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“O professor é um Davi que todo dia tem que matar um Golias”

Professora que inspirou trabalho de finalista do Prêmio CLAUDIA fala sobre os desafios da educação no passado e no presente

Por Carolina Scatolino
Atualizado em 15 abr 2024, 13h40 - Publicado em 3 set 2017, 18h47
Professora Creusa e Gina, no lançamento do livro Mulheres Inspiradoras (Acervo Pessoal/Reprodução)
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Foi uma professora do ensino fundamental quem realizou o grande sonho de infância de Gina Vieira Ponte, candidata ao Prêmio CLAUDIA pela categoria TRABALHO SOCIAL. Até os 8 anos, a menina ainda não tinha sido alfabetizada.

Pior do que isso: sofria com o preconceito de alunos e educadores por ser pobre e negra. Acuada, não conseguia entender de onde os pais tinham tirado a ideia de que a escola seria um caminho para um futuro melhor.

Até que, em um desses bons encontros que o destino promove, caiu na turma de Creusa Pereira dos Santos, hoje com 73 anos e aposentada. A educadora não apenas acolheu Gina, como a ensinou a mágica de decifrar as letras e transformá-las em sílabas e as sílabas em palavras.

Por causa de Creusa, Gina escolheu a profissão de educadora. “Eu passei a acreditar veementemente que isto era o que de mais importante alguém poderia ser na vida”. Creusa Pereira dos Santos Lima acabou se tornando objeto de estudo no projeto educacional desenvolvido por Gina, o Mulheres Inspiradoras.

A seguir, a professora conta sobre o reencontro com a ex-aluna e a carreira de professora:

“Um belo dia, eu vinha caminhando na rua com meu filho, um carro passando buzinou e alguém disse: ‘Professora Creusa? Eu reconheci a senhora pela postura, pelo andar’.

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Em seguida, ela me perguntou se eu me lembrava dela. Eu disse que sim, só do nome que não. Quando ela respondeu ‘é a Gina’, completei: ‘É Gina Vieira Pontes.’ Pois eu me lembro do sobrenome de todos os meus alunos.

Depois daquilo, ela foi em minha casa e passamos uma tarde juntas conversando. Foi um lindo reencontro, como duas amigas que se reencontraram depois de muito tempo. Ela veio duas vezes mais, conversamos bastante.

Um dia, Gina me disse que estava trabalhando em um projeto, o Mulheres Inspiradoras, e me mostrou o esboço do texto que ela fez. Disse-me que eu era uma das mulheres inspiradoras do projeto. Ali, eu li coisas que eu nem sabia que tinham acontecido entre a gente.

Ela disse que foi por minha causa que ela quis se tornar professora. Chorei tanto quando ela disse isso. Senti-me lisonjeada e feliz. A Gina está fazendo um excelente trabalho.

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Gina Vieira Ponte, aos 8 anos de idade (Acervo Pessoal/Reprodução)

Lembro da Gina na classe do jeito que é hoje. Aquela menina meiga… Ela era aquela garota retraída que todo mundo excluía, não sabia ler. Eu cheguei e fui mostrando que ela era capaz. Quando ela se propunha a aprender alguma coisa, era com clareza. Gina era um exemplo.

Um dia Gina chegou com uma trança no cabelo, botei ela no colo e disse: ‘Nossa, como você está linda!’. No dia seguinte, outras aluninhas com o cabelo bem lisinho vieram de trancinha querendo meu colo também.

Antigamente a gente não fazia as coisas para ser reconhecida. Minha mãe me dizia: ‘Minha filha, tudo o que você for fazer, faça direito ou então nem comece’. Então eu fazia o meu melhor. Não sou de falar bonito. Meu foco sempre foi a alfabetização e, para você trabalhar com a criança, tem que ser como eles.

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Antigamente a gente não tinha tantas opções de carreira: era professora ou assistente de enfermagem. Eu quis ser professora porque sempre me chamou a atenção. A gente tinha o sonho de crescer e vencer, mas não era aquela ambição. Era ser gente, andar de cabeça erguida, ser honesto.

Uma vez, uma professora me perguntou qual era o melhor método para se alfabetizar uma criança. É aquele que melhor combina com a criança, respondi. É preciso falar a linguagem da criança.

E o resultado está aí: a Gina é uma menina que viaja para muitos lugares para mostrar o trabalho de tantas mulheres maravilhosas e eu estou no meio delas porque eu sou, não é? Eu até fico constrangida: você faz a vida toda seu trabalho e, de repente, vira espelho e inspiração para alguém. Para mim isso é um presente.

Na minha época era diferente. Professor era educador. Ele formava, ensinava e preparava o aluno para a vida. A gente trabalhava individualmente com o aluno. Pegávamos na mão deles para ensinar a escrever.

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E, olha, não dá para dizer que tinha pouco aluno em sala de aula, não. A turma da Gina tinha 41 alunos.

Eu sempre começava minha aula com um bom dia e depois eu dava quinze minutos de conversa.

As crianças, já na hora da matrícula, diziam que queriam ser alunas da professora Creusa. Eu não era enérgica, mas em tudo colocava um limite. Tinha a hora de brincar, tinha a hora de estudar, de pesquisar. Até nos passeios fazíamos pesquisa.

Para que serve isso, para que serve aquilo? Ensinávamos a criança a ser determinada. A saber o que ela queria. Nós trabalhávamos por amor à profissão. Era tudo difícil, precário, mas a gente trabalhava com disposição e carinho. A gente ensinava valores para as crianças. Ensinávamos a se valorizar e se respeitar.

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Acho que é aí que está a diferença. Tem muitas coisas lá fora… O professor tem que ser um verdadeiro malabarista para poder vencer o turbilhão. Acho que hoje não daria para eu ser a Professora Creusa mais.

Sei que estamos evoluindo, mas estou decepcionada com a educação. Hoje está tudo diferente, o professor é um Davi que todo dia tem que matar um Golias.

Àqueles que querem ser professores, eu digo que vão. Mas façam tudo com amor, porque tudo tem que ter o amor em primeiro lugar.

Se você não tiver amor carinho e respeito pelo outro, não assuma o emprego apenas para ter um contracheque. Porque a criança está ali esperando você, não importa de onde ela venha. Ela vai ser aquilo que você direcionar.

*Depoimento de Creusa Pereira dos Santos Lima, 73 anos, professora aposentada, a Carolina Scatolino

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