“Meu pai matou minha mãe, em nossa casa, a tiros”
Aluna conta como o projeto Mulheres Inspiradoras, da professora Gina Vieira Ponte, candidata ao Prêmio CLAUDIA, a ajudou a transformar sua realidade*
“Eu tinha 8 anos e era um domingo de Dia das Crianças. Na igreja evangélica que eu frequentava, faríamos uma apresentação de música e coral. Insisti para que minha mãe me acompanhasse. Queria que ela estivesse na plateia, mas já era noite e ela estava cansada demais.
Despedi-me chorando. Assim segui até a igreja e permaneci durante todo o evento. Acho que crianças são sensitivas, eu pressentia que algo ruim estava para acontecer.
Aquela foi a última vez em que vi minha mãe viva. Quando a apresentação acabou, eu e meu irmão mais novo fomos para a casa da moça que costumava cuidar de nós. Só depois soube detalhes do que acontecera. Meu pai matou minha mãe, em nossa casa, a tiros. Em seguida, fugiu.
Meu tio materno, que estava em outro quarto, só percebeu o que havia acontecido quando encontrou a irmã no chão já nos últimos suspiros. Chamou a ambulância, mas de nada adiantou. Ela morreu ali mesmo. Em desespero, meu pai fez menção de mirar a arma no cunhado.
Desistiu quando os vizinhos começaram a gritar. Ainda assim, atirou contra si, mas a bala pegou de raspão. A polícia chegou e ele foi preso em flagrante.
A partir de então, fui criada por meus avós e minha tia maternos e, todos os dias, agradeço a Deus por tê-los em minha vida.
Em 2015, fui uma das alunas da professora Gina Vieira Ponte, participantes do Projeto Mulheres Inspiradoras. Nas aulas dela, tivemos a oportunidade de conhecer e estudar a história de vida de mulheres fortes e que serviram de inspiração para nós.
O meu grupo trabalhou com a biografia de Maria da Penha. Eu conhecia um pouco da história dela, mas não tudo. Na escola, soube então sobre seu sofrimento e luta. Descobri como Penha é uma mulher de pulso e que tem uma força quase que sobrenatural.
Imagine: de sua tragédia surgiu a lei que protege as mulheres contra violência doméstica! [Nota da redação: Em 1983, a farmacêutica ficou paraplégica depois de levar um tiro do marido, enquanto dormia. Sua luta para colocar o agressor na prisão inspirou a lei que leva seu nome e protege as mulheres contra a violência doméstica.]
O projeto e o desejo de ser como a Penha, aliados à minha religião e à minha própria força, deram início a uma grande mudança dentro de mim. Ao conhecer a história de outras mulheres tão fortes, percebi que eu devo ser meu próprio exemplo, eu tenho que ser o mais próximo do que cobro das pessoas.
Penso em minha mãe tão jovem e lembro da mulher forte que ela foi. Essa é minha inspiração! Agora, já mais madura, entrei em um processo de perdão de meu pai. Nunca perguntei por que ele fez o que fez. Isso me entristece, então não quero saber. Ele foi um marido ruim, mas um bom pai.
No ano que vem, vou me casar. Estou construindo uma nova vida, não quero levar mágoas. O processo de reaproximação tem sido árduo e lento, mas tem me feito muito bem. Penso que a minha história não tem que ser triste. Ela pode, sim, ter um final feliz. Eu mudo minha história e a de outras pessoas também.”
* Náthaly Maria Rodrigues da Silva, 17 anos, em depoimento a Carolina Scatolino