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A dor da mãe que perdeu dois filhos para o suicídio

Fabio e Guilherme, gêmeos, se mataram com dois anos de diferença

Por Lia Rizzo
Atualizado em 12 jun 2018, 13h00 - Publicado em 8 jun 2018, 14h50

Mariza Guimarães, 66, é uma sobrevivente. É assim que são chamados os familiares ou pessoas próximas a alguém que se matou. Natural de Vitória, Espírito Santo, ela viu os dois filhos gêmeos, Fabio e Guilherme, cometerem suicídio com dois anos de diferença. Fabio foi o primeiro a ter um surto psicótico, aos dezoito anos, inicialmente atribuído pela mãe a uso de drogas. Ao ser internado e avaliado, veio o diagnóstico: ele sofria de esquizofrenia. “Lembro de cada palavra da dra. Cassia, a psiquiatra que me recebeu. Ela me disse que até poderia ser droga, mas meu filho era esquizofrênico e estava em uma crise muito forte. E, por conta da idade, o prognóstico não era bom.” O fato de Fabio e Guilherme serem gêmeos univitelinos, idênticos, indicava uma alta probabilidade de o irmão carregar o mesmo transtorno.

Dois anos mais tarde, foi a vez de Guilherme ter um surto. “Recebi uma ligação do Hospital da Polícia Militar dizendo que meu filho havia se acidentado. Ele tentou se matar, jogando o carro em direção ao muro de uma casa.” No segundo dia de internação, enquanto a mãe o visitava, Guilherme quis morrer novamente. Levantou da cama e se precipitou em direção à janela do hospital. Mariza evitou o pior segurando o rapaz pelo passante da calça. Porém, três meses após a internação, Guilherme se suicidou aos vinte anos recém completos. No dia de seu falecimento, a mãe percebeu o olhar perdido. Pediu que o filho dormisse no quarto com ela, mas passou a noite vigilante. “Quando ele acordou, já de manhã, veio até mim e me fez um carinho. Adormeci e despertei com o baque. Até hoje escuto o meu grito ao vê-lo caído depois de saltar do nono andar.” Nos anos que se seguiram à morte do irmão, Fabio e a mãe não tiveram paz. Mariza colocou grade em todas as janelas do apartamento em que vivia, com exceção da cozinha. E foi dali, exatos dois anos depois do suicídio do primeiro gêmeo, que Fabio colocou fim a sua vida.

Hoje, quase duas décadas após se despedir dos filhos de maneira tão trágica, Mariza fala do assunto com certa naturalidade. Ela conta que levou anos para chorar. Logo depois da missa de sétimo dia de Fabio voltou a trabalhar, anestesiando assim o lado emocional. “Me tornei insuperável, batia todas as metas no trabalho facilmente. Também me matriculei em uma pós-graduação e passava as noites assistindo filmes alugados. Reconheço que não me permiti sofrer. Acho que se me desse a chance de sentir, talvez morresse.”

O luto decorrente do suicídio tem características muito próprias. “Não se trata de medir ou comparar a dor em relação a outras perdas. Porém, as particularidades que o ato envolve dão uma dimensão muito maior ao processo deste luto”, explica a psicóloga Karen Scavacini, co-fundadora do Instituto Vita Alere, de prevenção e posvenção ao suicídio. “O tema ainda é tabu e envolve sempre uma investigação policial por ser caracterizado como morte suspeita. Um estresse adicional para as pessoas próximas, em um contexto já muito delicado onde eles ainda estão tentando lidar com a culpa e as perguntas sobre como não foram capazes de perceber ou evitar a tragédia. Questões que nunca serão respondidas, já que quem morre leva consigo a sua verdade, mesmo quando deixa uma carta com supostos motivos”. Para familiares é também um luto que se apresenta em momentos diversos da vida. Uma irmã que engravida, por exemplo, vai se lembrar naquele momento que o filho não terá tio. Ou o pai que verá os amigos da filha se formando, seguindo a vida, enquanto para ele sobrou apenas tristeza e sonhos interrompidos.

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Em sua caminhada rumo à sobrevivência, Mariza incluiu atividades esportivas e as experiências que não teve tempo de viver ao lado dos filhos. O segundo Natal após a morte de Fabio, passou em Nova York com amigos, como sonhava fazer com os gêmeos. Decidiu se dedicar à natação e, em 2011, realizou a Travessia dos Fortes, prova em que os esportistas nadam do Forte de Copacabana ao Pontal, no Rio de Janeiro. Há cinco anos, deu uma nova chance ao amor, ao iniciar um relacionamento com um homem, seu companheiro até hoje. “Acho que apenas agora posso dizer que estou começando a me resgatar, um processo que vem há um ano, quando me permiti sofrer.” Ainda chora e lamenta não vivenciar fases típicas do crescimento e amadurecimento de um filho. “Gostaria de ter sido avó. Fotos de amigos com netos em redes sociais me doem. Porque, claro, a tristeza ainda existe. Mas não me impede de viver. Apesar de todos os dramas e situações limites que passei com eles, e que foram muitas, a saudade é alegre. Formávamos uma família de três e tivemos muitos bons momentos.”

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