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Testes genéticos preveem a reação de cada pessoa a medicamentos

A medicina personalizada está chegando sem fazer alarde e com resultados mais rápidos e eficazes

Por Cristina Nabuco
2 jan 2019, 11h43

Muitas vezes, ao sair de uma consulta médica com uma receita na mão, você se pergunta: “Será que são o remédio certo e a dose adequada para mim?”. Pois já é possível saber antes de tomar o primeiro comprimido – e com mais exatidão do que pelos métodos usuais, que se baseiam em dados estatísticos de grandes estudos e na experiência do médico.

A resposta está nos genes. São eles que coordenam a produção de enzimas necessárias para quebrar os fármacos. Dependendo das particularidades individuais, a mesma dose de determinada medicação, que não funciona para alguns, pode levar outros ao hospital.

A farmacogenômica, ou farmacogenética, identifica as características genéticas para prever a reação da pessoa ao medicamento. Mostra de antemão quem corre o risco de apresentar efeitos adversos graves a fim de reduzir sua incidência e conseguir maior adesão ao tratamento. “A medicina de precisão é uma oportunidade de tornar os tratamentos mais individualizados e propensos a produzir bom resultado”, disse o geneticista Francis Collins, diretor dos prestigiados Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, para a rede de televisão CBS.

A principal ferramenta da medicina sob medida são os testes genéticos. “Eles permitem que se descubra o medicamento adequado em tempo mais rápido, com maior eficiência, mais segurança e menor custo”, esclarece Guido Boabaid May, psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e fundador de uma startup dedicada à realização de testes para doenças da mente. É o caso da depressão, que atinge mais de 300 milhões de pessoas no mundo e já constitui a maior causa de incapacidade física e mental.

Graças às informações fornecidas por esses testes, houve aumento de 50% na taxa de remissão de sintomas psiquiátricos entre pacientes que antes não respondiam à medicação – de acordo com um dos maiores e mais controlados estudos sobre a aplicação desses testes em pacientes com doenças mentais, apresentado em maio no Congresso da Associação Americana de Psiquiatria. Além disso, os resultados apareceram mais depressa.

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Segundo May, pelo método tradicional, os médicos precisam esperar de três a seis semanas para observar se um antidepressivo está provocando boa resposta – ou até 12 semanas se for uma combinação de fármacos. O estudo, realizado sob a coordenação dos médicos Sagar Parikh e John Greden, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, acompanhou 1 167 voluntários recrutados em 20 centros médicos.

Embora a bagagem genética seja um dos fatores que influenciam a resposta ao medicamento – além de idade, estado nutricional, condição de saúde e ambiente, que podem ser avaliados na consulta –, durante muito tempo ela permaneceu inacessível. O termo farmacogenética foi cunhado em 1959.

O campo, porém, só se desenvolveu a partir dos anos 1980, especialmente depois de 2000, com a divulgação das conclusões do Projeto Genoma Humano, consórcio internacional que consumiu uma década de pesquisas e investimentos monumentais para mapear os 30 mil genes do DNA humano.

Planos de combate no DNA

Os testes genéticos procuram marcadores no DNA, os chamados poliformismos de base única, locais onde ocorrem variações que indicam como a pessoa reagirá a um fármaco: se terá uma resposta benéfica (a desejada), neutra (o remédio não fará efeito) ou desfavorável (haverá muitos efeitos colaterais).

Essa informação facilita a escolha do medicamento e o ajuste da dose. O uso mais consagrado é para determinar a indicação do anticoagulante oral varfarina na prevenção e tratamento da trombose, formação de coágulos nas veias.

Como a dose terapêutica é próxima da dose tóxica, capaz de ocasionar hemorragias graves, durante anos foi o segundo medicamento a provocar mais idas ao pronto-socorro nos Estados Unidos. O quadro mudou com a análise de variações nos genes CYP2C9 e VKORC1. “Ela ajuda a estabelecer a dose de maior eficácia e menor risco de hemorragia”, explica Guilherme Suarez Kurtz, professor de farmacologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

O teste também está bem documentado para a codeína, analgésico potente da família dos opioides, destinado ao alívio de dores moderadas. Cerca de 10% da população apresenta uma variação no gene CYP2D6 que torna a metabolização do remédio mais lenta, impedindo que produza o alívio desejado. Já outros 30% o metabolizam de maneira tão rápida que até doses baixas podem ter efeitos tóxicos, como confusão mental e sonolência extrema.

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Outro teste avalia a possibilidade de a sinvastatina, medicação mais empregada para controle do colesterol, causar dores ou desgaste nos músculos. Conforme o resultado, recomenda-se dose menor ou outra estatina. Pacientes HIV positivos também podem se beneficiar. Devido a uma variação genética específica, de 5% a 10% deles estão predispostos a uma reação de intolerância tão forte ao antirretroviral abacavir, integrante do coquetel contra a aids, que os obriga a suspender o uso.

Na Austrália, é obrigatório realizar o teste antes de prescrever o abacavir, avisa Kurtz. “Essa informação pode ser decisiva para obter uma resposta terapêutica excepcional.” Os testes são úteis, ainda, para quem vai tomar o anticonvulsivante carbamazepina, droga mais receitada contra epilepsia. Em portadores de certa variação genética, ela pode induzir a reações cutâneas gravíssimas, com formação de úlceras capazes de infectar e até provocar a morte.

Na oncologia, testes genéticos ajudam a traçar o plano de combate ao câncer. Nesse caso, o que se examina não são as características herdadas dos familiares, mas os genes do próprio tumor para estimar sua sensibilidade aos medicamentos e escolher alvos específicos. O pioneiro desses agentes é o trastuzumabe, anticorpo que ataca uma proteína produzida pelo gene Her2 positivo, presente entre 20% e 25% dos tumores de mama e responsável por uma das formas mais agressivas da doença.

Já o imatinibe é recomendado para tratar leucemia e outros tipos de câncer quando se encontram mutações nas células malignas sugestivas de sensibilidade à droga. Esses medicamentos surtem efeito apenas para as pessoas que se encaixam nesses perfis.

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Enquanto em áreas como o câncer alguns testes já estão incorporados na rotina de cuidados do paciente, em outras a implantação acontece em ritmo mais lento do que o esperado em decorrência de quatro obstáculos, apontados por Guilherme Kurtz:

• Custo. São caros – em média 4 mil reais nos serviços privados –, e a maioria dos planos de saúde não os reembolsa. A tendência é que o preço caia à medida que forem se difundindo.
• Resistência do profissional. É necessário convencer o médico de que essa ferramenta é segura e substitui o método tradicional de tentativa e erro.
• Falta de evidência de utilidade clínica. Uma coisa é mostrar que uma variação genética está associada a um fármaco. Outra é provar a utilidade dessa informação. Tem de estar documentado, por meio de pesquisas científicas, que a variação é frequente e decisiva para o tratamento.
• Ausência de diretrizes sobre como interpretar os resultados e fazer a prescrição. Algumas iniciativas procuram suprir essa lacuna.

O https://www.pharmagkb.org é um banco de dados público, ligado aos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, que divulga informações sobre 65 farmacogenes envolvidos na resposta a várias drogas. Já o Clinical Pharmacogenetics Implementation Consortium, consórcio internacional baseado nos Estados Unidos desde 2009, disponibiliza 35 diretrizes sobre remédios para diversas doenças. Na Holanda, o Dutch Pharmacogenetics Working Group, fundado em 2005, realiza trabalho semelhante.

Bagagem brasileira

Duas áreas em que as aplicações têm crescido, inclusive no Brasil, são a neurologia e a psiquiatria. Os testes realizados na startup criada por Guido May sequenciam 26 genes à procura de 506 variantes para 79 medicamentos contra depressão, transtorno bipolar, ansiedade, insônia, fibromialgia, epilepsia, Alzheimer e Parkinson entre outras doenças.

“O gene MTHFR é responsável pela codificação de uma enzima do fígado, de mesmo nome, que converte o ácido fólico da dieta na sua forma ativa, o metilfolato, para ser utilizado pelo organismo”, exemplifica May. “O ácido fólico é precursor de três neurotransmissores: serotonina, dopamina e norepinefrina. Uma variante nesse gene reduz a atividade dessa enzima, o que afeta a produção desses mensageiros químicos relacionados ao humor. A pessoa com essa característica pode necessitar de suplementação com metilfolato para responder melhor ao tratamento.”

A Rede Nacional de Farmacogenética (Refargen) reúne desde 2003 pesquisadores do Brasil inteiro empenhados em investigar e desenvolver terapêuticas individualizadas mais eficazes e menos tóxicas para nossa população. “Algumas variações genéticas são comuns em povos europeus, africanos ou ameríndios. A extrapolação desses dados não é apropriada aos brasileiros porque somos heterogêneos e miscigenados.

Precisamos testar a frequência dessas variações em pessoas de diversas regiões para determinar se o teste pode ser útil aqui”, explica Kurtz, que coordena a Refargen. Por exemplo, uma delas, associada a reações cutâneas graves à carbamazepina, é bastante comum no Sudoeste da Ásia, mas pouco prevalente no Brasil. “Conhecendo bem as características da população, podemos escolher que testes devemos implementar.”

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Para Kurtz, mais interessante do que fazer apenas testes voltados para medicamentos específicos, seria traçar um painel genético individual cobrindo diversos genes, que valeria para a vida inteira. As informações ficariam guardadas no nosso prontuário médico eletrônico para serem consultadas sempre que necessário. Talvez esse seja o próximo passo da medicina personalizada.

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