Crianças autônomas: especialistas ensinam estimular a independência na hora certa
Seu desenvolvimento começa na infância e garante adultos mais responsáveis e donos de si. Como ajudar seu pequeno nesse caminho.
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Desde os 2 anos, Matheus toma banho sozinho. Com 3, terminou sua primeira refeição sem precisar de ninguém. “Fez uma bagunça: se embaralhou com os talheres, usou um pouco as mãos para ajudar, mas comeu. Fiquei muito impressionada e contente”, conta a mãe, a analista de contas Fernanda Souza, 23 anos. Todo pai e toda mãe já passaram por esse momento excitante em que o filho fez algo sozinho pela primeira vez. Pode ter sido durante um almoço em que a criança comeu sozinha ou, mais para a frente, ao completar a lição de casa sem supervisão. Essa independência adquirida até mesmo nos menores gestos é chamada deautonomia. “É a capacidade de direcionar a própria vida, de desenvolver-se para melhor”, explica a psicopedagoga Teresa Messeder Andion, diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia. A fase mais importante para o desenvolvimento da autonomia ocorre até os 3 anos, mas o impacto de um processo de sucesso estende-se até a vida adulta. “Será uma criança que arrisca mais, com boa autoestima”, afirma a psicóloga e psicanalista Christine Bruder, de São Paulo. “Depois, se tornará um adolescente e adulto mais responsáveis, conhecendo bem seus limites e possibilidades”, completa.
Antigamente, os pais garantiam a aquisição dessa independência em atividades corriqueiras na vida coletiva. As crianças podiam pegar o ônibus sozinhas e, assim, aprendiam uma série de lições: aprimoravam o senso de direção, melhoravam a comunicação com os outros, ganhavam mais noção do que é perigoso. Entretanto, hoje, a realidade mais violenta e caótica em grande parte das cidades brasileiras impossibilita essas experiências. “A maioria dos pequenos cresce em condomínio, com proteção mais acirrada dos pais, em um cerceamento maior”, observa a psicanalista Renata Guarido, de São Paulo. Como, nessa realidade, garantir que seu filho tenha um crescimento completo? A resposta está na participação do adulto, como defende a profissional. Se a criança não pode pegar o ônibus sozinha, o pai deve ir junto e alertá-la para os detalhes que devem ser observados. Dali a alguns anos, quando ela for fazer aquela tarefa por conta própria, terá controle sobre a situação.
E não é somente da porta para fora que estão as dificuldades. Para Christine, muitas vezes, o excesso de atenção das babás e cuidadoras também pode colocar em risco a autonomia dos pequenos. “Nesse caso, há alguém totalmente dedicado ao bebê ou à criança. Então, eles não têm espaço para precisar se esforçar, e é aí que está o empurrão”, explica. Se todos os objetos que o pequeno deseja são entregues em sua mão, ele não vai dedicar a energia necessária para se mobilizar, rastejar ou até tentar os primeiros passos.
A coparticipação e os limites
Para que a criança tenha as condições ideais para se desenvolver, o estímulo dos adultos ao seu redor é fundamental. “Com 1 ano, o bebê não vai conseguir tomar banho sozinho, mas pode participar da atividade ensaboando o próprio pé”, orienta Christine. Ao ganhar esse papel em sua rotina, ele desperta para querer fazer cada vez mais. “Gera a percepção de que ele é capaz”, acrescenta a psicanalista.
Os pais também precisam estar preparados para entender a evolução do filho – que difere de uma criança para a outra. “É necessário sobretudo observá-lo”, afirma Christine. Segundo ela, os pequenos já dão o indício do que são capazes e do quanto podem crescer. Quando os pais estão atentos, acompanham de perto as mudanças e demandas.
“Se um bebê de 2 anos tenta comer sopa, vai se lambuzar todo. Mas isso é um estímulo psicomotor”, acrescenta Teresa. O mais importante: não pode haver cobrança dos pais, apenas supervisão. A imperfeição fará parte da tarefa durante algumas tentativas, até que, pela prática, ela suma.
A fisioterapeuta Ana Paula Trad Allevato, 43 anos, deixou os filhos, Ana Clara, 8 anos, e Rafael, 5 anos, conquistarem o espaço deles. Os dois fazem a lição de casa sem a ajuda da mãe, que diz ter acompanhado os deveres apenas no primeiro ano. Hoje, só verifica o resultado final. As crianças também cumprem a parte delas nas tarefas da casa. “A Ana Clara tira o lixo sem eu pedir e faz as camas. Já o Rafa leva o prato para a cozinha quando acaba de comer”, afirma. Em novembro, quando o marido sofreu um acidente, Ana Paula pôde contar com Ana Clara para preparar a si mesma e o irmão para a escola. “Até a lancheira ela arrumou. Foi bom ver que está cada vez mais independente.”
Para a psicanalista Renata, a conquista da autonomia também ajuda a entender a necessidade de escolher e até mesmo de perder. “Envolve situações de conflito em que a criança precisará se conhecer bem, se confrontar com uma realidade nova e questionar seu padrão até ali. Ela entenderá que há leis e regras importantes para a convivência”, reforça. Contudo, convém ressaltar que cada pequeno tem seu tempo. “Os pais não podem forçar. Por mais que tenha o estímulo, a criança também vai levar em conta seu ritmo pessoal”, afirma Christine.
Quando começar a…
Veja uma média de idade para cada marco e o que se filho ganha com ele:
Comer sozinho
Em torno dos 2 anos, ele consegue levar o garfo ou a colher à boca, mesmo que faça alguma bagunça. Com isso, as habilidades sociais crescem muito. Os pais podem, por exemplo, ir a restaurantes sem se preocupar tanto.
Usar a faca
Pode começar aos 8 anos, mas com supervisão total. Dá para passar o final de semana na casa de um amigo ou comer fora na companhia de adultos que não sejam os pais.
Tomar banho sozinho
A partir dos 4 anos, a criança pode coordenar o uso do xampu sem deixar cair no olho, por exemplo. Garante tempo de relaxamento à criança e dá mais liberdade para a mãe ou o pai se dedicarem a outras tarefas.
Ir ao banheiro e se limpar
Como o desfralde começa aos 2 anos, o bebê já está dando os primeiros passos em direção à autonomia. A partir dos 6 anos, a criança deve ir ao banheiro sozinha e, aos 7, pode fazer a própria higiene.
Fazer a lição de casa sozinho
Varia muito de acordo com a escola e o tipo de tarefa, mas, em média, aos 6 anos ela já consegue responder por si só. O momento é importante para a construção do conhecimento, do caminho próprio de raciocínio em cada questão.