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“A maldade está nos olhos de quem vê. Trata-se, antes de mais nada, de uma fantasia”

A convite de CLAUDIA, duas pessoas com opiniões diferentes discutem a polêmica do pai que vestiu o filho de macaco Abul, amigo do personagem Aladim, no Carnaval. Confira o texto do jornalista Mario Mendes

Por Luara Calvi Anic
Atualizado em 28 out 2016, 14h06 - Publicado em 11 fev 2016, 14h49

Um pai vestido de Aladim, que fantasiou o filho do macaco Abul, amigo do personagem, foi criticado nas redes sociais neste carnaval. O episódio aconteceu em Belo Horizonte, quando o produtor de teatro Fernando Bustamante e sua mulher, Cintia, que estava vestida de Jasmine, postaram uma foto no Facebook da fantasia em família. Mateus, filho do casal, é negro e adotado. Depois da enxurrada de comentários, Bustamente se desculpou publicamente, dizendo que “Muitos podem ver um macaco na fantasia de ontem. Eu vejo o melhor amigo do Aladim, que vai conhecer o mundo ideal com ele e a Jasmine”. Para discutir a polêmica, convidamos pessoas de posições diferentes para escrever sobre o tema. O jornalista Mario Mendes vê as críticas das redes sociais como um exagero: “Como reza aquele surrado – porém verdadeiro – clichê, a maldade está nos olhos de quem vê. O que se pode perceber pelas fotos é o garoto Mateus bem feliz, se divertindo no colo do pai”. Já a professora de arte e cultura africana Renata Felinto, acredita que os pais da crianças devem revisar suas atitudes, já que agora são responsáveis por um menino negro: “Fernando e Cintia precisam estar atentos ao que está cristalizado como brincadeira, são essas sutilezas aparentemente inofensivas que ferem e constrangem, que estruturam o racismo brasileiro”. 

A seguir você confere o posicionamento de Mario Mendes. O texto de Renata Felinto pode ser lido AQUI

Abu, seu lindo!

Por Mario Mendes*

Demorei um dia inteiro – uma eternidade em se tratando de comunicação on line – para me inteirar completamente sobre a polêmica carnavalesca envolvendo o casal Cintia e Fernando Bustamante, que saíram para brincar o Carnaval em um bloco fantasiados como personagens de desenho animado da Disney. Ele foi de Aladim, ela de princesa Yasmin e o filho Mateus, vestido como o macaquinho Abu, o mascote e melhor amigo do herói das Mil e Uma Noites. Até aí tudo muito bom tudo muito bem, não fosse o fato dos pais serem brancos e a criança negra – ele foi adotado pelo casal. Pra que? O céu caiu sobre as cabeças dos pais, imediatamente condenados ao linchamento virtual praticado com grande vigor e entusiasmo nas redes sociais.

Bustamante só não foi chamado de santo, de resto não faltaram indignação – no melhor dos cenários – e achincalhe violento e até ameaças – no pior – por parte dos atuais guardiões da moral e dos bons costumes que fazem do ambiente em rede sua tribuna favorita para decidir quem deve viver ou morrer nessa versão cibernética do circo romano.

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Como atravessamos tempos de forte caráter conservador moralista – à direita e à esquerda do Pai – com o politicamente correto adotado como medida ideal para todas as coisas sob o céu que nos protege, Fernando e Yasmin receberam o veredito do polegar para baixo. Não só foram declarados racistas – e, portanto indignos – como também pais negligentes entregando a criança desamparada a toda sorte de vilipendio por parte da sociedade branca dominante que agora, com certeza, irá exercer o direito chamá-lo de “macaco” pois conta com a permissão paterna. Como se a intenção dos pais fosse única e exclusivamente humilhar uma criança negra que, claro, foi adotada com a pior das intenções. Aquele mecanismo perverso grande companheiro dos que estão sempre dispostos a atirar a primeira pedra – ou atirar para matar, escolha a sua arma.

Gostaria de esclarecer que chamei a polêmica de “carnavalesca” simplesmente por ter acontecido durante o Carnaval, porém não há como desprezar seu caráter chanchadesco. É preciso lembrar que trata-se, antes de mais nada, de uma fantasia e o personagem Abu, além de fofinho e querido o público infantil, possui um caráter positivo de protagonismo empoderado dentro da narrativa de Aladim – estou usando termos correntes muito queridos pela ala progressista para ser melhor compreendido pela patota inserida no contexto. E o que se pode perceber pelas fotos, é o garoto Mateus bem feliz, se divertindo no colo do pai, sem qualquer demonstração de ataques por parte dos foliões – o tribunal do Santo Ofício digital se constituiu mais tarde, diretamente do ambiente seguro diante da tela do tablet e do computador. Uns protestaram: “Por que não o fantasiaram de gênio?”. Alguns se indignaram: “Vergonha!”. Outros sugeriram, sem a menor noção: “Por que não vestiram a roupa de outro animal?”. E houve até os revoltados de sempre com seu mantra patético: “A culpa é do PT!”.

O que mais me surpreendeu nesse episódio não é a turba ignara ávida por uma demonstração violenta de força – estão aí os altos índices de audiência dos programas policiais na TV aberta, que não deixam a menor sombra de dúvida – mas o posicionamento de gente bem posta, aparentemente bem pensante e até reconhecidos intelectuais declarados – esses bradando reluzentes títulos acadêmicos, como um estandarte de virtude infalível – engrossando o caldo da insensatez histérica que deseja, acima de tudo, eleger algozes e vítimas.

Fernando Bustamante ainda entrou no jogo e chegou a pedir desculpas publicamente. Por que? Por ter levado a família pra se divertir no Carnaval? Por que, se foi ele quem recebeu uma enxurrada de xingamentos e agressões pelo fato de alguém se sentir ofendido com uma criança fantasiada como um inocente personagem de desenho animado?

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Como reza aquele surrado – porém verdadeiro – clichê, a maldade está nos olhos de quem vê. Ou como ouvi alguém dizer outro dia, diante do coitadismo generalizado que insiste em problematizar até a gargalhada como instrumento de opressão sobre quem não possui a dentição completa: “Desce da cruz porque estamos precisando de madeira”.

De minha parte ainda prefiro o espetáculo mambembe estrelado por Monga, a Mulher Gorila. Empoderada e colocando todo mundo pra correr. #oremos     

 

*Mario Mendes, 57, é jornalista de época. Atuou em veículos como Interview, Folha de S.Paulo, IstoÉ, Vogue, Elle, Trip e, mais recentemente, Veja. No momento é profissional independente produzindo conteúdo impresso e online, além de fazer a curadoria para a edição 2016 da Flica (Festa Literária de Cachoeira – BA). Declara-se um adicto em redes sociais e não resiste a uma polêmica virtual.        

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