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Coisas de homem que eu não sei fazer

Nós, homens de boa fé, estamos perdidos

Por Adriano Silva
Atualizado em 22 out 2016, 21h01 - Publicado em 2 jul 2015, 11h10
Stockbyte/Thinkstock/Getty Images
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Nós, homens de boa fé, estamos perdidos.

Estamos perdendo elementos do universo masculino que faziam de “ser homem” uma coisa muito divertida.

Não sabemos mais direito quem somos, quem queremos ser, quem devemos ser. Que papéis ainda podem nos servir de parâmetro? Que papéis caducaram de fato?

Não sabemos mais quais são nossos direitos e deveres, o que é justo que esperem de nós e o que é lícito que esperemos dos outros.

Mas nossa desconstrução, como gênero, não passa só por essa névoa envolvendo nossas referências.

Não é só essa coisa de ainda ser o provedor da casa, mas ter que dividir a troca de fraldas e as noites insones também.

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Não é só não ter mais, eventualmente, a carreira mais bem-sucedida do casal, mas ainda assim se sentir na obrigação de pagar a conta do cinema e do restaurante.

Não é mais, apenas, como pai da noiva, ter de arcar praticamente sozinho com os custos do casamento. Ou ajudar na limpeza da casa sem esperar, como contrapartida, que lhe ajudem a carregar as malas na viagem.

Nem é só não saber mais se ainda faz sentido ou se é apenas ridículo e arcaico caminhar do lado de fora da calçada e abrir a porta do carro e puxar a cadeira para ela e subir as escadas atrás da moça e descer as escadas à frente dela, porque moças podem tropicar e você não – você está ali para ampará-la.

Não é só ter a cobrança por ser um ser humano mais sensível, mas continuar sendo proibido de chorar – porque o choro é uma prerrogativa feminina e as lágrimas masculinas ainda são uma prova inaceitável de fraqueza.

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Meu ponto é outro. A masculinidade está evanescendo, principalmente, em coisas tipicamente masculinas que estão se perdendo com o tempo. Há conhecimentos e costumes que foram passados de avô e de pai para filho e para neto por gerações e que estão sumindo completamente do nosso mapa de aptidões.

Todo homem, por exemplo, deveria saber assobiar alto. Não de modo melódico, entoando uma canção – mas como um trinado de comando e de alerta, objetivo, firme, másculo, com dezenas de decibéis atiradas sobre o mundo. Isso era coisa comum. Fazia parte da educação infantil do menino. 

O cara entortava a língua, repuxava o lábio, às vezes enfiava um dedo, ou dois, na boca e ensurdecia o mundo com o seu chamado. Hoje, cadê? Homens, ao deixarem de assoviar assim, ao deixarem de saber como produzir essa sirene do inferno instantânea, deixam também de conseguir se impor ao mundo, em outros campos da vida. (Outro ativo sonoro que perdemos: fechar as duas mãos em concha sobre a boca, soprar entre os polegares e soar como um bugio, às vezes produzindo vibratos que pareciam emergir de um acasalamento no coração de uma selva tropical. Que saudade de tudo que eu não aprendi!)

Todo homem também deveria saber cuspir. Cuspir é outra arte que estamos perdendo. Há um jeito de arrumar o cuspe na ponta da língua e lançá-lo à distância, como um projétil, fazendo aquele som seco e surdo- flupt! Um cuspe sólido, másculo. 

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Nada mais humilhante do que cuspir em chafariz. Ou do que se babar ao cuspir. Ou do que cuspir para baixo, contando com a gravidade para expelir a saliva da própria boca, como um pingente tíbio na forma de uma grande gota. Isso é incompetência. Ao fazê-lo, perdemos a capacidade de olhar ao longe e de alcançar coisas maiores, que não estão ao alcance direto da nossa mão.

Todo homem deveria saber consertar coisas. E construir coisas. Ter uma caixa de ferramentas (quando não uma garagem cheia delas) e saber usá-las é mister. Homem é mais homem numa oficina. E somos melhores quando usamos as mãos. Mãos masculinas são feitas para a lida. E ficam mais interessantes quando mais angulosas, nodosas, endurecidas – e amaciadas – pela faina. 

É preciso saber bater um prego. Rachar lenha. Serrar uma tábua. Manusear um alicate. Instalar aquela luminária nova que ela comprou pela internet. Nada mais humilhante do que não saber trocar a resistência do chuveiro ou o sifão da pia na área de serviço. Negócios como “Marido de aluguel” nos mostram isso – como deixamos, em algum momento, de ser homens com H maiúsculo.

Todo homem deveria conhecer motores. Homem combina com cheiro de combustível e lubrificante, com mãos sujas de óleo. Homem é mais homem numa garagem. Há que nutrir um olhar esperto sobre os problemas de funcionamento das máquinas. Homens clássicos são engenheiros. Ou, no mínimo, mecânicos. Mestres-de-obras. É preciso manter vivo seu lado peão. É preciso ter a unha do mindinho um pouco mais comprida que as outras – para usar como uma ferramenta extra em casos de emergência.

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Todo homem deveria saber lidar com as plantas e os bichos. Meu avô (e minha avó também, é verdade) sabia as épocas de plantar e de colher. Conhecia as fases da lua e sabia quando podar uma árvore ou folhagem. Havia hora certa para aguar as plantas. E tudo que eles enfiavam na terra, e cuidavam, brotava. 
Meu pai, por sua vez, sabe tudo de bichos. Que comida dar, quando dar. Como tratar, quando procurar ajuda de um veterinário. Homem precisa saber arrancar um carrapato do seu cachorro sem que o seu melhor amigo sequer se dê conta da operação. 

Eu não aprendi nada disso. Admiro muito esse conhecimento da terra, das estações, das colheitas e das criações. Mas não o carrego comigo. Nesse quesito, não tenho o que passar adiante a meus filhos. Não é o meu mundo. Nunca foi. E certamente não será o deles.

Todo homem deveria ter um canivete no bolso. Porque homem é prático. Pau para toda obra. E um canivete nos faz lembrar disso – que homens existem para resolver problemas e remover obstáculos. Da tampa lacrada do pote de azeitonas ao fechamento do zíper às costas do vestido da diva antes de uma festa.

Eu não sei fazer nada disso. (Exceto pelo vidro de azeitonas e pelo zíper do vestido da minha musa.)

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E lamento muito essa condição.

Adriano Silva, 44, é jornalista e empresário. É publisher do Projeto Draft (www.projetodraft.com), plataforma editorial especializada em inovação, empreendedorismo e economia criativa, e escreve umas bobagens no Manual de Ingenuidades

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