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Senado argentino rejeita legalização do aborto

Alinhado à igreja, Senado mantém lei de 1921, que pune mulheres que interrompem a gestação. Resultado contraria expectativa da opinião pública

Por Lia Rizzo
Atualizado em 9 ago 2018, 11h35 - Publicado em 9 ago 2018, 11h24
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As argentinas chegaram muito perto. Mas acima dos direitos exigidos por milhões de mulheres que foram às ruas, da liberdade para decisões em relação ao próprio corpo, prevaleceram convicções religiosas. E, na madrugada desta quinta-feira, o Senado argentino disse não à legalização do aborto, numa votação com 38 votos contrários e 31 favoráveis, além de algumas abstenções.

O projeto de lei que previa a permissão da interrupção voluntária de gestações até a 14º semana, havia sido aprovado na Câmara dos Deputados em junho deste ano. Era esperado que o Senado tivesse uma postura mais conservadora, mas que o projeto passasse até chegar ao presidente Mauricio Macri, cuja posição parecia ser de aprovação, já que pela primeira vez havia sido autorizado um debate parlamentar da questão. A partir da decisão de ontem, o aborto segue sendo crime no país, com punição de até quatro anos de prisão, conforme a lei vigente, data de 1921.

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Multidão invadiu as ruas da Argentina para manifestações a favor e contra à legalização do aborto. (EFE/Javier Caamaño/Reprodução)

Um aborto a cada um minuto e meio

Atualmente, como em muitos países da América Latina, o aborto só é permitido na Argentina em caso de violação como estupro ou risco de vida para a mãe. Mesmo assim, uma mulher aborta no país a cada um minuto e meio. O que faz da prática ser uma das principais causas de mortalidades de mães argentinas. 

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O resultado negativo calou a multidão apoiadora que, durante as mais de 16 horas de votação, ocupou as ruas mesmo com chuva. Entre os senadores que se posicionaram favoravelmente ao projeto, Miguel Ángel Pichetto, tentou se manter otimista. Aos jornais locais, declarou: “Os números são sabidos. Ninguém os ignora. O Não ganha esta noite, mas o futuro não lhe pertence”.

Já o senador Esteban Bullrich, ex-ministro da Educação de Mauricio Macri e católico fervoroso, disse ao justificar seu voto contrário à legalização: “Um aborto não será menos trágico porque é feito em uma sala de cirurgia. Será igualmente trágico. O objetivo é que não haja mais abortos na Argentina, isso é aspirar a mais”. E em sua apresentação, defendeu a posição dos grupos antiaborto, afirmando que o embrião tem direitos constitucionais a partir do momento da concepção.

Homens abortam antes

Conforme defendem muitos grupos feministas e grupos de apoiadores da legalização do aborto em países vizinhos, os porta-vozes do projeto aprovado na Câmara argentina, lembraram que apenas a mulher é responsabilizada quando a interrupção voluntária da gestação é discutida. A lei não prevê, por exemplo, nenhuma punição aos homens. Ainda que saibamos que eles são parte necessária na concepção de uma criança, mas que o abandono de gestantes jamais tenha sido cogitado como crime.

Nas palavras da senadora argentina Norma Durango, “as mulheres estão sozinhas, enquanto o homem aborta antes, desaparecendo. Portanto, este é um problema das mulheres. Os abortos são feitos e o debate de hoje é pelo aborto legal ou ilegal”. Beatriz Mirkin, sua colega no Senado, faz coro com este discurso e lembra das experiências pelas quais passou quando trabalhou em hospitais: “Estou aqui para legislar, e aqui na Argentina se aborta. Vi isso porque trabalhei em hospitais. Vi muito mais curetagens uterinas do que os senhores podem imaginar”.

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Estimativas extraoficiais apontam que entre 350.000 e 450.000 mulheres abortam anualmente no país. Quase sempre e principalmente entre as mais pobres, o procedimento é feito de forma clandestina, arriscando suas vidas ao recorrerem a médicos não profissionais ou uso de instrumentos como sondas, cabides e agulhas de tricô.

Apesar de a sociedade argentina se mostrar muito dividia em relação ao tema, pesquisas de opinião mostraram uma pequena vantagem a favor do proejto. E já nesta quarta-feira, os estudantes, cuja mobilização foi fundamental na campanha favorável, já se manifestaram usando lenços verdes. A expectativa é que o Congresso volte a tratar do assunto em um ano, quando é permitido um novo debate. Mas as ruas, ao que parece, não devem se calar até lá.

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