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#TemQueFalar “Fui estuprada repetidamente pelo meu pai e ele dizia que ninguém acreditaria em mim”

A leitora Maria* compartilhou com CLAUDIA sua história de terror durante a juventude e as marcas que carrega até hoje

Por Isabella Marinelli
Atualizado em 28 out 2016, 00h07 - Publicado em 8 jun 2016, 15h28
Reprodução/Thinkstock
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Nas últimas semanas, as mulheres brasileiras se uniram em torno do tema da violência sexual. A mobilização levou muitas delas a compartilhar nas redes sociais seus casos pessoais, que deixaram sequelas profundas e marcas eternas. Algumas delas, porém, preferiram guardar suas histórias para si, por medo de ser identificadas por seus agressores. Publicamos a história de uma leitora que, 15 anos após um ataque sexual, ainda tem medo de ser encontrada. Não demorou para que outras mulheres nos procurassem: Gabriela*, Marcela*, Mariana*. Em comum, o desejo de dividir seus traumas, medos e culpas. Especialistas apontam que falar sobre eles é uma das maneiras eficientes de superá-los. Por isso, retomamos o movimento #temquefalar, criado no final do ano de 2015. Esse é um espaço de cura, que incentiva a troca de experiências e, sobretudo, traz o assunto à tona, para evitar novas vítimas. Leia a história da leitora Maria*, hoje com 38 anos:

“Demorei muito tempo para ter coragem de contar esta história. Espero poder ajudar alguém com este relato.

Até meus cinco anos, eu morava com minha mãe, meu tio (irmão de minha mãe) e meus avós maternos. Era uma criança feliz. Não me lembro de perguntar sobre ele, mas lembro que minha avó sempre falava que meu pai estava viajando. Um dia, minha mãe me levou à um shopping para conhecê-lo e minha vida começou a mudar neste dia. Junto com o pai, ganhei mais uma avó, um avô e mais um monte de gente diferente, uma família maior.

Nós três fomos morar em um apartamento em um bairro um pouco distante do qual eu estava habituada. Meus pais brigavam muito, muito, muito; se ofendiam e chegavam à agressão física. Lembro de ficar muito assustada com tudo aquilo. Até que veio mais uma novidade, minha mãe estava grávida. Fui crescendo e presenciando as agressões físicas e ofensas, até que eu e meu irmão começamos à apanhar do meu pai também por tentarmos defender minha mãe.

Tive minha primeira menstruação aos 9 anos  e, assim, meu corpo começou a mudar também. Não sou muito alta, nunca fui, tenho 1,55m, já tinha as formas definidas desde cedo. De 12 para 13 anos, meu pai percebeu isso.

Minha mãe estava fazendo faculdade e nós ficávamos com ele em casa. Um dia, ele me colocou no colo e começou a fazer uns carinhos diferentes nas minhas costas. Pedi para parar, mas ele disse que eu deveria deixar, uma vez que minha mãe não estava ali e eu deveria ficar no lugar dela, se não ele procuraria outra mulher na rua e eu não ia querer isso. Não entendi nada, mas também não tinha como fugir. 

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No começo, ele colocava meu irmão para dormir e vinha para o meu quarto. Me tocava. Não sei precisar quanto tempo durou essa primeira fase, mas lembro que não foi muito tempo. Logo ele já queria “brincar” de passar o pênis na minha vagina. Depois, começou a tentar a penetração. Eu reclamava, mas ele repetia sempre que eu tinha que ficar no lugar da minha mãe, que tinha que ajudá-la, que não poderia incomodá-la, pois chegava da faculdade cansada todos os dias e ia cedo pro trabalho. Eu sempre fui muito inocente, acreditava naquilo tudo… Ele sabia como me convencer de que aquilo estava certo.

Em pouco tempo, já não tinha cuidado algum. Esperava minha mãe sair para as aulas, dava um jeito de ocupar meu irmão com um brinquedo ou sei lá, não esperava nem eu sair do banho. Fazia sexo oral, me fazia fazer nele também. Muitas e muitas vezes, acordava no meio da noite com ele na minha cama, me tocando e tapando minha boca para eu não acordar minha mãe.

Até que eu comecei a namorar o meu primeiro namoradinho. Foi meu primeiro amor, primeiro beijo. Eu tinha 13 anos e namorei o João* por oito meses. Neste momento, ao meu ver, as coisas começaram à sair do controle dele. Ele me tocava em qualquer lugar. Se esfregava em mim na frente dos meu avós, de um jeito que eu sabia o que ele estava fazendo, mas que acabava parecendo uma brincadeira para outras pessoas. Nessa época, morávamos num sobrado. Sempre que minha mãe estava num andar, ele fazia questão de me chamar para perto dele, longe dela, e me tocar. E começou a ficar violento quando eu comecei a reclamar, dizer que não queria nada daquilo, que ia contar para minha mãe. A reposta era: “Se você contar, vou dizer que vocême seduziu. Sua mãe nunca vai acreditar em você”. E me batia. E eu chorava. E mesmo chorando, ele me tocava e se esfregava em mim e me chamava dos piores nomes. Vagabunda era o preferido dele.

Por ter passado os primeiros anos com meus avós, sempre tive uma ligação muito forte com eles e com meu tio, que é a referência verdadeira de pai que eu tenho até hoje. Meu tio sempre levava meu irmão e eu para passear, tomar sorvete. Os dias em que isso acontecia, eu chegava em casa e encontrava meu pai enfurecido comigo, querendo “me pegar” de qualquer jeito, dizendo que “eu devia estar com a vagina inchada de tanto dar [sic] para o meu tio, por isso não queria ele”. (Peço perdão pelo linguajar, mas era isso que eu ouvia sempre).

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Certo dia, era aniversário de um parente muito próximo e muito querido, porém, seria comemorado durante a semana e eu e meu irmão não poderíamos estar presentes. Meu pai me buscou na casa da minha avó materna e me levou para casa com a desculpa de que ele tinha que tomar banho e ficar pronto para a comemoração. Porém, eu tinha dúvida em uma lição de matemática e, como ele é arquiteto e professor, costumava me ajudar nessa matéria. Nunca fui muito boa em matemática e, naquele dia, eu estava especialmente assustada, tinha alguma coisa de diferente no comportamento dele. 

Durante a explicação do exercício, ele me agrediu e me ofendeu muito. Logo após a lição, me fez entrar no banho e ficou na porta olhando. Só estávamos nós dois em casa. Eu pedi para ele sair. Foi aí que ele me pegou pelo braço, me jogou na cama dele e me estuprou. Lembro que doeu muito e eu comecei a gritar para ele parar. Mas ele não parou.

Depois, me deu banho e disse que, se eu contasse para alguém, ele ia matar meu namoradinho, minha mãe e meu irmão. Me bateu novamente e, quando chegou na casa da minha avó, disse que eu estava chorando porque tinha apanhado, pois “tinha feito malcriação”. Chorei muito, com medo de contar, medo de ninguém acreditar em mim. E não contei.

Depois desse dia, ele deu um tempo com os abusos físicos, mas continuava com o abuso psicológico e as ameaças. Vivia aterrorizada, nunca tive coragem de contar para ninguém. Isso aconteceu bem próximo ao meu aniversário de 14 anos.

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Morei com meus pais mais um ano, até que meus avós maternos se aposentaram e mudaram para outra cidade e levaram eu e meu irmão para morar com eles. 1993 foi um ano de paz para mim. No ano seguinte, meus pais vieram para a mesma cidade, e, eu tive que voltar a morar com eles. Ele não me tocava mais, mas muitas e muitas vezes acordava à noite e ele estava na porta do meu quarto, excitado, me olhando e se tocando.

Tinha muita raiva de mim mesma, me vestia de maneira a esconder meu corpo e, ao mesmo tempo, tinha muita raiva dele, queria fazer alguma coisa, mas me fixei na ideia de que ninguém ia acreditar em mim. Vivia com muito medo de aquilo tudo se repetir.

Aos 19 anos, iniciei minha vida sexual, acreditando que eu era uma vagabunda mesmo. Aos 24, comecei a fazer sessões de psicoterapia com uma psicóloga excelente. Tenho sérios problemas de autoestima e me trato de depressão há 8 anos. Foi a primeira pessoa para quem eu consegui contar e foi quem me disse que eu não tive culpa. 

Recentemente, tive um problema no trabalho que acabou por desencadear uma crise profunda de depressão. Foi quando eu fui ao fundo do poço. Meu filho tinha seis anos. Eu só pensava em morrer e parar de atrapalhar a vida de todos. Não queria ver ninguém, troquei a noite pelo dia, tomava banho duas ou três vezes por semana, queria ficar no escuro, queria sumir. E, nessa crise, encontrei a psicóloga, com quem faço terapia até hoje e que me fez acreditar que eu nunca tive culpa, de que ele é um doente.

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Ano passado, tive outra crise e tomei todos comprimidos para depressão que eu tinha aqui em casa. 50 comprimidos. Ao terminar de tomar o último, me arrependi do que tinha feito, acordei meu marido e pedi ajuda. Tomei água com sal e vomitei tudo. Passei dois dias praticamente dormindo. Não procurei um hospital. Tenho noção da bobagem que fiz, podia ter dado muito errado, mas a dor era muito grande, muito grande.

Hoje sei que não sou nada daquilo que ele me disse durante muito tempo. Procuro evitar contato com ele. Quase ninguém sabe sobre o que aconteceu comigo. Nunca tive coragem de contar. Mas, não posso mais conviver com esse monstro me corroendo por dentro. É a primeira vez, em quase 26 anos, que tenho coragem de remexer nesta história de uma maneira tão intensa. Hoje não tomo mais remédios para dormir ou para combater a depressão. Consigo ter uma vida sexual quase normal. Eu venci a depressão e agora, só falta esse obstáculo. Vou superar esse  problema também.

Agradeço por aceitarem ler este relato. Sinto que tirei um peso de minhas costas. Obrigada, mil vezes, obrigada.”

*Os nomes foram alterados a pedido da vítima.

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