Amar e trabalhar
Nossa colunista Liliane Prata anda pensando sobre os critérios que asseguram a normalidade de alguém
Certa vez, perguntaram a Freud o que era uma pessoa com boa saúde mental. A resposta dele: uma pessoa capaz de amar e trabalhar. Simples assim. Simples demais, alguns diriam – inclusive o psicanalista que me contou isso. Afinal, o que é que se entende por amar?, o que é que se entende por trabalhar?, etc. Mas, como eu não sou psicanalista, fico à vontade para dar minha opinião: gostei dessa resposta do Freud.
A saúde mental não é algo estático – se a saúde do corpo tem altos e baixos, por que a da mente não teria? Todos nós temos nossos momentos de desequilíbrio, que podem deixar sequelas ou podem não dar em nada – e aí respiramos fundo e seguimos nossa vida, mais serenos e coerentes num dia, mais agitados e confusos em outro. Mas, mesmo assim, viver e trabalhar bem me parecem sinais bem significativos.
Conheci uma mulher que, virava e mexia, não aparecia no trabalho. A secretária telefonava para ela, a chefe telefonava para ela: nada. No dia seguinte – ou, às vezes, dois dias depois – ela aparecia na mesa dela. Quando perguntada pela primeira vez, ela disse que tinha tido uma crise. “Sou maníaca depressiva”, explicou, como quem informa a pesagem de um pacote de arroz. Mostrou para a chefe o atestado, disse que o psiquiatra se colocava à disposição para tirar dúvidas, se desculpou. Depois dessa primeira vez, ninguém mais perguntava sobre os seus sumiços eventuais.
Um velho amigo, que trabalha em um banco e toma remédios controlados há anos, também já sumiu por conta de crises. Certa vez, ele pediu para ser exonerado – é funcionário público. Chegou a escrever uma carta, assinar e entregar para o chefe, antes de sumir por uma semana. O chefe, que já o conhecia há tempos, não deu prosseguimento ao pedido. De fato, dias depois, meu amigo voltou ao trabalho, já lúcido e arrependido.
O que dizer das pessoas que não amam ou pararam de amar faz tempo? Conheci uma mulher que era ótima profissional, tinha amigos e, até onde eu sabia, se dava bem com os pais. Namorado ou namorada? Nunca. Um dia, ligeiramente bêbada, ela me contou que nunca mais tinha conseguido se relacionar com ninguém depois de um trauma amoroso – que ela não me revelou qual tinha sido. Fazia uns 15 anos que a situação traumática tinha ocorrido. Detalhe: ela nunca tinha chegado às vias de fato com o cara.
Também há as pessoas que não conseguem ter um relacionamento amoroso minimamente saudável com ninguém. Essas são relativamente comuns. Cada relação é um sofrimento, uma dor, do início ao fim. A pessoa termina e a relação seguinte também é problemática.
Ser capaz de amar (e ser amado, de preferência) e trabalhar (ainda que por pura satisfação, como hobby): dois bons sinais de que, por mais que a única constância dentro de nós seja a inconstância, as coisas estão caminhando mais ou menos bem.
Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve esta coluna toda quarta-feira. Para falar com ela, clique aqui