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Conheça a história da primeira deputada brasileira a ser eleita na Espanha

Fazendo história, Maria Dantas é a principal personagem na luta pelos direitos dos imigrantes no país

Por Lia Rizzo
Atualizado em 17 fev 2020, 16h31 - Publicado em 25 jun 2019, 17h33
Maria Dantas, brasileira eleita como deputada na Espanha
 (Mar Joaniquet/CLAUDIA)
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Caminhando pelas ruas de Barcelona, a advogada Maria Dantas, uma simpática e franzina mulher de cabelos curtos e óculos, quase sempre vestida de jeans e camiseta, talvez passe despercebida. Mas, a despeito de sua aparência comum e amistosa, esta sergipana, que acaba de completar 50 anos, tem muito mais coisas a contar do que parece caber em meio século de vida.

No último dia 28 de abril, ela se tornou a primeira brasileira a ocupar uma cadeira no Parlamento espanhol, como deputada eleita pela Esquerda Republicana na Catalunha. O feito lhe conferiu visibilidade no país onde vive e, sobretudo, no Brasil.

Foi com surpresa que muitos veículos daqui noticiaram a vitória nas eleições. Afinal, pouco se sabia sobre a advogada que há 25 anos foi para a Europa em busca de uma especialização em direito ambiental.

Para entender como uma brasileira, de origem simples, chegou a um cargo político de relevância em um país governado pela extrema direita estando ligada a um partido de extrema esquerda, é preciso voltar alguns passos não apenas em sua trajetória mas também nos caminhos recentes da política espanhola.

Foi na sede do partido, em Barcelona, que Maria Dantas recebeu CLAUDIA para esta entrevista exclusiva. Sorridente e informal, ela logo disse: “Fiquei mais famosa agora, mas tem 20 anos que estou metida com movimentos sociais, tentando empurrar as instituições e fazer a diferença”.

O início do ativismo

Maria, ou Gracinha, como é chamada até hoje pela família, nasceu em Aracaju e tem duas irmãs e um irmão. O pai, caixeiro-viajante, e a mãe, enfermeira, fizeram questão que todos estudassem. Ela escolheu direito na Universidade Federal de Sergipe e, na mesma época, o ativismo estudantil. “Eu me envolvi com a União Nacional dos Estudantes muito cedo e participei intensamente dos movimentos sociais do diretório acadêmico”, lembra.

Ainda na faculdade, se casou e teve o primeiro filho, o escritor e cientista da computação Thiago Lee, hoje com 31 anos. Pouco depois, separada e com o curso concluído, aos 22 anos, ela se tornou delegada adjunta da Polícia Civil do Estado, função que ocupou pelos dois anos seguintes. “A partir da Constituição de 1988, muitas delegacias começaram a ser abertas, como a do consumidor e a do meio ambiente. Queria uma delas para mim”, conta.

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Decidiu cursar uma especialização em direito ambiental. Na lista de opções, São Paulo aparecia como primeira alternativa, mas era mais cara que um destino internacional. Maria vendeu, então, seu Fiat Uno branco e, em 1994, arrumou as malas e partiu sozinha para Barcelona, onde havia descoberto um polo de estudos na área que buscava.

Logo conheceu o segundo companheiro, brasileiro como ela, com quem teve duas filhas, Vitoria, 23 anos, cientista política, e Natalia, 22, enfermeira. O relacionamento não foi adiante, e a advogada precisou se virar em subempregos com jornadas prolongadas para dar conta de sustentar as meninas.

“Foi um período difícil. No Brasil, me via como uma adulta experiente, formada, delegada de polícia. Hoje entendo que cheguei aqui fragilizada, com conhecimento acadêmico, mas pouquíssima bagagem de vida”, reflete.

Maria Dantas
Maria entre ativistas brasileiras, na Cataluna, em marcha contra o racismo e a xenofobia (Mar Joaniquet/CLAUDIA)

A principal plataforma política de Maria Dantas é a defesa dos direitos dos imigrantes – condição repleta de dores que a deputada conhece muito bem. Sem “papéis”, como os espanhóis chamam os documentos de cidadania para imigrantes, por mais de uma década ela trabalhou em empregos informais.

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Foi doméstica, passeou com cachorros, limpou banheiros de restaurantes, cuidou de idosos, fez traduções e deu aulas de português. Nos fins de semana, ainda carregava as filhas para casas onde fazia faxina para completar a renda. Foi nesse período apertado de tempo e dinheiro que o ativismo voltou com força para o dia a dia.

“As meninas frequentavam escola pública e me envolvi com as associações de pais e mães. Percebi que não havia representatividade para quem era de fora ou praticava alguma cultura diferente. Então formamos uma chapa e empenhamos várias lutas já naquele ambiente”, lembra.

A conquista da cidadania catalã veio de um longo e midiático processo. Por peculiaridades na lei de estrangeiros, o destino de Maria ficou travado entre decisões do Poder Legislativo e do Judiciário. O primeiro entendia que ela deveria deixar a Espanha, enquanto o segundo determinava que ela ficasse, visto que suas filhas, nascidas ali, não poderiam sair do país sem autorização do pai – e o ex-companheiro não permitia.

Com a ajuda da empresa para a qual prestava serviços contábeis, Maria teve seu caso exposto na imprensa. Foi a pressão de veículos como El País, La Nación e até a rádio Cope, conhecida pelo conservadorismo, que fez com que o governo liberasse os documentos. “Desde aquele dia, eu sabia que ninguém mais iria me parar!”

A descoberta do feminismo

Tanta força e obstinação não livraram a sergipana de uma condição comum às mulheres, a violência de gênero. “Levei dez anos para entender o que havia se passado comigo”, afirma. “Quando reconheci o que tinha vivido, por mim e por minhas filhas, botei a peixeira nos dentes e prometi que mudaria essa condição. Ali comecei minha luta feminista.”

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Esquerdista e radical em muitos temas, a deputada é ponderada ao falar do movimento atualmente. “Ninguém se torna feminista porque o outro manda. É um processo gradual que tem que vir de dentro. Não pode ser uma exigência jamais.”

Maria Dantas
Em seus atos, a ativista relembra a vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março de 2018 (Mar Joaniquet/CLAUDIA)

Para Maria, as mulheres espanholas – e as imigrantes que vivem no país – sempre foram mais empoderadas. Em 2018, o índice de registro de ocorrências de agressões sexuais, por exemplo, foi de 20% lá, enquanto no Brasil ficou em torno de 10%.

Há cerca de três anos, porém, a atuação das feministas ibéricas se mostrou mais efetiva por causa do célebre caso La Manada, em que um grupo de cinco rapazes violentou por horas uma garota de 18 anos. Os abusos foram filmados e fotografados, mas, ainda assim, a Justiça do país não reconheceu o crime como estupro, e os algozes chegaram a ser liberados.

Na ocasião, o juiz declarou que a expressão da vítima não demonstrava temor, rejeição ou negação. A reação veio quando milhares de pessoas, a maioria mulheres, saíram às ruas para se manifestar e exigir mudanças na lei, além de pena maior para os criminosos.

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Nas eleições de agora, o feminismo foi escolhido como um dos grandes inimigos pela extrema direita. Em uma resposta clara e contundente, mulheres, principalmente as mais jovens e da classe trabalhadora, barraram o avanço da direita com seus votos, aumentando a participação da esquerda ao eleger gente como Maria Dantas.

Por que a Espanha?

Há muitas respostas para a escolha da Espanha, e não do Brasil, para o trabalho como deputada. A primeira pode envolver um aspecto cultural. “Aqui, sou considerada uma mulher jovem. Lá, temos uma forte ditadura da juventude; então eu seria velha”, diz, com evidente vigor, para então completar que, mesmo morando fora, jamais se esqueceu da terra natal.

Maria acompanha de perto os acontecimentos relevantes da política brasileira e, principalmente, os desdobramentos das investigações do assassinato de Marielle Franco. Faz questão de lembrar da vereadora carioca em seus atos, seja vestindo uma camiseta com a imagem dela, seja expondo uma foto.

Também se posiciona com frequência contra o atual governo do Brasil, o que já lhe rendeu pelo menos três ameaças de morte virtuais. “Minha casa, porém, é aqui. Na vida migratória, passamos muito tempo entre duas águas, por assim dizer. Quando consegui minha residência, decidi que, a partir daquele momento, minha cidade seria Barcelona.”

A entrada formal para a política não foi tão natural quanto a escolha do lar, apesar de todo o histórico de ativismo. Somente há seis ou sete anos uma companheira de manifestações a convenceu a participar das reuniões da Esquerda Republicana no setor de cidadania e imigração. O fim da história – ou apenas o começo – já sabemos.

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