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A urgência da responsabilidade afetiva em tempos digitais

Desenvolver empatia com os sentimentos nossos e dos outros é imprescindível

Por Bárbara dos Anjos Lima e Fernanda Colavitti
Atualizado em 17 fev 2020, 12h13 - Publicado em 27 out 2019, 08h00

Há uma piadinha sendo compartilhada na internet que resume bem o conceito de empatia e reciprocidade no relacionamento. “Essa boquinha aí só beija ou também tem responsabilidade afetiva, deixa tudo claro desde o início e não dá corda só para alimentar o ego?”, diz o meme, que mostra como esse termo vem se popularizando. Ele é recorrente também em textos e vídeos e está relacionado ao modo como nossas palavras, ações e omissões afetam as pessoas.

Ter responsabilidade afetiva é ser sincero sobre o que você sente pela pessoa com quem está se relacionando e o que espera dessa troca. Trata-se daquela velha máxima do clássico O Pequeno Príncipe, do francês Antoine de Saint-Exupéry, em que a raposa diz ao personagem-título: “És responsável por aquilo que cativas”. Trazendo o que foi escrito pelo autor lá em 1945 para os dias de hoje, seria como contar para a pessoa que você conheceu em um aplicativo de relacionamento, por exemplo, que está à procura de relações casuais. Ou não fazer promessas (como viagens, encontros, conhecer a família) que sabe que não vão acontecer.

Longe de ser uma atitude imatura de adolescentes, o que ocorre é que tem muita gente por aí se aproveitando das possibilidades de interpretação da comunicação moderna para ser irresponsável afetivamente nas relações. “Estamos vivendo uma fase de fluidez relacional”, afirma o psicanalista Christian Dunker, autor do livro A Reinvenção da Intimidade: Políticas do Sofrimento Cotidiano (Ubu Editora). O psicanalista, que vem estudando os relacionamentos modernos nos últimos anos, se refere à abertura completamente nova para experiências de intimidade e sexualidade e ao surgimento de tecnologias como os aplicativos, que nos permitem estar ao mesmo tempo engajados em múltiplas conversas.

(Flashpop/Getty Images)

“Essa é uma situação de colapso da responsabilidade afetiva, a de se colocar em um número maior de relações do que você pode conduzir. Inevitavelmente, alguém vai se machucar nessa história”, afirma Christian. Se alguém está saindo com duas (ou mais) pessoas ao mesmo tempo, existe a chance de desenvolver um sentimento mais profundo, uma intimidade maior, por alguém. Até aí, tudo bem. Mas, se o outro se apaixonar por quem não está a fim de compromisso, irá sofrer. Por esse motivo, todos os envolvidos em uma relação precisam estar cientes dos riscos para escolher se querem corrê-los ou não.

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Obviamente, a tecnologia não é a culpada pela irresponsabilidade emocional. Ela só facilitou as coisas. Embora seja novo, o termo em inglês ghosting (derivado da palavra ghost, que significa fantasma), usado para se referir ao término repentino de uma relação sem deixar explicações, não é uma invenção desta geração. A diferença é que antigamente as pessoas iam “comprar cigarros e nunca mais voltavam” e agora não respondem mais a mensagens e bloqueiam nas redes sociais.

A verdade, somente a verdade

Nem sempre é fácil definir com todas as letras os sentimentos – especialmente no início de um relacionamento, quando nem a gente entende o que está sentindo direito. O que a responsabilidade afetiva prega é só não prometer aquilo que não sabe se vai cumprir. Se uma pessoa diz para a outra que está apaixonada quando isso não é verdade, seja para satisfazer o ego, seja para conseguir sexo ou por qualquer outro motivo, ela está sendo irresponsável emocionalmente.

A empresária Maria Giaconi, 36 anos, de São Paulo, viveu essa situação. Durante uma viagem aos Estados Unidos, no começo do ano, ela deu match com um americano pelo Tinder, mas só iniciaram as conversas depois que ela já tinha voltado ao Brasil. “Ele dizia sempre que tinha se apaixonado, que viria me encontrar e até que queria ter filhos comigo. Fiquei muito tocada, pois estou nessa fase de querer engravidar”, relembra.

Meio desconfiada, Maria se rendeu às juras de amor e aos comportamentos dele, que indicavam que estaria falando a verdade. “Ele me ligava todos os dias, e também conversávamos por vídeo. Planejamos até a data e o local do nosso encontro.” Um dia, ela recebeu uma mensagem da namorada do cara contando que estava grávida de sete meses, que os dois moravam juntos e que ela já tinha lido diversas mensagens dele para outras mulheres com o mesmo tipo de promessa. Confrontado, ele negou tudo. Depois, bloqueou-a nas redes sociais e sumiu.

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Também pode ocorrer de a pessoa ter empatia, ser clara e transparente e ainda assim ser mal interpretada. Foi o que aconteceu com a engenheira Mariana Gaspary, 37 anos, de Campinas (SP). Ela começou a sair com um homem que conheceu pelo Tinder, mas logo percebeu que o interesse dele era maior que o dela. “Deixei claro que não estava apaixonada. Mesmo assim, ele quis prosseguir com os encontros. Na minha cabeça, o fato de eu ter sido sincera eliminava a possibilidade de ele criar expectativas de que teríamos algo mais sério”, conta. Mas ele interpretou o fato de continuarem se vendo como uma possibilidade de namoro e acabou magoado no final da história.

(Flashpop/Getty Images)

É evidente que existe uma diferença entre ser responsável emocionalmente e se obrigar a corresponder às expectativas e aos sentimentos alheios. “Trata-se de agir de forma que nossas ações e palavras não potencializem o sofrimento do outro nem o levem a crer em uma situação que não é verdadeira e que trará desapontamento”, diz a psicóloga Isabela Machado da Silva, professora da Universidade de Brasília. Ou seja, não iludir ninguém com promessas de uma conexão – ou um relacionamento – que não vai existir.

E isso pode acontecer simplesmente por um emoji de coração mandado na hora errada. “Não temos controle sobre o mundo interior do outro e, às vezes, mesmo que a pessoa seja clara e sincera, a outra cria expectativas”, diz a psicóloga Amanda Fitas, autora do livro independente Textos Obrigatórios para Você Se Relacionar Melhor. Diante de impasses dessa natureza, há dois caminhos, segundo a psicóloga clínica e terapeuta Ana Canosa, de São Paulo. “Você pode pensar: ‘Problema seu’ ou ‘Desculpe, não era essa a minha intenção’ ”, afirma. “Não há certo e errado, melhor ou pior; existem maneiras de fazer as coisas com mais ou menos empatia e ética. Pela minha experiência, as pessoas, mesmo quando sofrem, valorizam se são tratadas com gentileza e apreço”, conclui.

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Conhece-te a ti mesmo…

Voluntária ou involuntariamente, corremos o risco de sermos irresponsáveis emocionalmente ou de sofrermos com a atitude alheia. Para evitar essas situações, o melhor caminho é o autoconhecimento. “Se a pessoa não se escuta, não entende as próprias vontades e sentimentos, terá dificuldade de ser clara e honesta com os outros”, diz Amanda.

Da mesma forma, saber o que passa dentro da gente pode nos proteger de sermos vítimas. Diante de relacionamentos dúbios, Isabela aconselha fazer a si mesma as seguintes perguntas: “O outro está agindo de modo que justifique as minhas expectativas? Fez algo para eu pensar que isso é verdade ou que vai se tornar verdade?”.

Vale também destacar a diferença entre responsabilidade emocional e sincericídio. Não basta dizer de qualquer jeito só para tirar aquilo de dentro de si e se sentir uma pessoa legal. A dica é colocar em prática o conceito de comunicação não violenta, focando em como está se sentindo, e não em acusações ou agressões ao outro. É importante que ambos tenham ciência de que existe diferença entre o que o outro merece saber para tomar suas decisões e os detalhes que só contribuirão para aumentar o sofrimento de ambas as partes. Pois é… Além de ser sincera, “essa boquinha aí”, como diz o meme, precisa estar atenta a como fazer isso.

Torne-se responsável por aquilo que cativa

(Flashpop/Getty Images)

O psicólogo Christian Dunker lista atitudes de quem tem responsabilidade afetiva:

• Não dê ao outro muito mais ou muito menos intimidade do que você está recebendo.

• Não se afaste demasiadamente do que está sentindo; não traia a si mesma. Por exemplo, se você não se importa com uma pessoa, jamais diga que a ama.

• Preste atenção na toxicidade digital da sua relação. Se ela estiver acontecendo mais por WhatsApp e nas redes sociais do que presencialmente, fique alerta, pois o risco de haver deformações e desvios é grande.

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• Mantenha-se cuidadosa quanto ao seu relacionamento. Pense em você e no outro em vez de ter uma posição egoísta ou só focar no par. Se faz isso, tem mais chance de ser responsável com a sua relação.

No amor, na amizade, na família

A responsabilidade afetiva deve permear todas as nossas relações

O termo responsabilidade emocional se aplica a qualquer tipo de relação. A criança aprende a ver o mundo ao seu redor e a si mesma com base no que seus cuidadores dizem e na maneira como agem com ela. “Portanto, se é constantemente criticada ou negligenciada, pode crescer acreditando que, de fato, não é digna de amor ou que não pode confiar em ninguém”, diz a psicóloga Isabela Machado da Silva.

O psicanalista Christian Dunker lembra da irresponsabilidade das pessoas que não conseguem contrariar os filhos ou os amigos. “Não podemos ser subornados pelo amor, porque nos tornamos inconsequentes. Assim como não podemos ser subornados pelo ciúme, pelo ódio, pela inveja, por nenhum afeto, pois assim nos tornamos irresponsáveis afetivamente”, afirma. Ser responsável emocionalmente com quem amamos significa dizer a verdade, mostrar quando o outro está errado ou fazendo besteira, por mais difícil que pareça.

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