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“As meninas não são incentivadas a virar atletas”, diz campeã mundial Victoria Pendleton

Três vezes medalista olímpica, a ciclista conta a CLAUDIA como chegou até aqui

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 out 2016, 20h59 - Publicado em 8 ago 2016, 19h33
Theodora Duvivier
Theodora Duvivier (/)
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Três vezes medalhista olímpica e seis campeã mundial, a ciclista Victoria Pendleton, 35 anos, acredita que o machismo dificultou sua trajetória. Para evitar que outras passem pelo mesmo, a inglesa hoje apoia projetos de empoderamento de jovens esportistas.
 
“Minhas primeiras lembranças da infância são de assistir meu pai disputar campeonatos amadores de ciclismo. Ele é apaixonado pelo esporte e toda a família andava de bicicleta. Costumávamos fazer viagens para pedalar. Eu adorava, até competia em pequenas provas, mas não levava o esporte a sério – apesar de meu pai sempre dizer que eu era boa naquilo. Aos 16 anos, um caça-talentos me chamou para participar de uma seletiva da equipe nacional e passei a treinar com o time. Após acabar a faculdade de ciências do esporte, entrei para a seleção inglesa. Por anos, fui a única mulher na minha modalidade. O ciclismo chamado de sprint (corrida de alta velocidade em pista fechada) é considerado masculino demais. Acredita-se que só se dá bem quem é musculoso, agressivo, grande. Como tenho 1,65 metro de altura, nem me davam bola. Ouvi muitas vezes que não tinha o corpo certo, que era muito menininha e que minha mentalidade não era de vencedora. Em vez de me desanimar, esses comentários me estimularam. Quis provar que estavam errados. Eu sabia que era capaz.

Só que o caminho não é tão fácil, mesmo quando somos autoconfiantes e fortes. Olhando para trás, vejo que cheguei a suprimir reações naturais da minha personalidade por medo das opiniões alheias. Por exemplo: eu não podia chorar. Às vezes, saía da prova insatisfeita com a minha performance e queria colocar a angústia para fora. Mas sabia que, se chorasse, ouviria que isso era demonstração de fraqueza perante meus adversários, que não estava sendo profissional. Hoje, sei que a emoção significa que eu me entrego realmente àquilo, conectada de corpo e alma. Ela não me faz menos atleta ou menos capaz de ser campeã; só me faz humana. E esse pensamento não vale só para mulheres nem só para esportes. Se chorar é sua maneira de superar uma dificuldade ou de liberar a ansiedade – seja você homem, mulher, do ambiente corporativo ou não –, eu digo: ‘Vá em frente’.

Esses estereótipos dificultam a queda das barreiras de gênero. No esporte, eu observava desde pequena que os meninos eram estimulados a seguir carreira, buscar oportunidades em times estaduais ou locais, enquanto as meninas só serviam para o time da escola. A desigualdade começa ainda na infância e se perpetua. Há menos mulheres na elite do esporte e quase nenhuma nas equipes técnicas. Não acho que apenas mulheres podem treinar mulheres, mas a diversidade dentro do time faz falta. Pessoas diferentes levam ideias novas e estratégias não testadas antes, fatores essenciais para o sucesso do atleta. Eu mesma sinto que, em momentos difíceis, faltou uma figura mais acolhedora, alguém com quem eu pudesse conversar de igual para igual.

Tenho um irmão gêmeo com quem sempre passei muito tempo, inclusive pedalando. Costumávamos competir juntos quando éramos pequenos e, às vezes, um com o outro. Mas a disputa nunca foi negativa ou acirrada. Em casa, éramos tratados como iguais. Ganhávamos, inclusive, os mesmos presentes de Natal e de aniversário. Quando passei a viver em outros ambientes e comecei a ser tratada com menos respeito, acendeu a luz vermelha. Pensei: ‘Por que não estou sendo aceita? Terei que mudar meu jeito de ser?’ Fiquei insegura com meu corpo também, já que as críticas eram constantes. A verdade é que as pessoas têm a opinião delas. E, quando você se torna uma figura pública, é obrigada a ouvi-las. Mas não precisa aceitá-las. Confie no seu taco, valorize sua autoimagem. Faça as próprias regras. Aprendi isso na prática.

Eu me aposentei do ciclismo em 2012, após seis vitórias no campeonato mundial de sprint, duas medalhas de ouro e uma de prata nas Olimpíadas. Mas a maior lição que o esporte me deixou foi sobre minha identidade: não vou mudar por ninguém. Não vou cortar o cabelo curtinho nem me masculinizar para ser levada a sério. Passei a valorizar o caminho que tracei e a mostrar aos outros um retrato bem fiel e sincero das minhas fraquezas e fortalezas. Descobri nisso uma ferramenta para alcançar pessoas que sofrem com as mesmas dificuldades, adolescentes que estão apenas começando na carreira atlética ou que sonham com isso e têm medo de correr atrás.

Foi assim que me tornei embaixadora do Fundo para Jovens Atletas do Reino Unido. Em março, lançamos um acampamento para 165 meninas com o intuito de estimular a prática esportiva. Neste mês, divido minha trajetória com milhões de mulheres pelo mundo todo em uma nova campanha da marca de cosméticos Clinique. Nosso intuito é oferecer modelos de comportamento e inspirar outras meninas a se desafiar mais e mais para alcançar seus objetivos. Pessoalmente, acredito que só com o apoio umas das outras vamos progredir em qualquer área. Ser um exemplo não foi algo a que aspirei, mas é uma honra e uma grande responsabilidade. Porém, acima de tudo, é extremamente gratificante saber que posso dividir um pouco do amor e do apoio com que pude contar.”

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