Como começar a decorar a casa nova?
É melhor iniciar pela sala ou pelos quartos? Não existe apenas um caminho certo. O segredo é identificar suas prioridades e elaborar um plano de ação
Mudar de endereço é um processo longo e de emoções intensas. Logo após pegar as chaves, inevitavelmente surge a pergunta: por onde começar? Não será pelas almofadas nem pelo tapete – a não ser que você tenha se apaixonado por um deles. Antes de sair comprando móveis e acessórios, encha-se de referências, pinçadas de revistas, blogs, lojas e até de casas reais. Assim você forma seu ideal de moradia. Encare a pesquisa antes ou até mesmo após a mudança, como orienta o arquiteto paulista Gustavo Calazans, que explica: “Se tiver um repertório limitado, no meio do processo poderá ser seduzido por uma solução que acabe inviabilizando o que já fez até aquele momento”. Imagine encantar-se com a ideia de colocar uma poltrona na sala, quando já se tem dois sofás? Supondo que o imóvel não apresente problemas estruturais, nem elétricos, hidráulicos ou de acabamento, o designer de interiores Roberto Negrete, também de São Paulo, diz que o ponto de partida é olhar-se no espelho e questionar-se: do que eu gosto mais? Do que eu preciso? Nessa autoanálise, descobrem-se não só os hábitos como também os espaços que eles exigem em casa. Um bom jeito de estabelecer primazias é se fazer muitas perguntas, como: aguento dormir em um colchonete até comprar a cama desejada? Posso deixar o armário para depois ou as roupas guardadas em malas vão me enlouquecer? O que faço com as refeições até a entrega da marcenaria e dos eletrodomésticos da cozinha? A lavadora de roupas é urgente ou consigo me virar lavando as peças à mão ou pedindo socorro à mamãe? Que itens já tenho e quero preservar? E ainda: quais não suporto mais, porém vale a pena manter por um tempo?
“Com as prioridades definidas, monte um plano estratégico, que requer revisões periódicas para saber se continua cabendo no orçamento e no imóvel”, aconselha o arquiteto Mario Figueroa, do escritório Figueroa.arq e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie e da Escola da Cidade, em São Paulo. Um novo lar não é sinônimo de móveis zero-quilômetro. Liste seus pertences para identificar o que pode reaproveitar. “Que tal dar uma segunda vida a um estofado usado? Às vezes, basta trocar o tecido”, pondera Mario. De posse desse inventário, veja de que itens essenciais ao dia a dia você precisa. Uma aliada é a planilha de custos dos produtos necessários, com dados sobre fabricantes e pontos de venda, o que ajudará a encontrar soluções mais econômicas. Nessa tabela, estabeleça prazos para cada aquisição – e o tempo de pagamento parcelado. “Se fizer um pé-de-meia, dê preferência àquilo que identificou como importante e saiba que, em muitos casos, vale mais negociar preços à vista do que com o cartão de crédito”, lembra Roberto.
Antes de se mudar, faça gesso e pintura
– Para rebaixar o teto, você precisa de ao menos 10 cm de altura, então avalie se o pé-direito não será prejudicado. Antes da instalação, conduítes devem levar os fios aos pontos desejados para as luminárias. Estas podem ser compradas depois: se forem de embutir, bastará recortar o gesso e encaixá-las. “Em uma área de 30 m², um forro liso de drywall fica pronto em menos de duas semanas, entre encomenda e execução”, avisa a engenheira Karina Cruz, da Gesso Rochedo.
– A pintura vem na sequência, após o forro receber massa corrida e lixa – esta também deve ser passada nas paredes. Considerando a inexistência de imperfeições a corrigir, entre preparar os ambientes e pintar um apartamento de 50 m², são necessárias cinco noites de trabalho, caso você mesmo o faça (ou dois dias se houver um pintor). Para uma casa térrea de 120 m², reserve seis noites e um fim de semana, de acordo com Kleber Tammerik, gerente de serviços ao mercado da Suvinil. Só depois de concluída a pintura instala-se a marcenaria.
Depois de dispor os móveis principais, é o momento de personalizar os ambientes
– Paredes decoradas dão vida ao lar. E não faltam opções práticas para isso, como tintas coloridas ou com efeitos especiais, tecidos, papéis de parede e adesivos. Economizam-se tempo e dinheiro e, ainda, evita-se o entulho produzido por outros materiais de acabamento, como pastilhas.
– “Quadros devem ajudar a compor o projeto, como o buquê da noiva. Assim, para paginar as paredes, é sempre bom que todos os móveis já estejam em seus lugares definitivos”, recomenda o designer de interiores Roberto Negrete. “A exceção acontece quando a composição de enfeites trabalha de forma independente do mobiliário”, ressalta, citando a superfície para uma obra de arte muito grande ou um corredor de circulação. “E jamais combine as telas com o tapete ou outro item de decoração”, decreta Gustavo Jansen.
– Arranjos criativos de pôsteres, fotos, santinhos e pratos enchem os olhos. “Monte o conjunto no chão e mude as posições até achar o jeito ideal. Fotografe e, se possível, imprima. Não pendure as peças na hora: espere até o dia seguinte para ver se continua gostando de como ficou”, orienta Gustavo.
É útil brincar de casinha
Para evitar erros de proporção e circulação, trace a planta em escala 1:50, considerando que cada centímetro representará 0,50 m (fica a dica: com papel quadriculado é mais fácil!). É imprescindível demarcar janelas, tomadas e pontos de luz a fim de tomar decisões acertadas – você não poderá apoiar a cama de casal em uma parede de 2 m se a superfície for interrompida por uma porta. Verifique as medidas dos móveis e eletrodomésticos que pretende ter, desenhe-os na mesma escala em outra folha, recorte-os e teste possibilidades sobre a planta até chegar à disposição ideal. “Inicie pelos itens estruturadores, como sofá, mesa de jantar e guarda-roupa, mais difíceis de alterar caso se arrependa”, fala Mario. Para assegurar que as pessoas transitem confortavelmente pela área, o profissional sugere imaginar situações extremas, como: qual seria o espaço mínimo para passar com malas ou até com um carrinho de bebê?
Ao observar a planta, você poderá avaliar, por exemplo, se a mesa para seis fica grande demais ou se as poltronas que tem caberão nos cantos previstos. Enxergar esses aspectos de antemão se traduz em escolhas bem planejadas. E não subestime a versatilidade das peças curinga. “Se gosta de receber, mas só faz isso em quatro dos 365 dias do ano, por que não usar duas cadeiras com braços nas cabeceiras da mesa, que podem migrar para o estar quando houver visitas?”, questiona Roberto Negrete.
Nessa brincadeira, hábitos e desejos devem vir à tona, pois algumas reflexões são capazes de provocar alterações na distribuição. Por exemplo: a sala será o lugar de ver TV, receber amigos, ler, ouvir música e fazer refeições? Cabe tudo nela ou alguma função pode ser destinada a outro ambiente? Preciso de um escritório ou posso me valer de um canto qualquer para trabalhar? Quero ter um equipamento de home theater? Onde embutirei a fiação? Quais os modelos e os tamanhos dos eletrodomésticos que prevejo para a cozinha? Onde ficarão a tábua de passar roupas e a escadinha? E por aí vai.
Planeje o todo, realize as partes
Sim, são muitas as questões. Quando elas aparecem, chega a hora de considerar a opção de chamar um arquiteto ou designer de interiores. A saída, às vezes, representa um custo inicial maior. Em contrapartida, o investimento reduz os riscos, além de aportar soluções sob medida elaboradas por alguém qualificado. “Precisamos quebrar o preconceito de que apenas pessoas endinheiradas podem usufruir desse serviço”, defende o arquiteto e designer paulista Paulo Alves. E existem alternativas mais em conta, como as consultorias de decoração e de desenho de mobiliário, ou, ainda, a encomenda de projetos específicos, como o de iluminação.
Sozinho ou acompanhado de um profissional, pense sempre na casa como um todo – e não como uma somatória de ambientes – quando estiver concebendo a decoração. Para o arquiteto Maicon Antoniolli, de São Paulo, mesmo que a execução dos planos se faça aos poucos, esse cuidado oferece unidade aos cômodos. O designer de interiores baiano Gustavo Jansen concorda e recomenda principiar pelas áreas sociais, de uso comum. “Os quartos podem ter o gosto de cada morador e ficar por último”, diz. No entanto, lembre-se de que não existe fórmula inquestionável – são seus hábitos e preferências que ditarão a ordem das coisas. Então, nada impede que comece montando o closet, se essa for sua primeiríssima necessidade.
Ao pensar em armários e estantes, surge a dúvida sobre o que é mais conveniente: móveis prontos ou sob medida. Em geral, como os primeiros têm produção em larga escala e disponibilidade de pronta-entrega, são mais acessíveis e representam uma boa saída para imóveis alugados, pois podem ser transferidos para a moradia seguinte. Caso o imóvel seja próprio, um projeto de marcenaria – encomendado a um marceneiro ou a uma empresa de planejados (saiba mais nesta matéria) – tende a tirar mais proveito do espaço. Porém a entrega demorará, em média, de 30 a 60 dias úteis. Algumas empresas e certos profissionais dão desconto quando solicita-se a marcenaria para a casa toda. Faça as contas e avalie se tem condições de arcar com o valor. “Caso contrate um marceneiro que ainda não seja de sua confiança, passar o trabalho aos poucos oferece mais segurança”, alerta Paulo Alves. É verdade que a tentação de encomendar tudo para coincidir com a retirada das chaves é grande, mas não se precipite: “Nunca use a planta como base, sem ter obtido as dimensões diretamente no local”, reforça Roberto Negrete. Uma diferença de poucos centímetros em um gabinete, por exemplo, pode inviabilizar sua instalação. “Tudo o que é sob medida parte do princípio de que é preciso medir”, ressalta Roberto.
Para ficar com cara de casa
Obedecendo ao plano estratégico e à planilha de custos, também é necessário focar nas combinações dentro dos espaços. Na sala, por exemplo, se você já prevê uma cortina com estampa marcante, é bom que os outros elementos sejam neutros – e vice-versa – a fim de que o olhar não fique dividido. “Recomendo tapetes mais básicos, pois são superfícies extensas. Porém, se você já possui um modelo espetacular, comece por ele”, fala Gustavo Jansen. Ele aconselha planejar o trio de sofá, tapete e cortina de uma vez, embora possam ser comprados em momentos diferentes. Aliás, é comum que a cortina fique para depois, mas há situações que exigem sua antecipação, como alerta Roberto Negrete: “Se houver incidência de sol no ambiente, priorize esse item, mesmo que seja provisório, para proteger pisos de madeira e móveis”.
Acertar o mix de tonalidades, texturas e padrões nem sempre é fácil. Para pintar as paredes da sala, Roberto sugere escolher almofadas que agradem e, depois, optar por um tom de tinta que combine com elas – como os sofás costumam ser neutros, dificilmente você terá problemas para harmonizar o conjunto quando comprar o estofado. Para definir o restante dos componentes, eleja uma ou duas cores principais e brinque com estampas que sigam essa paleta. Caso se sinta confiante, Gustavo Jansen sugere inspirar-se nas tendências de moda: “Veja as combinações de roupas indicadas por revistas especializadas, geralmente mais ousadas”. Uma boa (ou má) notícia: a decoração não acaba nunca! Sempre surgem mais interesses, novos jeitos de arrumar os objetos e paixões até então desconhecidas. No fim das contas, fazer do lar um local gostoso e aconchegante para viver é um exercício constante.
Leitores contam suas experiências em decorar a casa
“Antes do nosso casamento, meu marido comprou um apartamento na planta. Tomei um susto quando a obra ficou pronta e fizemos a vistoria – acostumada a morar em casas com quintal e jardim, me senti presa em uma caixa de 45 m². Depois do choqueinicial, coloquei a mão na massa: desenhei a planta e, conforme pesquisava em lojas virtuais, incluía os móveis que me interessavam, calculando as dimensões exatas. Só errei na poltrona para o quarto da minha bebê, pois o modelo acabou sendo maior do que eu imaginava. Mas não me arrependo, pois foi amor à primeiravista! Ainda estou terminando alguns detalhes, mas já sou muito feliz nesses 45 m².”
Carolina Fernandes, dona de casa de Contagem, MG, com o marido, Wesley Fraga
“Em 2012, meu marido e eu reformamos nosso apartamento. Além de trocar as instalações de gás, água e luz, mudamos a cozinha de lugar, criamos um banheiro novo e colocamos um piso diferente. Uma arquiteta fez o projeto para a casa toda, mas executamos a obra aos poucos, de agosto a dezembro. Não seguimos tudo ao pé da letra: em vez de trocar o mobiliário, nos adaptamos aos itens que ganhamos de parentes. Só fiz questão de comprar a cama box com baú, pois precisava da praticidade arquivo pessoal do armazenamento. Mesmo que demore mais, sempre comproo que realmente quero, e não um quebra-galho. No futuro, ainda pretendo tirar do papel algumas soluções do projeto, como a marcenaria.”
Glaucia Ferreira, analista do Rio de Janeiro