Fotógrafo lança projeto para conscientização após catástrofe do Rio Doce
Ele documentou estragos causados pela lama tóxica
No dia 5 deste mês, moradores do subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), foram surpreendidos por um rio de lama que atravessou a cidade. A onda foi causada pelo rompimento de duas barragens, a Fundão e a Santarém, ambas administradas pela empresa Samarco. O acidente causou o despejo de 62 milhões de metros cúbicos de resíduos da extração de mineração em cursos de água próximos. A lama tóxica contém zinco, arsênio e outros materiais pesados. Até agora, há 8 mortes confirmadas, pessoas desaparecidas e desabrigadas, pois tiveram suas casas destruídas.
Quando ouviu a notícia, o fotógrafo e designer Leonardo Merçon, natural de Vitória, no Espírito Santo, resolveu documentar os estragos. “O plano era pegar a lama entrando no Espírito Santo, em Baixo Guandu, mas, quando chegamos lá, não tinha nada de diferente. Resolvemos subir a margem do rio até encontrar a lama”, conta. O percurso foi longo, pois, com a densidade dos dejetos, a lama tomou mais tempo do que se esperava para percorrer o Rio Doce, que tem 853 quilômetros de extensão. “Chegamos a pensar que já tinha se dissipado e que tudo ia ficar bem”, lembra ele. Foi quando chegou a Governador Valadares que Leonardo percebeu a imensidão da questão. “Passamos por uma ponte e vimos embaixo os peixes agonizando ou mortos. Outros bichos tentavam escapar da água. Meus olhos se encheram de lágrimas.”
As fotos, vistas nessa reportagem, revelam a triste realidade de todos aqueles que moram às margens do Rio Doce. “Muitas pessoas ali não sabem o que está acontecendo e continuam consumindo a água. As crianças e idosos ficam doentes com o consumo. Também há quem relate a morte de animais como cães, bois e patos”, diz, lembrando-se de uma foto feita um pouco antes dos patos saudáveis nadando no rio. “Os adultos não sabem o que falar para as crianças. Elas querem saber quando vão poder tomar banho de rio e pescar de novo.”
A magnitude da catástrofe levou Leonardo a criar o projeto Lágrimas do Rio Doce. Fundador da instituição sem fins lucrativos Últimos Refúgios, que sensibiliza crianças e adultos para questões do meio-ambiente por meio de imagens, planeja reunir uma equipe e fazer registro das consequências da entrada na lama no Rio Doce desde seu início até Regência, a foz. Para isso, está dependendo de doações. “Queremos transformar a tragédia em um produto cultural para que ele não seja esquecido. E também documentá-lo de forma real e imparcial, sem empresa ou ninguém falando o que temos que colocar”, explica.
Segundo Leonardo, nem todos estão conscientes da situação da região. “A distribuição de água é pouca e falta o tempo todo. Algumas pessoas estão filtrando água contaminada, o que está levando a muitos doentes. Conheci uma família que todas as crianças estavam com dor de barriga e diarreia, inclusive um bebê de 40 dias”, conta. Além disso, Leonardo diz que está assustado com a postura adotada pela imprensa, mais defensiva do que prática. “Já chegamos a lugares em que funcionários tinham passado recolhendo toneladas de peixes mortos. Não sei se isso está sendo computado nos registros”, diz.
Para ajudar, acesse esse perfil.