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Novo livro de Fabrício Carpinejar fala sobre medos da quarentena e colo

Lançado na última semana, o livro aborda sentimentos comuns a todos nós durante a pandemia no novo coronavírus

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 15 Maio 2020, 18h00 - Publicado em 15 Maio 2020, 18h00

Os dias têm sido estranhos. As nossas noções de tempo e espaço certamente estão diferentes. Criamos rotinas novas, adaptadas. O autor Fabrício Carpinejar notou que um de seus hábito ganhou estímulo da competitividade. Nada agressivo. Ele concorre com ele mesmo comandando o fogão de casa. “Eu me proponho a fazer o melhor arroz de carreteiro possível. E sou um crítico duro. Já me dei 7. Hoje me dei 9. Estava bem bom”, conta ele, que também tem feito muitas cucas.

Logo no começo da quarentena, em casa com a companheira e os dois filhos, ficou admirando o tempo livre que tinha nas mãos. Resolveu escrever sobre o que estava vivendo. “Eu não ia adotar a marcenaria de repente”, diverte-se. “Sentei para fazer o que eu mais amo e tentar vencer o medo com a vacina da palavra”, diz. Nasceu Colo, por favor! – Reflexões em tempos de isolamento (Planeta). O livro, que já pode ser comprado online, reflete sobre as relações humanas impactadas pela pandemia e pela volta (e permanência) ao lar. Em conversa com CLAUDIA, o autor se mostrou tranquilo. Ao menos naquele dia, já que, como a maioria das pessoas, observa sentimentos distintos aparecendo, contradições, reflexões. Ao final do livro, a sensação é essa mesma: como somos todos tão parecidos apesar de nossas divergências. A humanidade vive algo único e parece que precisaremos todos dessa terapia coletiva que pode vir através da leitura.

 

Tem rolado uma discussão intensa sobre produtividade na pandemia. Tem gente que está conseguindo fazer mais e gente, como eu, que tem tido dificuldade de manter o foco. Você escreveu um livro todo. Como foi isso? 

Eu precisava organizar meu medo. Medo que surgiu com o confinamento geográfico e temporal, com o prazo indeterminado para voltar a algo próximo do que era antes. Acho que as coisas nunca mais serão as mesmas. Mas resolvi escrever, que é o que eu mais amo fazer. Só que estou levando a escrita criativa de forma serena, ou seja, tem dias que eu não estou inspirado e tudo bem. São dias importantes mesmo assim. A falta de inspiração é o melhor revisor que pode existir, ela é severa. Nesses dias, eu paro e releio. O que eu entendi é que, cada vez mais, a gente não pode deixar o coração alinhado com a mente. Não dá para a gente saber de todas as informações, acompanhar tudo. Você fica suscetível, não consegue não se relacionar com a pandemia. Eu estou tão à flor da pele que virei uma planta carnívora, devorando tudo que vejo. Só que essa falta de certeza é alimento para o sofrimento.

(Divulgação/Divulgação)

 

O livro tem descrições muito universais de sentimento humanos e de cenas da quarentena. Você abre falando das pessoas nas varandas, depois dos casais. Esse momento de ficar em casa aguçou sua habilidade de observação?

A gente vivia no automático, né. Sem parar para pensar no que estávamos fazendo. E, de repente, temos muito tempo para pensar. Convivendo 24 horas por dia com sua esposa não tem como você não parar para refletir sobre o que ela está sentindo. Ela está feliz? Não tem como não perguntar. E isso vale para todas as outras relações. Não tem como maquiar a verdade agora. A gente olha tudo como formigas agora. São nossos micro mundos. Nossos olhares foram puxados para o básico, para o insignificante. É como se a gente estivesse sendo esmagado pela sola de sapato. Não existe viver sem consciência da finitude neste momento. Você entende que é responsável pela saúde do outro tanto quanto é responsável pela sua. Não tinha essa noção do formigueiro. mas agora a conexão é óbvia.

 

Em um dos capítulos você fala do riso, de como ele é usado agora quase como um sinal de desespero. Eu me identifico muito com isso, me pego rindo de coisas que não fazem sentido e nem são engraçadas. É uma tentativa de proteção da sanidade? 

É uma tentativa de treinar e domesticar o medo. A gente não consegue fazer isso chorando, mas é possível fazer rindo. O riso ajuda a se habituar com o imprevisível, com o inesperado. É uma descarga elétrica para lidar com o choque. Rimos e isso causa reflexão. O choro é passivo, não permite escutar ninguém. Quem ri escuta o outro, entende as semelhanças, vê que outras pessoas passam pelo mesmo problema. Quando a gente guarda a dor, vira um bicho rentável e aumenta. Quando a gente divide a dor, ela ameniza.

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Do que você mais sente falta da vida antes da pandemia?

O colo. O colo de uma pessoa amada. De me sentir seguro. Não precisa pensar em nada, a pessoa tá fazendo a vigília. O que sinto falta é de relaxar. Isso tem vários significados, né. Não é só o colo físico. O colo é o retorno ancestral, é o colo da mãe na primeira infância. O sol da praça pode ser um colo. Ele dava a sensação de seguro e confortável. Se antes você trabalhava em equipe, pedia conselhos, esclarecia dúvidas, hoje vive-se uma solidão funcional. Você tem que se virar sozinho. E isso é impactante também. Eu brinco de ser colega de banco da minha esposa. Eu apareço com frutinhas, bato na porta, interrompo o trabalho para levar café. Algo que a gente não pode esquecer é que o mundo do trabalho foi desconstruído. Não existe mais como a gente acreditava antes. O emprego vai ser raro. Uma família que tinha duas pessoas trabalhando será cada vez mais um fato especial. Talvez funcione como um revezamento de quem trabalha. Um fica fora, o outro na retaguarda doméstica e depois troca. Dois salários fixos em uma casa será uma coisa nababesca. Houve uma atrofia do mercado. E quem ficar desempregado não vai ser porque não está antenado ou não está rendendo. Será como temporada de séries e não como novelas. Também pensaremos em dinheiro de forma diferente. A gente estava vivendo num modelo muito intenso, de fazer o máximo. E se esquecendo da poupança. Isso vai mudar. Eu faço essa comparação no livro. Meus filhos falam inglês como segunda língua, viajam. Eles não pensam em casar, ter filhos. O pé de meia é para viajar. E na geração da minha avó a prioridade era guardar dinheiro para a família. Ela não desfrutava do que ganhava. Acho que não vamos caminhar para nenhum dos dois extremos, mas para uma fusão desses modelos.

 

Vemos, através das redes sociais, as pessoas adotando novos hábitos. Elas fazem quebra-cabeças, o próprio fermento para o pão, voltam a tocar música, coisas que há tempos estava esquecidas. Esse movimento coletivo diz o que sobre a nossa sociedade? 

Acho que é quase um estudo antropológico. Eu já era uma pessoa que preferia estar em casa com meus poucos amigos. É melhor do que balada. Mas aí notei que os passatempos mudam. Não é só estar com os amigos no momento, é o preparo para isso. Não é o comer, mas o fazer, o passo a passo na receita. Eu estou fazendo bolos. Eu gosto de percorrer as etapas. Achar a receita, perguntar, testar. Nunca comi tanta broa na minha vida. E tenho feito umas muito boas, com a casquinha perfeita. Eu me dou desafios. É uma forma de ocupar meu dia. É como se fossem pequenas gincanas. Eu me dou um horário limite para terminar tarefas e isso me faz sentir extremamente ativo, como um estímulo. É o sangue nos olhos (risos). A gente precisa deixar a mente ocupada para não sobrecarregar o coração. A mente ocupada vai, de certa forma, freando o medo.

 

Você vê as pessoas saindo às ruas em outros países que já estão reabrindo e sente inveja?

Não sinto inveja, porque não tenho certeza de nada. Não sabemos se quem já contraiu pode pegar novamente. Só teremos certeza após vacina. Aí sentirei inveja. Essa ideia de sair agora é muito precoce. Não quero sofrer por antecipação, como se a vida tivesse sido roubado e eu estivesse esperando me devolver. A vida é essa agora. Eu só saio para fazer mercado e nem olho a validade dos produtos. Eu vou o mais rápido possível. Não fico penando de lavar tudo. É uma nova necessidade, então eu só aceito que a partir de agora eu vou ter que fazer assim. Se a gente ficar lembrando da vida antiga e comparando, vai gerar culpa, frustração. A gente precisa pensar na vida agora, no que podemos fazer. É uma ressureição, uma recriação. Como vamos nos relacionar a partir de agora? Como a gente vai se abraçar? Como vai ser o comércio? Isso já vai gerar uma expectativa quase como de primeiro dia de aula. 

 

Alguns casais encaram momentos difíceis na quarentena. O número de separações aumentou muito. E você fala disso no livro, de como a intensidade de convivência pode levar a descobrir ou a aceitar coisas que andavam escondidas. Acha que as famílias vão sair mais saudáveis disso, apesar das separações?

Eu defendo que protejamos a solidão nesse momento de intensa dinâmica familiar. O que vai adoecer não é estar junto, mas não poder estar só. Eu preciso abrir frentes de horários meus, mesmo com a convivência 24 horas por dia. Isso é importante para que não aconteça uma simbiose e a gente passe a pensar como uma única pessoa. Se isso acontece, a angústia de um vira dos dois e o sofrimento é duplo. Mas um tem que estar saudável e bem para acolher, segurar a onda. Essa divisão só é possível quando ambos alimentam a personalidade. Ler livros que gosta, ouvir músicas, conversar com amigos em outro ambiente, jogar um game. E quem está sozinho tem que fazer o contrario: partilhar o dia, narrar. Eu passei a conhecer meus amigos melhor do que já conhecia. Sei quem pode atender em qual horário, quem não funciona de manhã ou à noite. Eu fui inserido ao dia deles, é quase um casamento com amigos. Eu os vejo, por vídeo, cozinhando, faxinando, cuidando das plantas. Com meus pais também é uma delícia conversar. Eu falo com o teto deles. Eles se cansam e colocam o celular na mesa, com a câmera para cima. Já decidi que quando isso acabar eu vou pintar o teto dos meus pais.

 

Tem uma frase muito importante no livro em que você fala de como a dor modifica as pessoas. Isso entra muito nessa discussão do que vai acontecer no pós-quarentena ou pós-pandemia. A dor nos fará levar a rotina de forma diferente? 

Ser retirado do convívio é algo que tem causado muita dor a todos nós. Nem todo mundo está resguardado com a família. Eu, por exemplo, não consegui buscar minha mãe em Porto Alegre. E isso me deixa angustiado. Não me sinto a salvo porque pessoas próximas não estão a salvo comigo. Eu nunca tinha falado para uma tia que a amava. E ela era uma segunda mãe, sempre ia nas minhas palestras, distribuía meus livros. Quando ela foi infectada, me dei conta. A gente sempre se vestiu bem para os estranhos e porcamente dentro de casa. Para escrever a mensagem do trabalho, revisa. Para escrever um bilhete em casa faz de qualquer jeito. A gente tinha uma noção de entregar nosso melhor para quem a gente não conhece e não dedicar o mesmo tempo ou atenção para quem está ao nosso lado. Nosso mundo era projetado para fora. Os passeios em bares, restaurantes e festas eram a alegria. Agora não tem mais essa gratificação externa. Infelizmente, não acho que é todo mundo que está sendo modificada pela dor. Continuam insensíveis, indiferentes. Ainda querem brigar da reclusão. O que entendemos agora é que devemos fazer o certo não porque vamos nos beneficiar, mas porque é certo. Estamos fazendo uma aeróbica da alma para aguentar os trancos do futuro. A gente está internalizando um tipo de higiene mental. Cada um está cuidando de si, delimitando preocupações, passando álcool em gel nos pensamentos. Pensando nas palavras que vai dizer ao outro. E isso é uma fase. Não rompe agora a relação com o amigo. Fique perto, mantenha o elo, converse. Vamos lidar com o descontentamento, a infelicidade e seguir em frente. Tem muito pra viver depois disso.

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