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Perguntamos a estudiosas quais decisões suavizariam a queda da economia

O futuro é incerto, mas em um ponto os especialistas concordam – uma crise econômica sem precedentes aprofundará desigualdades de renda, gênero e raça

Por Letícia Paiva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 16 set 2020, 15h10 - Publicado em 17 jul 2020, 10h00

Os números não são animadores. De março a maio, havia 7,8 milhões de desempregados a mais no país em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os trabalhadores informais foram maioria dos que perderam ocupação, 5,8 milhões. Menos da metade dos brasileiros em idade profissional está ocupada. A recessão é certa e já se especula que a retração da economia deve alcançar os 6,5%. O Brasil não será o único país atingido pelas consequências do surto do novo coronavírus, mas escolhas políticas e decisões que afetam o coletivo podem ter piorado a questão.

“A dicotomia entre salvar a saúde ou a economia é falsa. Enquanto não houver quadro controlado da pandemia, não é possível ter recuperação econômica, mesmo com tentativas de retomada”, explica Alessandra Ribeiro, economista-chefe da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Se não bastasse a complexidade da situação que assola o país, há outro fator que preocupa: a longo prazo, a instabilidade deve golpear nosso desenvolvimento e alargar as desigualdades. Mulheres e negros já são os mais afetados, e a pobreza crescerá nesta nação, marcada pela fome em diversos períodos de sua história.

Em cenários desafiadores, o mais comum é procurar respostas em situações semelhantes. Em 2008, na crise financeira global iniciada com o estouro da bolha do mercado imobiliário dos Estados Unidos, economistas olharam para a Grande Depressão, desencadeada pela queda da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. Só que, desta vez, parece que o passado não guarda as informações de que precisamos. Temos uma crise sanitária atacando a economia – e não alguma ruptura no universo financeiro, como ocorreu nos episódios citados acima –, que desestabiliza empresas e famílias.

A situação é tão inédita que alguns dos velhos remédios, como incentivar o consumo, principal motor da economia brasileira, se mostra pouco eficaz quando há um vírus mortal à espreita, e forçar uma volta antecipada talvez prolongue ainda mais a pandemia. As decisões tomadas agora não vão se refletir apenas em 2020; seus efeitos devem se estender ao longo da década. Não dá para deter o que está por vir, mas alguns caminhos e medidas podem reduzir o impacto e a devastação.

 

Gastar para sobreviver

 

“Diante das necessidades impostas pela pandemia, o Brasil teve uma ruptura significativa com a trajetória de cortes de gastos que vinha fazendo. A dívida pública deve aumentar muito e talvez não seja possível um retorno à redução de despesas como se intencionava, até porque, durante essa fase de intensa vulnerabilidade, cresce a valorização dos serviços públicos e das redes de proteção social.

Não é novo que países, em certos momentos, gastem mais do que arrecadam em impostos. O que se deseja de um governo é que ele possa se endividar em emergências como forma de se contrapor à postura defensiva das famílias e empresas, que estão cortando gastos para sobreviver. Quem consegue nadar contra a corrente é o Estado. Isso seria arriscado se o governo não estivesse encontrando quem comprasse seus títulos públicos, emprestando recursos a juros baixos. A situação não vem acontecendo com o Brasil, que não apresenta grande risco de calote, sobretudo por ter mais dívida em real e reservas internacionais superiores ao endividamento em dólar. A questão é que, além das despesas para conter a crise, há a necessidade de fazer investimentos, principalmente em infraestrutura, o que poderia ajudar na retomada e traria retorno inclusive em impostos. Porém, nosso teto de gastos não deixa muita margem. Para retomar o papel do Estado como dinamizador da economia, esse limite precisa ser revisto em linha com o que se projeta para a economia, e não ficar estacionado, como acontece hoje, dificultando incentivos econômicos.”

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Laura Carvalho, professora da Universidade de São Paulo e autora de Curto-circuito: o vírus e a volta do Estado (Todavia)

 

Baixa confiança

 

“A dicotomia entre salvar a saúde ou a economia é falsa. Países que se mostraram bem-sucedidos no combate ao vírus já começam a se recuperar. O Brasil administrou a crise sanitária de modo muito conturbado, principalmente por causa da tensão entre os Poderes, o que dificultou a adoção de um discurso único e a eficiência das medidas para barrar a doença. Enquanto não houver quadro controlado da pandemia, não é possível ter recuperação econômica, mesmo com tentativas de retomada.

Nosso cenário anterior ao novo coronavírus era de discreto crescimento, mas agora lidaremos com recessão. Na melhor das previsões, voltaríamos a crescer no ano que vem, mas sem recompor as perdas deste ano. É importante destacar que isso se deve não só à situação sanitária mas também ao ambiente político-institucional. Como neste momento a saída é o endividamento, será preciso tornar os gastos mais eficientes, e não apenas cortá-los. Também é essencial acelerar o processo de concessões de infraestrutura, como no caso do novo marco legal do saneamento, aprovado durante a pandemia. Esse tipo de projeto se tornará um motor de crescimento. Cumprir o teto de gastos no ano que vem parece muito difícil. Então há grande risco de, com o estouro, os gatilhos automáticos serem disparados, impedindo contratações e novas despesas, o que prejudicaria ainda mais uma economia que já está devagar. Por outro lado, uma flexibilização que mexa no teto pode reduzir a confiança dos investidores de apostar no Brasil. Só uma reforma tributária seria capaz de gerar a arrecadação necessária, mas não há articulação ampla que garanta isso até o fim deste governo.”

Alessandra Ribeiro, economista-chefe da Tendências Consultoria Integrada 

(Getty Images/Getty Images)

 

Quem sofre mais

 

“Há um choque direto da pandemia em quem acumula as cargas de trabalho profissional e doméstico, ressaltando que boa parte das nossas desigualdades nasce de normas sociais ultrapassadas. No final de março, 7 milhões de mulheres deixaram a força de trabalho, o que significa que não estão empregadas nem buscando recolocação; 5 milhões de homens passaram pela mesma situação. Observamos em resultados preliminares referentes ao início da pandemia que é 20% mais provável que elas percam o emprego. A situação é pior para as que têm salários menores, baixa escolaridade e se são informais. Em última instância, isso afeta particularmente as mulheres negras. A situação se complica ainda com a flexibilização das quarentenas e o retorno das empresas antes das escolas. Em modelos rígidos de trabalho, sem apoio das companhias e de políticas públicas, as mulheres serão novamente penalizadas. Para que não tenhamos aceleração maior da desigualdade, os programas de transferência de renda não devem desconsiderar a situação feminina, principalmente a das mães.”

Ana Luiza de Holanda Barbosa, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Dividir o bolo

 

“Com o prolongamento da pandemia, discute-se a necessidade de que o auxílio emergencial que vem sendo destinado à população mais vulnerável seja distribuído por mais tempo. Ele não só atende as pessoas mais prejudicadas pela crise como gera consumo e, assim, algum aquecimento econômico e retorno em tributos. Mas, evidentemente, tem um custo, que não poderá ser pago apenas com cortes de despesas do orçamento nacional. A princípio, a saída é o endividamento, mas, ao longo do tempo, o governo vai precisar ter uma entrada de verba corrente para compensar os gastos. Nesse sentido, há uma discussão sobre criar uma tributação emergencial, além da que já existe, que sane gastos com transferência de renda e atenção à saúde. Esses impostos não podem focar no consumo e na produção, que já representam a maior parte da carga tributária brasileira. Quem tem menos consome quase tudo o que ganha para subsistir, pagando proporcionalmente mais impostos do que quem pode poupar.

Para contornar essa emergência, além de uma reforma que dê conta dessas distorções, eu e meu colega Fábio Pereira dos Santos pensamos na criação de um tributo emergencial de até 12 meses focado nas maiores rendas. Seriam três alíquotas: de 10% sobre o excedente de pagamentos acima de 15 salários mínimo (por exemplo, em um salário de 18 mil, a cobrança incidiria sobre 3 mil); 15% para rendimentos acima de 40 salários mínimo e 20% para mais de 80 salários. Esse grupo representa cerca de 11% dos declarantes de imposto de renda e menos de 2% da população brasileira. Com isso, seria possível arrecadar 140 bilhões de reais, enquanto o auxílio emergencial custará cerca de 250 bilhões só neste ano nos moldes previstos.”

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Ursula Dias Peres, professora de gestão de políticas públicas na Universidade de São Paulo

“Para que não tenhamos aceleração ainda maior da desigualdade, os programas de transferência de renda não devem deixar de considerar a situação feminina, principalmente a das mães”

Ana Luiza de Holanda Barbosa, economista
(Getty Images/Getty Images)

 

 

Arranjos frágeis

 

“Não dá para comparar a destruição de empregos estimada para o ano de 2020 no Brasil com o que vimos em qualquer crise econômica nas últimas décadas. As simulações do Grupo de Indústria e Competitividade da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostram uma potencial redução de 8,3 milhões de ocupações, com forte impacto nos serviços e na indústria. Os efeitos da pandemia no mercado de trabalho se manifestam de forma desigual, afetando principalmente os grupos vulneráveis, e heterogênea em termos setoriais – as vagas formais foram mais preservadas, apesar do baixo crescimento delas. Até agora, os primeiros sinais indicam uma queda de até 75% da ocupação em atividades informais.

Além do expressivo número de dispensas, crescem os grupos de trabalhadores que desistiram de buscar emprego e daqueles que estão trabalhando menos horas do que precisariam, impactando na renda. Um dos setores industriais mais afetados, o têxtil e de confecções, mostra como a crise atinge um país como o nosso, com estrutura econômico-social já tão fragilizada. Forma-se uma enorme cadeia de trabalhadores não registrados que ficaram desassistidos. A predominância de tantos microempresários, boa parte atuando na informalidade, faz parte de um fenômeno mais amplo, que é o empreendedorismo por necessidade, movimentado por pessoas com dificuldade de se realocar no mercado de trabalho formal. Antes da pandemia, isso já era muito comum no comércio e em serviços e deve se alargar para outros setores.”

Marília Bassetti Marcato, professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

“O crescimento de microempresários, boa parte atuando na informalidade, faz parte de um fenômeno mais amplo, que é o empreendedorismo por necessidade”

Marília Bassetti Marcato, economista

Sul global

 

“Países em desenvolvimento, como o Brasil, certamente enfrentam obstáculos adicionais neste momento se comparados aos países desenvolvidos. A começar pelos recursos disponíveis para enfrentar os efeitos da pandemia. Embora nem todas as ações do governo dos Estados Unidos possam servir de exemplo, sobretudo pela demora em tomar medidas, o país aprovou um auxílio emergencial de 1,2 mil dólares (cerca de 6,5 mil reais), destinado a todos os cidadãos. No Brasil, como sabemos, o valor vai de 600 a 1,2 mil reais, contemplando apenas trabalhadores informais e desempregados.

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Além disso, nas nações com mais recursos, o impacto foi, em parte, amortecido pela facilidade de transição do trabalho presencial para o remoto, motivado pelo acesso amplificado à tecnologia. Nos Estados Unidos, um terço dos empregos pode ser exercido de casa. Contudo, o home office exigido pelo distanciamento social não se insere na realidade da maioria das atividades informais, seara que concentrava 40% da força de trabalho brasileira antes da pandemia. A crise que se apresenta no horizonte muito provavelmente ampliará as desigualdades regionais e entre ricos e pobres. E esses reflexos serão observados a longo prazo, já que as escolas, que preparam os jovens para o mercado de trabalho, também tiveram que se submeter a adaptações. A típica instituição pública, que já sofre com diversas dificuldades, encarou um cenário desencorajante com a transição para o ensino online. Colégios particulares, ainda que expostos a desafios similares, puderam proporcionar mudanças menos traumática aos seus alunos.”

Jaqueline de Oliveira, professora da Universidade de Rhodes, nos Estados Unidos

 

Podcast: Conversando com as crianças sobre notícias ruins

 

 

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