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Conheça Rita von Hunty, a drag queen que ensina sociologia no YouTube

Guilherme Terreri conquistou audiência ao refletir sobre estereótipos de gênero

Por Letícia Paiva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 fev 2020, 12h30 - Publicado em 20 out 2019, 08h00

Com tantas citações de obras de literatura, teatro, sociologia, antropologia e política, os vídeos do canal Tempero Drag, no YouTube, poderiam até vir acompanhados de uma lista de referências bibliográficas nos melhores moldes acadêmicos. Guilherme Terreri, 28 anos, é o responsável pela minuciosa seleção de conteúdo, mas quem dá as caras na tela é a drag queen Rita von Hunty, criada e performada por ele. Com figurino que lembra a moda das décadas de 1950 a 1970, Rita oferece aulas-cápsula espirituosas sobre debates contemporâneos (e possivelmente tensos), como monogamia, consciência de classe e discurso de ódio.

Criado em 2015, o canal era usado inicialmente para ensinar receitas veganas com alta carga de humor e pinceladas esporádicas sobre assuntos mais densos. A inspiração era a divertida e excêntrica cozinheira Julia Child, que por décadas apresentou programas culinários na TV americana. “No início, Rita tinha ainda características comuns à sociedade brasileira. Ela era uma dona de casa de classe média, com visão conservadora, que tratava mal a funcionária”, conta Guilherme. Com o tempo, entretanto, o paulista passou a se questionar se o público entendia que as opiniões deturpadas de Rita eram uma sátira. Mudou então a caracterização. Também sentiu que era urgente tratar de temas que não tinham nada a ver com cozinha ou comida vegana. E assim a expressividade de Rita se tornou útil para abordar questões espinhosas. “Existe um magnetismo ao redor da drag queen. Ela é visivelmente instigante. Desperta interesse e repulsa, que são dois polos de uma mesma energia”, afirma Guilherme. Para ele, uma drag falando sobre temas intelectuais desperta muito mais a atenção do público, que está acostumado a ver homens brancos heterossexuais fazendo discursos.

(Léo Fagherazzi/CLAUDIA)

Com o sucesso de Tempero Drag, que soma mais de 160 mil inscritos, Rita foi convidada para ser uma das três apresentadoras do programa Drag Me As a Queen, no canal a cabo E! Entertainment Television. Na atração, que já está na segunda temporada, as drags ajudam uma mulher em crise, transformando-a em uma rainha. Homens vestidos de mulher em atividades artísticas não são nenhuma novidade; há registros desde a Antiguidade. Porém, o termo drag queen só começou a ser usado há algumas décadas, quando ganhou espaço definitivo na comunidade LGBT+. No Brasil, a cena foi tomando fôlego nos últimos anos, até que artistas drags, como a cantora Pabllo Vittar, atingiram o grande público. Cabe ressaltar que o fato de o homem se caracterizar como drag queen não quer dizer que ele se entenda como mulher – diferentemente do que acontece com trans e travestis. “É fazer uma performance que destrói as normas de gênero, contradiz o que é esperado do comportamento de homens e mulheres”, explica Guilherme. “É muito mágico quando alguém tenta explicar que assistiu a um vídeo da Rita e gagueja ao definir se é uma professora ou professor”, diz. Embora o público LGBT+ represente fatia importante da audiência do canal, outra grande parcela é formada por pessoas de fora da comunidade.

Antes de começar no YouTube, Guilherme já performava Rita fazia dois anos, geralmente assumindo ares burlescos que remetiam ao universo das pin-ups. “Mas eu não gosto de passar a noite acordado, indo a eventos em bares e baladas. Então era uma grande crise continuar me montando”, conta Guilherme. Insatisfeito, pediu conselhos a uma amiga, e foi aí que nasceu a ideia de colocar Rita no papel de professora. “Seria minha forma de não abandonar a peruca nem o gosto por ensinar”, diz ele, que já dava aulas desde os 14 anos.

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Na adolescência, ele atuava como tutor de reforço em Ribeirão Preto (SP), sua cidade natal. Depois, foi ensinar inglês a estrangeiros que desconheciam também a língua portuguesa, o que o forçou a buscar novas ferramentas de ensino e aperfeiçoar suas técnicas. Entretanto, foi nas graduações em artes cênicas, pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), e em letras, pela Universidade de São Paulo (USP), que Guilherme garantiu o embasamento que permite a Rita discutir tantos temas com profundidade. Além de encenação e teatro, que lhe deram estofo para encarnar a drag queen, estudou disciplinas como história da arte, antropologia da cultura e tradução de textos medievais clássicos. Com tanto conhecimento complexo, decidiu repassá-lo ao público que não tem paciência ou proximidade com a academia. Desde outubro do ano passado, oferece o Curso Revolucionário da Rita von Hunty, que já passou por Belo Horizonte, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. “Usando bibliografia e não achismos, tento tornar o debate acadêmico mais acessível”, explica Guilherme, que também prepara um livro pela Editorial Planeta com lançamento previsto para o ano que vem.

(Léo Fagherazzi/CLAUDIA)

Ao deixar para trás a fase burlesca e culinária de Rita e entrar a fundo nos temas do seu dia a dia, Guilherme viu a linha entre ele e a personagem se tornar mais tênue. “Costumo dizer que, agora, as opiniões são do Guilherme, e a Rita é a forma de apresentá-las”, afirma. Explica ainda que a drag queen funciona como uma persona que ele adota quando sente necessidade. “Ela tem a força de construir pontes sensíveis, que fazem com que a gente perceba que somos diferentes e precisamos conviver”, diz. Em meio às dificuldades para o Brasil vencer o discurso de ódio e a intolerância, a drag queen intelectual Rita von Hunty é um respiro ao tratar de temas complexos com leveza.

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