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A comovente história de Luiza, um dos menores bebês já nascidos

Com uma série de tratamentos, como fisioterapia e hidro, Luiza, que nasceu apenas com 328 gramas, apresenta evolução surpreendente

Por depoimento a Fernanda Bassette fotos Bruna Brandão
Atualizado em 1 abr 2020, 17h22 - Publicado em 30 mar 2020, 20h00

Minha gravidez foi desejada e planejada. Eu sonhava em fazer as clássicas sessões de fotos com o barrigão de fora, ter um chá de fraldas e sentir o bebê chutar e mexer dentro de mim. Mas não pude viver nada disso. Minha filha, Luiza, nasceu quando eu estava com pouco mais de 5 meses e meio de gravidez, na 25ª semana de gestação.

Na manhã de 3 de julho de 2018, me assustei quando olhei no espelho. Com o rosto, as mãos e os pés extremamente inchados, praticamente não me reconheci. Lembrei que, no fim de semana anterior, na festa de aniversário do meu pai, os convidados que não me viam fazia algum tempo tinham comentado sobre meu inchaço. Não dei muita bola porque, para mim, era um sintoma normal de qualquer gravidez. Afinal, eu vinha fazendo o pré-natal regularmente e não havia nada de errado.

Mas, como também estranhei o tamanho do inchaço naquele dia, decidi ir ao hospital para ver se estava tudo bem mesmo. Como meu marido (Igor Batista da Silva, 31 anos, analista de expedição) estava trabalhando e eu não imaginava que seria algo tão sério, meus pais me acompanharam. Passamos o dia no pronto-socorro fazendo diversos exames. Durante o ultrassom, os médicos perceberam que eu havia perdido praticamente todo o líquido da placenta e me avisaram que, a partir daquele momento, eu era considerada uma gestante de alto risco. Recomendaram a minha transferência para uma maternidade especializada.

A essa altura, eu já tinha ligado para o Igor. Ele e minha mãe foram comigo para a maternidade. Já passava das 7 da noite. O atendimento foi bem rápido. Mediram minha pressão arterial – estava acima de 20, quando o normal é em torno de 12. Os enfermeiros mediram de novo e de novo na tentativa de confirmar. Eles nem me deixavam ver os valores para evitar que eu ficasse ainda mais nervosa.

O médico foi taxativo. “Você teve eclâmpsia (pressão alta na gravidez), perdeu todo o líquido amniótico e o bebê está em sofrimento fetal. A única solução é fazer o parto imediatamente. O problema é que provavelmente não conseguiremos salvar os dois. Então vocês precisam escolher entre a vida da mãe e a do bebê. Nós, da equipe médica, priorizamos a mãe. Você é jovem e poderá voltar a engravidar. Já as chances de sobrevivência do bebê, assim tão prematuro, giram em torno de 10%, sem contar que é bem provável que tenha muitas sequelas”, disse ele. Avisou, então, que nos deixaria a sós para pensarmos por alguns minutos, já que, diante do risco, não havia muito tempo.

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Nosso mundo desabou. Eu e o Igor estávamos sozinhos naquela sala e tínhamos cinco minutos para decidir entre a minha vida e a da Luiza. Desesperados, choramos, oramos, pedimos ajuda a Deus. Era um momento de muita angústia. Como escolher quem tinha o direito de viver? Depois de muitas lágrimas, concordamos com o médico e optamos por preservar a minha vida. Avisamos minha mãe, que nos aguardava na recepção, que a única solução seria interromper a gravidez. Ela ligou para alguns familiares dando poucas esperanças de vida para Luiza. Mas, ainda assim, nunca deixei de acreditar que minha filha sobreviveria.

Por volta das 8 horas da noite, fui levada para uma sala de observação, onde passei a ser monitorada. A equipe médica esperava que eu entrasse em trabalho de parto naturalmente – o que seria menos arriscado para minha saúde. Como não aconteceu, induziram o parto, mas eu não tinha contrações. Passamos a madrugada toda esperando Luiza nascer, e nada. Igor passou a noite toda num banquinho desconfortável de mãos dadas comigo. Eu já não tinha mais esperança de a Luiza nascer viva. Começamos a nos preparar para aceitar o fato – teríamos que enfrentar o velório da nossa filha. Quando deu 6 da manhã do dia seguinte, decidiram que era melhor eu ir para o centro cirúrgico. Não dava mais para esperar.

Às 6h52 do dia 4 de julho, nascia o nosso milagre, Luiza Vitória. Com 27 centímetros, pesando apenas 328 gramas, pálida, com a frequência cardíaca baixíssima, foi imediatamente reanimada pela pediatra. Logo ouvi como se fossem dois miados. Era Luiza, fraquinha, mostrando que estava ali, viva, e que queria continuar vivendo. Aquilo nos encheu de esperança, de fé e de medo do que viria pela frente.

Não me deixaram vê-la. Ela foi rapidamente encaminhada para a incubadora da UTI neonatal. Como eu também corria riscos, tive de ser transferida para um hospital com UTI para adultos. A eclâmpsia havia evoluído para síndrome de Hellp, complicação rara e grave da gestação, que tem, entre outras consequências, a baixa contagem de plaquetas. Não há uma causa conhecida para a síndrome. Basicamente, consiste em uma má adaptação do organismo à gravidez, ativando fatores imunes e provocando alterações vasculares. Fiquei internada por cinco dias na UTI e por mais três no quarto.

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Foram oito longos dias longe de Luiza. Só via minha filha pelas fotos e vídeos que meu marido mandava.  Meu coração se partia a cada imagem da nossa pequena guerreira, toda entubada naquela incubadora. Nos vídeos, Igor mostrava que, quando conversava com Luiza, ela se mexia. Era muito emocionante. Queria sair daquele hospital o mais rápido possível. Minha filha precisava de mim; e eu, dela. Imaginava aquele ser tão pequeno, tão frágil, lutando dia a dia para sobreviver. Não era justo deixar de lutar por Luiza. Assim que tive alta, corri para a UTI neonatal da maternidade em que ela estava.

Ao vê-la pela primeira vez e naquela situação, minhas pernas bambearam. Eu não podia pegá-la no colo ainda por causa do risco de infecção. Só podíamos tocar seu corpinho pelos orifícios da incubadora. A partir daí, passei a ficar dia e noite ao lado dela, cantando e contando histórias. Fazia também a ordenha para que pudessem amamentá-la com o leite materno. A cada grama de peso que ela ganhava, comemorávamos – era uma vitória. Sempre que a dieta aumentava 1 mililitro, era como se nós tivéssemos vencido uma Copa do Mundo.

Com 21 dias de vida, pesando cerca de meio quilo, Luiza Vitória foi submetida a uma cirurgia cardíaca para correção de uma válvula que não havia se desenvolvido. Ela respondeu mais rápido do que o esperado. Quando completou 30 dias, o médico deixou que  pegássemos nossa pequena no colo usando o método canguru, em que o peito do bebê fica colado ao peito da mãe ou do pai. Foi o melhor momento da minha vida. Finalmente, pude sentir seu cheiro, seu coração batendo, aconchegá-la em meus braços. Fiquei com Luiza no colo das 4 horas da tarde às 7 da noite. Não queria mais soltá-la.

Poucos dias depois, levamos um susto. Luiza pegou uma infecção e teve que receber antibióticos por dez dias. Em seguida, outro susto: o tubo que a mantinha respirando entupiu e a saturação chegou a 10, quando o normal fica entre 93 e 100. Nossa pequena precisou ser reanimada pela equipe. Mais um milagre na vida dela.

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(Acervo pessoal/Reprodução)

Ao todo, Luiza Vitória passou 75 dias entubada e foram várias as tentativas de extubação. Recebeu seis transfusões de sangue e uma de plaquetas. Assim, vivemos dias e noites dentro daquela UTI, vendo outras mães e pais passando pelo mesmo desespero que nós, muitos bebês partindo, outros chegando. E Luiza Vitória lá, firme e forte, lutando pela vida.

No dia 5 de outubro, aos 3 meses, minha filha tomou seu primeiro banho de banheira. Até então, os banhos eram no leito. Ela amou! Foi lindo ver seu rostinho feliz enquanto ela brincava com a água. No dia 10 de outubro, pude colocá-la no peito para amamentar. Não sei nem explicar a emoção que senti. Quanta alegria saber que eu ainda tinha leite suficiente para ela mamar. E ela pegou o peito e aprendeu a sugar rápido, surpreendendo a todos. Dia após dia, ela mamava cada vez mais e ia ganhando peso.

Após 127 dias de UTI, recebemos a tão sonhada alta e pudemos levar nossa guerreira para casa. Com quase 5 meses, Luiza media 42 centímetros, pesava 2 quilos e estava absolutamente saudável. O ultrassom neurológico não mostrava nenhuma alteração. Aquele bebê, nascido prematuro extremo, com 25 semanas de gestação, pesando apenas 328 gramas – menos do que um pote de margarina –, estava viva. Posteriormente, ela foi diagnosticada com encefalopatia crônica não progressiva (paralisia cerebral).

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Certamente é um dos menores bebês nascidos vivos do Brasil e do mundo*, ela leva uma vida normal. Foi internada no ano retrasado rapidamente para tratar de um problema de visão, que está em remissão. Na parte da manhã, faz fisioterapia, hidroterapia e terapia ocupacional, que só podem ser realizadas graças ao apoio financeiro de amigos e familiares. O convênio não cobre nenhum dos procedimentos. O estrabismo é tratado com o uso do tampão, 6 horas por dia em cada olho. Além disso, tem rigidez nos quatro membros: braços e pernas, mas o lado esquerdo é ainda mais comprometido, mas, segundo a equipe que cuida dela, tem tudo para evoluir bem, desde que siga com os exercícios.

Perto de completar dois anos, ela ainda não anda, mas tem o tamanho e a desenvoltura equivalentes a os de um bebê de 10 meses. Está começando a aprender a ficar em pé sozinha e treinando a posição de quatro apoios para engatinhar. Hoje ela mede 70 centímetros e pesa quase 8 quilos – o que é considerado ótimo para sua idade corrigida, que seria de 1 ano e 6 meses agora, caso tivesse nascido na data correta. Os médicos afirmam que até os 2 anos ela alcançará o desenvolvimento normal de uma criança. Todos ficam impressionados com a rapidez com que ela evoluiu. O progresso deve ser intensificado com a entrada dela na escola, já que passou a interagir com outras crianças. A orientação veio dos próprios profissionais que a acompanham, como o neurologista, pediatra e as terapeutas.

Luiza Vitória veio ao mundo para nos dar uma lição. Não tive barrigão para tirar foto e nunca mais vou ter, pois, se eu engravidar de novo, há o risco de enfrentar o mesmo problema. Mas Deus sabe das coisas. Se não passei por isso, é porque não era para ser. Mais importante do que  um álbum de fotos de grávida é ter meu maior milagre, a Luiza, em meus braços todos os dias.”

*O Ministério da Saúde informa não saber qual o menor bebê nascido no Brasil porque não computa dados de bebês nascidos com menos de 500 gramas e nem com mais de 4 quilos. Já a Fundação Oswaldo Cruz, referência no atendimento de prematuros extremos, informou que o menor bebê atendido no ano passado nasceu com 27 semanas, pesando 410 gramas.

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