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“O racismo brasileiro se revela tanto na brincadeira, como no conflito”

A convite de CLAUDIA, duas pessoas com opiniões diferentes discutem a polêmica do pai que vestiu o filho de macaco Abul, amigo do personagem Aladim, no Carnaval. Confira o texto da professora Renata Felinto

Por Luara Calvi Anic
Atualizado em 28 out 2016, 13h50 - Publicado em 11 fev 2016, 14h23
Reprodução / Facebook
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Um pai vestido de Aladim, que fantasiou o filho do macaco Abul, amigo do personagem, foi criticado nas redes sociais neste carnaval. O episódio aconteceu em Belo Horizonte, quando o produtor de teatro Fernando Bustamante e sua mulher, Cintia, que estava vestida de Jasmine, postaram uma foto no Facebook da fantasia em família. Mateus, filho do casal, é negro e adotado. Depois da enxurrada de comentários, Bustamente se desculpou publicamente, dizendo que “Muitos podem ver um macaco na fantasia de ontem. Eu vejo o melhor amigo do Aladim, que vai conhecer o mundo ideal com ele e a Jasmine”. Para discutir a polêmica, convidamos pessoas de posições diferentes para escrever sobre o tema. O jornalista Mario Mendes vê as críticas das redes sociais como um exagero: “Como reza aquele surrado – porém verdadeiro – clichê, a maldade está nos olhos de quem vê. O que se pode perceber pelas fotos é o garoto Mateus bem feliz, se divertindo no colo do pai”. Já a professora de arte e cultura africana Renata Felinto, acredita que os pais da crianças devem revisar suas atitudes, já que agora são responsáveis por um menino negro: “Fernando e Cintia precisam estar atentos ao que está cristalizado como brincadeira, são essas sutilezas aparentemente inofensivas que ferem e constrangem, que estruturam o racismo brasileiro”. 

A seguir você confere o posicionamento de Renata Felinto. O texto de Mario Mendes pode ser lido AQUI. 

Sobre o amor, gênios e macacadas sociais

Por Renata Felinto*

A família é a primeira sociedade da qual fazemos parte. Lugar onde aprendemos a falar, andar, comer, amar. Lugar de inúmeros aprendizados que antevêem à vida social. Formas de ser, viver e ver o mundo de uma família são transmitidas às crianças via convívio. Elas nos observam e apreendem a todo momento, e isso é piagetiano.

A pequena família do menino Mateus é a sua primeira sociedade. Diante da falta de interesse do povo miscigenado brasileiro em adotar crianças negras, ele teve a felicidade de encontrar um casal de classe média, com muito amor a lhe oferecer. As fantasias de Carnaval da jovem família denotam esse bem querer. Fernando, Cíntia e Mateus trajaram-se de temas divertidos. Mateus foi O Pequeno Príncipe, porém foi também o macaco Abu, de Aladin, o que causou alvoroço nas redes sociais. E por quê? Porque ele é um menino negro e, historicamente, negros têm sido comparados a macacos como forma de deslegitimar nossa humanidade.

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Quando adultos brancos adotam crianças negras em países como o Brasil, esse é um ato de amor e coragem. Amor para doar e coragem para enfrentar. Ter um negro em seu círculo de amizades não é o mesmo que ter um negro enquanto pai, marido, filho. Internalizadas que estão na cultura brasileira, expressões e práticas racistas são proferidas pelo inconsciente dessas pessoas. Como dizem: “sem intenção de ofender”. Porém, ofendem, ferem e agridem. Cônjuges, filhos e filhas, pais e mães de pessoas negras devem fazer uma revisão de como se relacionam com o racismo, como se percebem nessas práticas e posicionamentos. Por isso a coragem, já que existirão momentos de enfretamento. Se para um branco com parente negro isso se dará em alguns momentos, para o negro essa é questão a lidar em sua existência enquanto ser humano, ser social. Como diz a antropóloga Lilia M. Schwarcz, “todo mundo conhece um racista, mas ninguém é racista”.

Semanalmente, negras e negros, sejam anônimos ou jogadores de futebol, são comparados a macacos em ataques gratuitos. Os pais de Mateus devem saber que ele também será chamado dessa forma em muitos momentos de sua vida. Se fosse branco, o peso dessa ofensa seria outro, brancos não são associados a macacos.

Isso porque, as pseudociências do século XIX, como o darwinismo social, defendiam a hierarquia entre os grupos humanos: os africanos eram vistos como atrasados em sua evolução, sendo os parentes mais próximos dos macacos, segundo a aplicação equivocada da teoria de Darwin. Ainda que já esteja provado que que as diferenças externas entre os vários grupos humanos representam apenas 1% de nossa constituição, o fundamento da raça ainda é usado para justificar violências e privilégios.

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O racismo brasileiro se revela tanto na brincadeira, quanto no conflito. E no Carnaval não vale mais tudo. Não vale mais black face, ou pintar o rosto de preto, em momento de luta anti racista. Nem homem caçoando ser mulher frente aos feminicídios. Tampouco adereços de muçulmano terrorista frente à xenofobia. Estereótipos, condições de existência e cultura não são fantasias, são realidades que alguns de nós temos que transpor diariamente.

Mateus, menino marrom, pintado de azul poderia ser o Gênio de Aladin. Fernando e Cíntia precisam estar atentos à ressignificação do que é tido como brincadeira, são essas sutilezas aparentemente inofensivas que ferem e constrangem, que estruturam o racismo brasileiro. É hora de praticar a alteridade, porque o outro, o negro, agora é o filho, no seu lar, na sua pequena sociedade.

*Renata Felinto, 37 anos, artistas visual, educadora e pesquisadora. Professora de Arte e Cultura Africana no Centro Belas Artes, é Doutoranda em Artes Visuais pela UNESP e especialista e Curadoria e Museus de Arte pelo MAC/USP, integra o conselho editorial da revista O Menelick 2º Ato, trabalha desde 2000 com a pesquisa das culturas africanas e afro-brasileira voltadas às Artes Visuais, à Educação e Sociedade. Ela foi uma criança negra chamada de macaca.

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