– Amiga, sério, com quem eu saio esse final de semana? Olha esse aqui que lindo – minha amiga me fala, esticando o celular. Na janelinha do WhatsApp dela, vejo a foto de um cara incrivelmente gato. – Ele é advogado, tem dois filhos, é um superpai, todo esportista…
– Uau! Sai com ele já – falo.
– Mas também tem essa opção aqui, ó – ela mostra. – Empresário, divorciado, já morou na Tailândia…
– Deixa eu ver. Nossa.
– Se liga nesse outro aqui, olha. Esse é muuuito bom de cama. 20 anos mais novo que eu! Surfista! Tatuado! Olha essa barriga!
– Vejamos… Putz, não sei o que você faz da sua vida, desculpa.
Estou acostumada a ouvir os “problemas” dessa minha amiga, divorciada há dois anos e, há mais ou menos um ano, completamente em lua-de-mel com a vida de solteira. Com um celular na mão e infinitas janelas no WhatsApp com homens com quem ela está em graus variados de envolvimento – com um, ela saiu só uma vez e não mais; com outro, tem quase uma coisa séria, que está durando há meses, já outro some e aparece, some e aparece, some e aparece, enquanto outros estão na fila da conversa mole interminável, aguardando serem chamados para a primeira vez. A lista parece não ter fim.
– Isso deve te consumir um tempo danado – eu falo, lendo as conversas, que variam do tom fofo-amigo ao tarado apressado, do casual-engraçadinho e do charmoso-sedutor ao pura e explicitamente pornográfico.
– Nem me fala! Tô exausta! – ela responde, gargalhando. – É uma movimentação: Tinder, Facebook, Instagram, mensagem, encontrinho, jantarzinho… O ano ainda está na metade e já fui pra cama com 12 caras.
Minha amiga está ótima, animada, produtiva no trabalho, praticando mil exercícios físicos. Depois daquela fase inicial difícil do divórcio, depois daquela bagunça toda envolvendo as lágrimas, o apartamento, os filhos… Depois de reorganizar a rotina e de fazer um balanço da vida em geral, depois do medo do futuro, das escolhas e da solidão… Depois disso tudo, ela está bem.
Bem ocupada, na verdade.
Penso em quando me separei do meu primeiro marido. Penso em quando a minha bagunça de lágrimas acabou. Era 2005 e o ritmo dos encontros romântico-sexuais definitivamente era outro. Não vou dizer que eu era uma santa, mas, de novo, o ritmo era diferente. Era mais à la carte, sabe, menos rodízio do tipo “vá até onde aguentar”. Na maior parte do tempo, eu estava saindo com um cara de cada vez, vejam que coisa antiga. Mesmo que “a relação” durasse só algumas semanas, eu e minhas amigas solteiras e separadas costumávamos trocar mensagens (pelo SMS e pelo Messenger) com um grupo restrito de no máximo três caras – geralmente o cara com quem a gente estava saindo no momento, o cara remanescente do passado recente e o cara que estava aguardando a vez. Agora não se trata do cara do momento, mas dos caras do momento/mais os remanescentes/mais os que estão aguardando a vez, tudo isso num emaranhado de likes/texting/sexting/nudes. Mudou também o lugar de onde “brotam” os relacionamentos, casuais ou não: um estudo recente mostrou que mais de um terço dos casais nos Estados Unidos se conheceram na internet. O celular é um bar 24 horas para solteiros, como define o comediante Aziz Ansari no seu delicioso livro Romance Moderno – Uma investigação sobre relacionamentos na era digital (Paralela) escrito em parceria com o sociólogo Eric Klinenberg. É de lá esse estudo, assim como outros estudos e estatísticas bem interessantes:
(Para citar uma estatística bem interessante: a prática de mandar nudes está em expansão em todas as faixas etárias, exceto a de 55 anos ou mais. Ah, e o horário mais popular para essa prática é entre as dez da manhã e meio-dia das terças-feiras).
Nessa vida online tão movimentada, repleta de corações mal-intencionados no Instagram, emoticons cheios de camadas, expectativas e caracteres intermináveis no Inbox, não é de surpreender que as pessoas se confundam na hora de responder as mensagens.
– Eu andava conversando muito com a Ju – um amigo me contou dia desses, numa festinha. Divorciado, bonito, inteligente, culto, etc etc, ele também está participando ativamente da festa do Tinder, do WhatsApp, das redes sociais etc. – A gente tinha transado duas vezes e estava naquele processo de marcar mais uma vez. Mas aí outra Ju, uma Ju que tinha sumido e com quem tinha sido muuuito bom, apareceu do nada querendo me ver. No sábado à noite, quando a gente tinha marcado de ela ir lá em casa, mandei uma mensagem: “Tá chegando, Ju?”. Só que enviei pra outra Ju! Daí ela falou: “Acho que você está esperando outra Ju, né…”. Fiquei tão sem-graça. Eu não sou assim, sabe, eu dou atenção para as pessoas e tal. Mas pior é quando a gente não tá concentrado e troca os assuntos.
– Tipo como? – pergunto.
– Tipo, na última conversa com a Paula, que eu conheci pelo Tinder, ela falou que o cachorro dela estava doente. Dias depois, batendo papo com a Aline, perguntei pra ela do cachorro…
Numa sociedade em que a dificuldade de concentração é um problema geral, lidar com o número estratosférico de janelinhas no WhatsApp dos solteiros parece um verdadeiro desafio cognitivo. Como explica o americano Ajai, de 27 anos, no livro do Aziz:
“A gente tem à disposição vários cortes de carne. Tem a linguiça, que assa mais rápido. Tem o filé, que é o melhor, mas que leva algum tempo para ficar no ponto. Preciso conversar com todas essas garotas simultaneamente, do mesmo jeito que um churrasqueiro controla as carnes”.
Tem quem fique verdadeiramente desolado com esse novo cenário da vida dos separados e solteiros de hoje. “Como criar vínculos verdadeiramente profundos com alguém, se todo mundo virou produto de consumo? É uma liberdade sexual muito recente, um revival do movimento hippie dos anos 60, mas muito mais narcisista e fútil, totalmente descolado de outros valores”, analisa um amigo meu (ele mesmo dono de um WhatsApp agitadíssimo – e de uma cama mais ainda). Já a minha amiga do começo do texto está só desfrutando o lado bom (embora lamentando a trabalheira) sem analisar muito. “Me sinto mais bonita hoje do que aos 20 anos, muito por causa desses boys, que passam o dia me elogiando”. Tem quem se considere abertamente viciado ou, no mínimo, muito encantado com a facilidade dos encontros, tipo meu amigo que trocou uma Ju por outra e perguntou sobre o cachorro para a menina sem cachorro. “Tô nessa desde que me separei, há um ano. Me pergunto se dá pra ser feliz assim ou se eu deveria estar em busca de um relacionamento sério… Tô brincando, nem vou me preocupar com isso, já que, pelo amor de Deus, né, eu nunca mais vou conseguir tocar um relacionamento sério!”.
Entre os casados, também há diferentes visões sobre essa atual-e-digital-(e sensacional?)-conjuntura-sexual-amorosa. Tem um amigo que tenta se concentrar na esposa e no filho, mas, bonito e interessante do jeito que é, não resiste às tentações da pegação online e fica com um pé no casamento, outro na vida de solteiro. Tem uma amiga que, abertamente, morre de inveja das amigas solteiras e amaldiçoa o fato de ter se casado na época errada. Mas também tem aqueles casados que olham com superioridade esse mundo dos neo-solteiros e se orgulham de nunca perder tempo elaborando mensagens de texto espirituosas, ultrapassando o limite do plano de dados do celular ou fotografando o próprio órgão sexual. Com certeza tem quem acha que o mundo está mais perdido do que nunca. Também deve ter quem acha os solteiros de hoje são malucos e que a próxima epidemia que vai matar a humanidade vai ser de uma DST nova e mutante.
E tem eu, que, como se vê, adoro escutar a vida dos outros e depois escrever sobre isso.