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Para os incomodados com o politicamente correto

Nossa editora Liliane Prata reflete sobre as "patrulhas" contra o machismo, a homofobia, o racismo...

Por Liliane Prata
Atualizado em 12 abr 2024, 08h51 - Publicado em 17 fev 2016, 18h26

Passando na sala, vejo minha filha assistindo ao desenho Doutora Brinquedos, cuja protagonista é negra. Lembro da heroína Jessica Jones, da Marvel. Da ilustração de uma criança cadeirante no parquinho onde a minha filha brinca. De famílias e amores não convencionais que aparecem às vezes no campo de visão dela, como no anúncio de 2015 da marca de cosméticos que mostrou casais gays no dia dos namorados. E sorrio.

Na internet, mulheres defendem causas variadas que vão de cabelo cacheado a tamanho GG. Outro dia, um amigo gay que foi com o namorado lá em casa o beijou na frente da minha filha sem perguntar se o comportamento era “adequado” – como os amigos gays da minha adolescência perguntavam (“Seu pai se incomoda?”). Novamente, sorrio.  

Não importa a causa, o mote é o mesmo: respeito é bom e eu gosto. A época de seguir resignadamente um padrão social, seja estético ou de comportamento, ou se angustiar quando não correspondia a ele já passou.

Ou melhor, está passando. Devagar, mas a olhos vistos. Por onde quer que se olhe, vemos indivíduos e empresas levantando bandeiras… E também vemos reclamação. Muita. Principalmente quando esse “para onde quer que se olhe” é o seu desktop ou a tela do seu celular.

Tem gente, por exemplo, que, quando vê uma empresa “moderninha” ou “bem intencionada”, vai logo dizendo: “Quanta hipocrisia, o que eles querem com essa campanha é ganhar dinheiro”. Bem, é claro que eles querem ganhar dinheiro. Mas é melhor ganhar dinheiro propagando valores condizentes com nossa (nova) época do que preconceitos, não? Se é para ter lucro, que a produção seja o mais sustentável possível e a divulgação, a mais inclusiva possível.

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Também tem gente que fala que o mundo está mais chato. Não acho, como já falei nesse texto aqui. Penso que o mundo está mais complexo (não que eu tenha vivido no século 19 ou na idade média para comparar, claro, mas, no fundo da minha alma, sinto isso, por “n” fatores que já mencionei aqui).

Por causa da internet, vivemos uma grande mudança na maneira como informações são transmitidas – somos todos produtores de conteúdo nas nossas redes sociais, blogs, comentários, textos como este. A internet não é só uma ferramenta, mas um estilo de viver, uma forma de se relacionar, enfim, um novo paradigma que impacta nosso dia e nosso olhar de infinitas maneiras. Nesse novo contexto, as vozes são múltiplas e, algumas vezes, “gritadas”. Bandeiras são levantadas com muito mais alcance e frequência do que antigamente – afinal, você não ouve o megafone só quando tem passeata na sua rua, mas vários megafones quando abre seu navegador.

No caso do feminismo, especificamente – porque sou mulher, porque já me dizia feminista quando era criança, porque essa bandeira parece incomodar muito muita gente –, vivemos um momento histórico. Nunca, na humanidade, a cultura patriarcal foi tão escancaradamente colocada à prova por tanta gente como no movimento feminista que foi às ruas nos anos sessenta/setenta. Lutar pela igualdade da mulher é algo muito novo. Anos sessenta/setenta é tipo ontem na história. Quando o novo se juntou ao novíssimo da internet, virou uma revolução. E revoluções não são fáceis, nem organizadinhas, nem bonitinhas, nem têm um protocolo a ser seguido. Estamos fazendo a revolução agora, e vamos todos aprendendo à medida que vamos fazendo, e o amanhã, depois dessa fase inicial, não sabemos como será (minha aposta otimista: vai chegar um dia em que não precisaremos separar as causas em grupos divididos por gênero/cor/orientação sexual/etnia/etc. Mas esse dia não é hoje, esse dia em que o humano estará acima das diferenças precisa do fim da opressão às minorias para chegar).  

Às vezes, me vejo em dúvida sobre tal comportamento ser ou não machista, tal crítica ser ou não exagerada, se é machismo/racismo/homofobia ou radicalismo/vitimismo. Acredito que nem todo caso é uma questão de tudo ou nada. Estuprar é errado e ponto, ofender alguém por sua cor da pele/orientação sexual é errado e ponto, mas há situações que são mais nuançadas, como o modo como um determinado cara cantou uma determinada menina na balada (algumas se ofenderiam com determinada abordagem, outras não e a discussão é infinita e nunca vai alcançar certezas matemáticas, uma vez que envolve sentimentos, temperamento, histórico de vida – enfim, uma vez que envolve aspectos subjetivos).

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Mas, na minha opinião, quem se incomoda demais com o exagero, com a gritaria, com ideias sendo repetidas, enfim, com a “patrulha do politicamente correto”… poderia ganhar mais paz de espírito se pensasse: é um momento de transição. Por muito tempo, muitos grupos não puderam nada. Hoje, podem. A revolta faz parte. A insistência faz parte, alguns exageros também. Não só fazem parte, como são necessários para que todos revejam seus valores, seus preconceitos… É botando uma lente de aumento em questões importantes que elas serão enxergadas por muita gente.

Cada um defende as causas baseado no seu temperamento, sua personalidade, sua experiência, os sofrimentos que carrega. Particularmente, costumo ser ponderada e buscar o caminho do meio até para defender as causas que são mais caras para mim. Mas meu ponto é: pessoas que reclamam do politicamente correto, notem que uns falam mais alto, outros falam mais baixo, mas vamos mais escutar do que reclamar. Se está incomodando, pare de ler, vá fazer outra coisa. O momento é de fazer barulho.

Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve esta coluna toda quarta-feira. Para falar com ela, clique aqui!

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