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Conheça o delegado que destroçou uma quadrilha que vendia brasileiras para o sexo

Luiz Tempestini, da Polícia Federal, conseguiu terminar o esquema que vendia as vítimas por até 100 mil dólares e pretende escrever um livro sobre o tema.

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 11h31 - Publicado em 15 jul 2014, 22h00
Patrícia Zaidan
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Foto: Divulgação

Um desavisado poderia confundi-lo com um atleta. Na página que o delegado da Polícia Federal mantém no Facebook só aparecem fotos dele no mar praticando kitesurfe. Luiz Tempestini, paulistano, 36 anos, adora se equilibrar numa prancha, atado por cabos a uma pipa ao vento – precisa do esporte para afinar o foco no trabalho. Mas afastou-se um pouco das águas para comandar a operação Garina, que, em outubro de 2013, desmantelou uma perversa quadrilha de tráfico humano.

Infiltrou homens para espionar e filmar em aeroportos, usou técnicas de inteligência e, por fim, escalou 70 policiais para a prisão dos envolvidos na Grande São Paulo. Em seis anos, os gângsteres exploraram 700 mulheres, movimentando 45 milhões de dólares. Como agiam desde 2003, a PF supõe que o total seja de 1,3 mil brasileiras vendidas a 10 mil dólares para uma semana de sexo, em Portugal, na África do Sul e, principalmente, Angola, onde vive o financiador do esquema, o general Bento Kangamba, parente do presidente do país e dirigente do MPLA, partido no poder há 38 anos.

Milionário, Kangamba é dono de um conglomerado de empresas, de um time de futebol português e de uma mansão em Mônaco. Se sair de seu país, será preso pela Interpol. A escolhida pelo excêntrico general – entre modelos, misses e capas de revistas masculinas – recebia 100 mil dólares.

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Segundo a investigação, as demais, não raro, eram lesadas pelo chefe do bando no Brasil, o músico Wellington Edward, apelidado de Latyno, que ficava com o dinheiro. Acreditando que viajariam para dançar em shows, elas acabavam confinadas na fazenda do político e, depois, eram até revendidas para fazer programas em prostíbulos angolanos.

Como funcionava o esquema?

A quadrilha era enxuta. Além do chefe no Brasil, dono da empresa de fachada Showtour, havia dois homens e duas mulheres. Uma delas mantinha, na Avenida Indianópolis (no bairro paulistano de Moema), uma casa com cinco suítes sofisticadas para atender só clientes muito ricos. A quadrilha aliciava moças lindas em boates, na rua ou até em lojas, onde trabalhavam.

No caso de atrizes de programas humorísticos de TV e modelos com cacife mais alto, o negócio era fechado com os empresários delas. Tinham o passaporte retido, a maioria sofria maus-tratos e era obrigada a transar sem camisinha, recebendo um coquetel antiaids, que era falso.

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Quando pegamos o último, o chefe, depois de um ano e meio de investigação, comemoramos como se fosse um gol. O grupo foi indiciado por sequestro, tráfico internacional, cárcere privado, rufianismo, lavagem de dinheiro e exposição a risco de morte – as mulheres podiam ser contaminadas pelo vírus HIV.

O que contará no livro que pretende escrever?

Quero dar detalhes da operação, do planejamento, da solicitação de apoio no exterior e do desfecho sincronizado: em menos de meia hora, prendemos todos os envolvidos, em locais diferentes. Se uma detenção ocorresse antes, os outros fugiriam.

Também pretendo alertar garotas que, por ingenuidade, caem na armadilha de ir dançar em shows lá fora sem saber que, na verdade, serão obrigadas a se prostituir. Eu acredito que, se tivessem outra oportunidade de trabalho, até mesmo aquelas que aceitam fazer programas não se submeteriam à exploração. Vou defender ainda, na linha do direito penal econômico, a responsabilização do frequentador, que, com seu poder financeiro, paga altos preços em prostíbulos.

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Responsabilizá-lo de que maneira?

Se a polícia der uma batida agora numa casa de luxo, o cliente pegará seu paletó e sairá como se não estivesse movendo aquela engrenagem, que pode até empregar meninas, menores de idade. Ele não comete um delito, mas participa. Em alguns países da Europa, a coima (multa ou pena pecuniária) é adotada para crimes do colarinho branco, corrupção, desvio de dinheiro.

Sou a favor de estudar algo parecido em relação à prostituição. A multa recolhida seria doada a instituições que combatem os exploradores e recuperam mulheres vitimadas. É uma forma de reflexão, a sociedade não pode ficar indiferente. Somos um país que vende eroticidade e acaba estimulando o turismo sexual.

Num evento no exterior, empresas levam mulatas para rebolar. A cultura é importante, mas precisamos pensar nisso. Num período em que frequentei muito Natal, ficava impressionado com a quantidade de estrangeiros atraídos por adolescentes que se ofereciam na orla. Onde há desigualdade e pobreza, o sexo pago atinge crianças ainda mais novas. A polícia sozinha não coibirá o tráfico de mulheres, terceira fonte de renda do crime, depois do tráfico de drogas e de armas. No caso do general de Angola havia ainda o ganho político: ele oferecia de brinde a noitada a amigos e correligionários.

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Como é a reação dos homens que pensam diferente? Eles veem em você um paladino contrário aos prazeres?

Alguns brincam, dizem que quero acabar com a diversão. O tráfico de mulheres não causa revolta. Quando são pagas, está tudo certo. Só provoca algum incômodo se acabam sendo roubadas pelo agenciador. O problema social é crescente. Se queremos ser civilizados, se fazemos protesto e passeata, precisamos mudar o pensamento masculino.

Por que escolheu trabalhar nessa área?

No colégio, aos 12 anos, uma amiga muito próxima mudou de comportamento de repente. Deixou de ser extrovertida, se deprimiu. Estava sendo abusada e ninguém sabia. A família descobriu que eram operários de uma obra perto da casa dela. Com o baque, eles acabaram indo embora da cidade.

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Foi notório para mim. A integridade física e a sexualidade de uma mulher são o seu maior bem. Ser violentada no que tem de mais valioso, é vil. Queria fazer alguma coisa para acabar com aquele tipo de abuso. Na polícia, minha tarefa era a repressão ao contrabando e descaminho. Quando veio o convite para a área, me deu o estalo. Era a chance de fazer o que desejei na adolescência.

É comum o tráfico de pessoas para outros fins?

Ocorre também o de bebês para adoção e o de pessoas para retirada de órgãos. Embora mais raros, são crimes combatidos com igual energia.

Numa atividade estressante, como mantém o equilíbrío?

O kitesurfe é tudo para mim. Fazer manobras me acalma, o mar renova. Gosto também de rafting, mas velejar é a volta a Deus. Quando preciso de foco maior no trabalho, me lembro do sol se pondo e fazendo um rastro na água – essa é a minha linha de velejo preferida. Lembro dela e, então, minha mente se abre.

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