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‘Laerte-se’: documentário foi terapêutico para a cartunista trans

O documentário da Netflix mostra Laerte Coutinho em sua mais plena intimidade - e, muito provavelmente, servirá de terapia para você também.

Por Giovana Feix
Atualizado em 20 jan 2020, 13h53 - Publicado em 19 Maio 2017, 09h03
laerte usa quimono azul e posa com as mãos atrás da cabeça
 (Laerte Coutinho/Divulgação)
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Estreia hoje (19), na  Netflix, o primeiro documentário original realizado pelo serviço de streaming no Brasil. “Laerte-se” é centrado na vida e obra de uma das maiores cartunistas do país, Laerte. Como se o tema já não fosse suficientemente interessante, a roteirista e diretora do filme é a premiada repórter Eliane Brum.

Em uma mesa-redonda com menos de uma dezena de participantes, o MdeMulher teve a oportunidade de conversar com Laerte, Eliane e Lygia Barbosa da Silva, a outra diretora do documentário, sobre os desafios de contar essa história.

Isso porque a trajetória de Laerte não é exatamente convencional, e o filme não se furta de mostrar a complexidade da cartunista. Já nas primeiras cenas é possível entender a profundidade das conversas que serão exibidas.

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“Não estou nada à vontade de gravar aqui”, Laerte escreve em um e-mail a Eliane, falando sobre possíveis filmagens em sua própria casa. “Acho que preciso de mais tempo”. A resposta de Eliane é firme e, com insistência, a repórter a questiona: será que adiar a visita seria uma boa ideia? “É meio que nem terapia, ou análise”, acaba por dizer a entrevistada, aceitando finalmente o encontro.

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As duas logo combinam a conversa – e, assim que a repórter e a equipe entram na casa, começa uma jornada íntima e inédita ao universo de Laerte.

Ela tinha posado nua à época destas conversas – mas as diretoras do documentário queriam ir mais fundo em termos de intimidade. “Estávamos buscando uma outra nudez”, explica Eliane Brum na mesa-redonda. “A ideia era se perder”.

E é isso que elas conseguem fazer, de fato. Eliane e Lygia acompanham cenas banais do cotidiano da artista e, ao mergulharem cada vez mais fundo em sua vida, nos mostram um pouco de sua corajosa busca pela própria identidade.

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Ao seguirem a proposta de “se perder”, as duas permitem ao espectador um grande encontro com Laerte. “O filme foi acontecendo na nossa frente”, explica Lygia.

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Sincera, crua e, muitas vezes, pronta para mostrar ao mundo até mesmo as próprias inseguranças, é uma versão praticamente inédita da cartunista que aparece na tela – e, com isso, recebemos uma mensagem que deveria ser evidente para qualquer um (apesar de, infelizmente, ainda não ser): Laerte Coutinho é, acima de tudo, ser humano.

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(Reprodução/Netflix)
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A cartunista admite ter sentido um viés terapêutico durante as filmagens. “Meio que nem terapia, ou análise”, portanto, é o que o projeto acabou se tornando. E não só para ela, mas também para todas as envolvidas – até mesmo para o único homem, o roteirista Rafael Scire. Além das diretoras do documentário, também a produtora é mulher, Alessandra Côrte.

Integrantes da produtora independente Tru3lab, todos eles saíram de três anos de “Laerte-se” com, pelo menos, uma pergunta bastante produtiva na cabeça: afinal de contas, “o que é ser mulher?”.

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Durante o documentário, Laerte conta que para sua mãe, bióloga, a resposta a essa pergunta era clara – e tinha tudo a ver com o ato de parir. Acompanhar, no entanto, a trajetória da cartunista neste filme é capaz de inspirar e de fazer também os espectadores irem atrás da construção, dia após dia, de uma resposta própria a essa questão.

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Botando o T em LGBT

Ao falar sobre a época em que ainda se identificava como homem – e sobre como decidiu oficialmente assumir a postura de mulher -, no filme Laerte deixa muitas vezes transparecer as inseguranças que todo mundo – cis ou trans, hétero ou homossexual – tem na vida.

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A cartunista não se considera, porém, particularmente corajosa por ter assumido sua identidade de gênero aos quase 60 anos. “Eu tinha muito pouco a perder”, explica, referindo-se não só à carreira consolidada na época, mas também à estabilidade na vida social e na família. “Quando são pessoas jovens, aí sim, é preciso muita coragem”, diz, admirada.

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(Reprodução/Netflix)
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Para ela, a transexualidade é, mais do que tudo, a quebra dos modelos “quadradinhos” que somos ensinados quando o assunto é gênero.

Quando entrou nessa “jornada”, Laerte o fez de corpo e alma – e, apesar de hesitações terem acontecido (como o início do documentário), ela agora não tem mais dúvidas:

Hoje, a única decisão que eu preciso tomar antes de sair de casa é qual bota, qual blusa eu vou usar“, diz, orgulhosa.

Vaidosa, ela se veste com estilo, e deixa transparecer que, realmente, tem feito as decisões certas há algum tempo.

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