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Tchau, família! Vou ao Japão e já volto

Nossa editora Liliane Prata conta como foi sair em busca de um tempinho só para si mesma

Por Liliane Prata
Atualizado em 28 out 2016, 13h20 - Publicado em 11 Maio 2016, 15h28
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– Amor – eu disse, entrando na cozinha. – Tive uma ideia.

Era um domingo e o Marcos, com quem sou casada há oito anos, estava lavando a louça. Tínhamos acabado de almoçar e eu precisava trabalhar naquela tarde, mas cadê a concentração? Acho que foi por isso que a ideia aproveitou para se abrigar na minha cabeça. Ideias, todos sabem, têm um fraco por mentes distraídas.

– Diga – ele respondeu, ensaboando um copo.
– Em abril, tiro férias da CLAUDIA.
– Certo…
– Aí eu pensei agora, na frente do computador, quando eu estava tentando escrever: por que não aproveito e viajo para o Japão? Você sabe, eu sempre quis conhecer o Japão.
– Mas, Lili, eu só tiro férias em novembro…
– Pois é, minha ideia é esta: eu vou para o Japão, você fica aqui. Tô TÃO animada…

Ele pousou a esponja e olhou para mim com aquela cara que ele faz quando apareço com uma novidade do tipo passar a comprar só orgânicos/me matricular em um curso de teatro/mudarmos de casa/comprarmos uma tartaruga/outras ideias e propostas que não posso contar aqui, senão ele me mata. Algumas me interessam por um tempo; algumas têm vida mais longa, várias acabam não dando em nada. A viagem para o Japão poderia parar no mesmo lugar da minha proposta de passarmos seis meses numa casinha na pequena cidade uruguaia de Sacramento, por exemplo – no fim, foram apenas seis dias em Montevidéu, mesmo, e uma mísera tarde em Sacramento, quase toda gasta na sorveteria Freddo.

– E a Valentina? – ele perguntou. Valentina, que tem cinco anos, é nossa filha.
– Ela fica aqui com você. Serão só dez dias sem a minha ajuda. Quer dizer, quinze. Dezoito dias e não se fala mais nisso… Tudo bem? Passo o resto das minhas férias com vocês dois.
– Tá certo. E, em novembro, você fica com ela e eu vou sozinho para a Noruega, um lugar que eu sempre quis conhecer, você sabe.
– Fechado.
– Lili, eu não quero ir sozinho para a Noruega em novembro. Quero passar as minhas férias com vocês duas.
– Fechado – eu disse, saindo da cozinha no clima de aceitar qualquer contraproposta. Finalmente, eu iria para o Japão!

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Ali, na minha casa, aquela decisão me pareceu simples e linda. O Marcos teve a reação que eu esperava (um “vai” meio contido, mas um “vai”); na sequência, voltei para o escritório para pesquisar passagens na maior paz… A casa da gente é assim, certo? É nosso mundo particular – com aquele revestimento que, com suas partes macias e outras nem tanto, nos é tão familiar; com as regras que a gente estabelece, segue, subverte, mas que, acima de tudo, a gente conhece.

Algumas semanas depois, quando comecei a ir atrás do visto e reservar os hotéis, porém, acabei comentando meus planos com várias pessoas. Meus pais acharam incrível, assim como praticamente todos os meus amigos. Mas também recebi alguns olhares tortos, seguidos das seguintes perguntas:

– Mas você vai deixar seu marido e sua filha aqui?!
– Mas você vai deixar sua filha aqui?!

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Além de um comentário que me chamou a atenção em especial:

– EU JAMAIS FARIA ISSO COM A MINHA FILHA.

Algo importante que meu pai me ensinou há umas duas décadas é que, em situações emotivas que não são nossas, precisamos manter certo distanciamento ao observar as reações e emoções das pessoas. Assim, não nos deixamos contaminar com aquilo. Afinal, já temos nossas próprias questões para lidar. E deixar minha família por dezoito dias para me dar de presente um tempinho só para mim em um lugar que eu queria conhecer não fazia parte das minhas questões: não era um problema, um obstáculo, nada disso. Era apenas algo que eu achava que podia fazer e que seria bom para mim e, por consequência, para as pessoas que convivem comigo – incluindo, claro, meu marido e minha filha.

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Conversa fiada? Qualquer coisa, menos isso. Mesmo em terra firme, levo a sério aquele aviso que nos dão no avião: para sobreviver, precisamos primeiro colocar a máscara de oxigênio em nós mesmos para só depois ajudarmos o passageiro ao lado. Se estou com a cabeça mais ou menos no lugar (mais ou menos porque, afinal, não estou morta, certo? Uma cabeça 100% no lugar não me parece coisa muito viva), sou um indivíduo melhor, mais realizado, e também uma esposa melhor, uma mãe melhor, uma cidadã melhor etc. E ir atrás dos projetos e buscas que fazem sentido para mim naquele momento é uma boa forma de manter a (minha) cabeça mais ou menos no lugar.

Conheço homens e mulheres que sempre precisam viajar a negócios e admitem que esse tempinho longe da família faz muito bem a eles, mas jamais se permitiriam viajar a “lazer” sem os filhos. Eles se autorizam a curtir a piscina do hotel depois da reunião sem peso na consciência porque o embarque obrigatório os libertou para desfrutar aqueles momentos prazerosos. Como se o lazer fosse uma justificativa frágil demais. Mas, de frágil, o lazer não tem nada. Sem contar que viagens a “lazer” envolvem algo tão mais vasto do que simplesmente lazer que, por isso, estou usando aspas.

Viajamos “a lazer” para refletir sobre uma nova cultura e sobre nossa cultura interna: nossas escolhas, mudanças de rota. Revisitamos nossa personalidade com um olhar mais acurado, percebemos traços nossos que nem lembrávamos que tínhamos; parece que nossa biografia fica muito mais nítida quando nos lançamos para longe da rotina. Viajamos “a lazer” para reafirmar opiniões que já tínhamos e dar boas-vindas a novas opiniões. Viajamos “a lazer” para lustrar com brilho infantil nosso olhar adulto, para reforçar nosso entusiasmo existencial. Viajamos “a lazer” para aprender, evoluir. Para relaxar, porque ninguém é de ferro, mas também para nos transformar de alguma maneira.

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E viajar a lazer e sozinho?

Todo mundo que já embarcou sem companhia em uma viagem “a lazer” sabe que a experiência é bem diferente de ir com outras pessoas. Alguns acham que é pior em alguns aspectos e melhor em outros, mas o fato é que é diferente (assim como viajar com os amigos é uma coisa, a dois é outra, em família é outra…). Para mim, viajar sozinha, ainda mais para o Japão, um país tão distinto do meu, era um convite a uma experiência muito mais intensa do que se eu fosse com alguém. Sozinha, eu me envolvo muito mais com cada minuto – porque estou decidindo todos os programas que vou fazer, porque só tenho eu para cuidar de mim, porque acabo observando mais os habitantes e as paisagens, porque, não tendo com quem conversar, acabo aprofundando minhas reflexões.
 
Meu marido já viajou sozinho várias vezes antes de me conhecer. Solteira, eu tinha ido sozinha visitar Amsterdã e algumas cidades brasileiras e, no começo do namoro, me mandei para um mês solo na Nova Zelândia, mas, depois que minha filha nasceu, fiz apenas viagens de fim de semana sem os dois. Até que me deu saudade de uma viagem longa para chamar de (só) minha. Marcos me contou que não sente essa saudade. Pode ser que sinta amanhã, pode ser que não sinta nunca. Mesmo sem sentir essa vontade, ele me entendeu. E me apoiou. E fui para o Japão por 18 dias.

Andar pelas ruas de Tóquio, Kyoto e Hiroshima foi uma pausa onírica que me fez bem demais. E que só não recomendo a todo mundo porque as pessoas são diferentes, porque posso ter amado o Japão, mas você pode muito bem não amar, e porque… Ah, quer saber, ainda estou tão apaixonada pelo meu “passeio” (aspas novamente!) que vou deixar a ponderação de lado: recomendo essa viagem a todo mundo. Se puder, tire umas férias da sua família e vá para o Japão hoje!  

Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve aqui no site toda quarta-feira. Para falar com ela, clique aqui!

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