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“O Brasil fez a opção de não investir em Ciência e Tecnologia”

Márcia Correia e Castro está à frente do Canal Saúde, da Fiocruz, coordenando a cobertura da pandemia e fala sobre ansiedade, isolamento e pesquisas

Por Ana Claudia Paixão
Atualizado em 26 Maio 2020, 10h30 - Publicado em 23 Maio 2020, 16h00

O Canal Saúde é um canal do Sistema Único de Saúde (SUS), administrado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Tem alcance nacional e está no ar das 7h até meia-noite, com uma programação própria toda voltada para Saúde. Ele foi ao ar pela primeira vez em dezembro de 1994, com total acesso ao riquíssimo acervo da Fiocruz, com mais de 2 mil vídeos e informações de pesquisas desde o século 19. Coordenado pela jornalista Márcia Correia e Castro, que faz parte da equipe desde 1995, o Canal Saúde está 100% envolvido com as questões da pandemia. 

“O desafio fundamental é sempre o mesmo embora ele vá mudando de formatação, que é dar audiência e fazer com que ele seja assistido num contexto completamente desfavorável”, diz Márcia. “Temos restrições orçamentárias, o Canal Saúde é o menor orçamento de televisão no Brasil, no âmbito educativo/público. Em 1994 tínhamos uma hora de programação de vídeos, agora temos 17 horas diárias de programação, das 7 da manhã à meia-noite. Dessas 17 horas, 50% são de produção própria. O canal precisa ser um espaço para que os atores do setor saúde possam escoar suas produções, materiais e discursos. Temos programas de parceiros como o Conselho Federal de Farmácia, Conselho Nacional de Saúde, da TV Unifesp, da USP, ou seja, tentamos colocar programas de diversos atores do campo de saúde, ciência, tecnologia e inovação em saúde”, ela explica.

Mas a conversa, como não poderia deixar de ser, é sobre a pandemia. Angústias, família, pesquisa e até depressão. Márcia conversou com CLAUDIA por telefone, porque também está em home office

CLAUDIA: Como está a sua rotina na quarentena?
Marcia: Alterou muito. Houve acúmulo de trabalho, mesmo dividindo as tarefas com o meu marido. Antes da pandemia eu acordava, tomava banho e ia trabalhar, agora tem que limpar casa, lavar roupa, fazer comida, estender roupa. Estou trabalhando muito mais. A Fiocruz está na linha de frente na luta da COVID-19, e, embora trabalhando em home office, é muito mais volume de trabalho e preciso conciliar com os trabalhos de casa. E, por estar em casa, gera a sensação de que a pessoa está 100% disponível, porque não tem mais aquela coisa de “será que ela vai poder?

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CLAUDIA:  No Canal Saúde vocês trabalham com um conteúdo muitas vezes de difícil compreensão, não?
Marcia: A primeira missão do Canal Saúde é deixar explícito para as pessoas que saúde não é a mesma coisa que a ausência de doença. Você não estar doente não quer dizer que esteja saudável. Trabalhamos com o conceito ampliado de Saúde, onde saúde é um conjunto de aspectos como o bem-estar físico, psíquico e social. Saúde não é uma questão individual, mas coletiva. Você precisa ter uma sociedade saudável para que os indivíduos sejam verdadeiramente saudáveis. Na nossa grade temos um programa que explica uma doença e como se prevenir, e temos programa para discutir por exemplo a questão ambiental, tentar discutir a coisa de um ponto de vista holístico. Falamos sobre cultura, educação, meio ambiente e tudo isso tem a ver com saúde.

CLAUDIA: Com a pandemia, quais foram os desafios?  
Marcia: A COVID-19 evidencia questões sociais e coletivas como a desigualdade social, a agressão ao meio-ambiente. Com a pandemia, as consequências dessas questões aparecem de uma maneira muito evidente. Nosso desafio [no Canal Saúde] é o de sempre: conciliar a prestação de serviço com esse debate, por isso passamos a ter um programa jornalístico diário que atualiza as informações da pandemia. Também temos um programa semanal ao vivo, chamado Sala de Convidados, que é o carro-chefe da grade e se voltou totalmente para a COVID-19 e onde tentamos aprofundar as discussões.

CLAUDIA: Ainda há muitas dúvidas e incertezas, que contribuem para a sensação de insegurança… 
Marcia: Essa doença não existia, é uma doença recém-nascida que passou a existir há meses. Os médicos nunca trataram alguém com COVID-19 antes, os cientistas não conhecem o comportamento do vírus, estamos engatinhando, estamos aprendendo a lidar, por isso precisa do isolamento social porque ninguém sabe o que está acontecendo e como vai ficar. Tem cientistas otimistas que dizem que esse novo coronavírus vem de uma família de vírus que nos humanos gera anticorpos e resistência. Já os cientistas pessimistas dizem o contrário. Enquanto não houver evidência clínica, não tem como afirmar nada.

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CLAUDIA: Como explicar e tentar acalmar a ansiedade?  
Marcia: Costumo falar para os meus filhos assim: lembra quando os portugueses chegaram no Brasil e os índios morriam de gripe? É o que está acontecendo com a gente agora. É um vírus novo, que nunca ninguém no mundo teve contato, e por isso que algumas pessoas estão morrendo, por isso que é tão rápido e por isso ninguém está sabendo o que fazer. O canal Saúde se vê nesse momento com uma missão de várias faces. A primeira é a de quem trabalha com o jornalismo, que é uma questão histórica de registrar o que está acontecendo. Hoje, quando falamos de revolta da vacina ou de um exemplo bem próximo da gripe espanhola, vamos aos arquivos da Fiocruz onde há fotos, jornais. Tudo o que aconteceu na gripe espanhola a gente acessa lá. Então é importante que no futuro a humanidade possa acessar o que aconteceu nesse momento, essa é a primeira questão.  A segunda missão é a de divulgar o que a instituição Fiocruz está fazendo, ela é uma instituição pública, de Estado e estratégica e o que ela está fazendo pode contribuir para a sociedade. A mídia hegemônica vai pegar pontos que estão na crista da onda e que despertam mais interesse, mas têm muitos outros aspectos que passam despercebidos e a gente se vê nessa missão de divulgar. E a terceira  de prestar serviço para a população. A gente sabe das coisas antes e com mais profundidade, por isso criamos o programa diário, criamos um programa para a internet, estamos desenvolvendo produtos pra atender a essa demanda da COVID-19.

(Canal Saúde/Divulgação)

CLAUDIA: Como está a questão da pesquisa da vacina?  
Marcia: No Brasil estamos participando de estudos internacionais para a produção da vacina. Claro, é com uma contribuição relevante porque temos capacidade para desenvolver projetos, mas nossa capacidade de produção é reduzida. Isso foi uma opção e é uma opção que vem se perpetuando há décadas, que passa por todos os governos. O Brasil foi fazendo a opção de não investir em ciência e tecnologia, e hoje não temos por exemplo, autonomia para produzir respiradores, temos que importar. Houve um esvaziamento do Complexo Produtivo de Saúde, que são os conjuntos de empresas públicas e privadas capazes de produzir medicamentos e vacinas no Brasil. A curto prazo é mais barato comprar o pronto, mas aí, em uma situação que estamos vivendo agora, não temos capacidade instalada.

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No mundo, existem mais de 100 pesquisas sobre vacina para esse tipo de coronavírus, mas ainda não há nada afirmativo. No momento atual da pandemia, o que eu acho mais angustiante para a humanidade, é que não há como ter controle de nada, e não tem perspectiva de quando as coisas voltarão ao normal. Pode ser que dure anos, indo e voltando de quarentena.

CLAUDIA: A discussão sobre medicamentos também geram dúvidas, não?  
Marcia: Como uma pessoa que trabalha há mais de 20 anos em uma instituição de ciência e tecnologia, sou guiada pela ciência. A ciência não tem certeza que a hidroxicloroquina é eficaz contra a COVID-19. Se fosse qualquer outra doença, você compraria um medicamento que você não sabe se aquilo adianta? Temos dentro da Fiocruz o Instituto Nacional de Infectologia, que está participando da pesquisa internacional que estuda diversas drogas para descobrir o tratamento da COVID. Várias drogas são estudadas, inclusive a cloroquina. Têm estudos que apontam bons resultados, outros mostram que não tem resultado nenhum.

CLAUDIA: Então a polêmica em torno da cloroquina não está perto do fim?  
Marcia: O problema desse medicamento é que ele tem efeitos colaterais graves. Você está disposto a se expor aos riscos dos efeitos colaterais em função desse remédio? Geralmente a resposta da ciência é: se o benefício justificar o risco, você se expõe. O problema é que não tem um benefício comprovado. Eu diria o seguinte: a hidroxicloroquina pode ser uma solução pra COVID-19? Pode ser que seja, mas não foi comprovado ainda, e os efeitos colaterais vão desde arritmia cardíaca até parada cardíaca. Você está disposto a se expor a essa possiblidade por um remédio que você não tem certeza que vai melhorar teu quadro? Não temos certeza ainda, as pessoas ficam muito ansiosas para ter uma solução para a vida voltar ao normal, mas precisam ter paciência. Precisamos tentar viver da melhor maneira possível dentro dessa realidade e sabemos que não é fácil.

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(Canal Saúde/Divulgação)

CLAUDIA: Muitas pessoas estão se sentindo no limite psicológico com o isolamento…  
Marcia: Eu saí ano passado de um quadro muito grave de transtorno de ansiedade, eu achava que estava doente o tempo todo, e quando chegava no hospital estava tudo bem. Foi uma loucura trabalhar com esse lado da pesquisa tendo ansiedade. Eu tinha crises no meio do trabalho, achava que estava morrendo. Tem uma pandemia silenciosa de depressão e ansiedade, que talvez não esteja sendo abordada da maneira que deveria. Claro que tem casos extremos, tem gente passando fome e não tem como trabalhar, mas também tem um conjunto de pessoas que está muito deprimido, ansioso, estressado, mal de cabeça.

CLAUDIA: E como você está lidando com isso?  
Marcia: Eu continuo fazendo análise por tele-atendimento durante a pandemia e eu faço ioga todo dia. Eu descobri a ioga na pior época do transtorno. Sabe quando você está na sala de espera e uma pessoa que você ama muito está fazendo cirurgia e tem 60% de chances de morrer na cirurgia? Eu sentia essa angústia 24h por dia. Até que um colega de trabalho do Canal Saúde me deu a dica, eu procurei no youtube, e descobri que enquanto estava ali praticando ioga não tinha aquela sensação. Porque você fica focado no movimento e você não sente.  Agora eu faço pelo menos uma hora, todos os dias.

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CLAUDIA: É o que você recomenda?  
Marcia: Minha psiquiatra ficou preocupada com o início da pandemia porque achou que eu iria piorar, mas não piorei. Estou atravessando bem. Precisamos achar espaço nessa nova realidade. Se ficarmos amarrados em voltar ao que era antes as coisas não vão andar. O mundo vai mudar por muito tempo, a COVID vai viver com a gente. A máscara do rosto vai virar a nova camisinha, todo mundo vai ter que ter e usar, vai ser um sinal de cidadania, de consciência coletiva, porque quando você usa máscara você protege o outro. Essa coisa de se abraçar vai virar uma coisa mal-vista, não vamos poder fazer isso por muito tempo.

Os boletins diários vão ao ar – ao vivo –  às 15h,  primeiro no Youtube e, depois, às 19h, na TV. Sala de Convidados vai ao ar às quintas, das 11h ao meio-dia. O sinal do Canal Saúde está disponível no canal 910 da programadora Oi TV. Também na TV Brasil e, nas seguintes regiões metropolitanas, Canal 2.4 (Rio e Brasília) e Canal 62.4 (São Paulo).

Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva

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