que não necessariamente a não ocorrência daquele crime”.

A advogada também chama a atenção para o fato de que uma lei como a proposta no PL 3369/19, caso aprovada, pode vir a interferir na maneira como os juízes interpretam a legislação. “Quando a gente vai fazer a aplicação de uma lei existem vários exercícios que os juízes precisam adotar – e uma delas é uma técnica de interpretação que a gente chama e hermenêutica. Dentro da hermenêutica existe, por exemplo, ‘qual que é a intenção do legislador ao criar uma norma’. Então, se tem alguma lei que está confusa na hora de se aplicar e que você não consegue entender muito bem qual é o propósito dela, o juiz tem que fazer esse exercício de entender qual que era a vontade do legislador naquela época. Então, embora não vincule, essa justificativa é preocupante, primeiro porque demonstra qual é o objetivo que está por trás e, segundo, porque se um juiz quiser usar essa vontade do legislador, isso pode ser prejudicial”.

Sendo assim, podemos discordar que é desimportante a maneira como o PL foi escrito – sob a justificativa de que a lei de denunciação caluniosa já existe e de que é somente ela que vai reger a decisão do juiz. “Para ser uma denunciação caluniosa, você precisa provar que houve má-fé naquela falsa denúncia e não simplesmente que a denúncia não foi provada. Mas ele escreve toda a justificativa dele de uma forma como se simplesmente a falta de provas fosse o suficiente para se considerar uma denunciação caluniosa. Então ele basicamente parte do pressuposto de que quase todas as denúncias de estupro são falsas. Essa que é a questão”.

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