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4 poesias atemporais de Carlos Drummond de Andrade

Permeadas por ironia, questionamentos existenciais e críticas sociais, suas obras possuem uma relevância que perdura até hoje

Por Colaborou: Gabriela Teixeira
Atualizado em 17 fev 2020, 12h04 - Publicado em 31 out 2019, 16h43

Há 117 anos, em Itabira (MG), nascia Carlos Drummond de Andrade. Um dos maiores nomes da literatura brasileira, Drummond desde criança já demonstrava inclinação para as palavras. Ainda assim, cursou Farmácia, mas não chegou a exercer a profissão e trabalhou como funcionário público durante a maior parte da vida, ao mesmo tempo que se dedicava à escrita.

Não perca o que está bombando nas redes sociais

Permeadas por ironia, questionamentos existenciais e críticas sociais, suas obras o imortalizaram como um dos principais nomes da poesia modernista e permanecem relevantes até hoje. A seguir, separamos 4 de suas composições que soam mais atuais que nunca.

Lira Itabirana

I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.

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II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!

III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.

IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

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Como mineiro, Drummond conheceu de perto o impacto da extração de minérios em seu estado. Publicada em 1984 no jornal O Cometa Itabirano, a Lira nunca chegou a integrar suas antologias, mas se popularizou nas redes sociais após o desastre de Mariana em 2015. Indignado com a transformação que sua cidade natal passava por causa das indústrias mineradoras, o poeta não esconde seu desgosto com a amarga Vale e dá certo ar de prenúncio às recentes tragédias.

Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.

Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Escrito no período da 2ª Guerra, o poema retrata o impacto mundial do conflito, propagado na forma de um medo paralisante. Décadas depois, enquanto presenciamos o crescimento de conflitos conflitos em menor escala, mas espalhados em todos os cantos do planeta, o medo parece estar, gradualmente, fazendo seu retorno.

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A noite dissolve os homens

A noite desceu. Que noite!
Já não enxergo meus irmãos.
E nem tão pouco os rumores
que outrora me perturbavam.
A noite desceu. Nas casas,
nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos,
a noite espalhou o medo
e a total incompreensão.
A noite caiu. Tremenda,
sem esperança… Os suspiros
acusam a presença negra
que paralisa os guerreiros.
E o amor não abre caminho
na noite. A noite é mortal,
completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens,
diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias,
apagou os almirantes
cintilantes! nas suas fardas.
A noite anoiteceu tudo…
O mundo não tem remédio…
Os suicidas tinham razão.

Aurora,
entretanto eu te diviso, ainda tímida,
inexperiente das luzes que vais acender
e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.
O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram
mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez,
uma inocência, um perdão simples e macio…
Havemos de amanhecer. O mundo
se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora.

Dedicado ao pintor Portinari, que sempre lutou contra o totalitarismo do Estado Novo, esse poema se divide entre a noite de trevas espessas, as quais sequer o amor seria capaz de dissipar, e a aguardada aurora, quando finalmente a opressão será deixada para trás. Mais uma vez, havemos de amanhecer!

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Poema da necessidade

É preciso casar João,
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades
é preciso substituir nós todos.

É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.

É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.

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É preciso viver com os homens
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar O FIM DO MUNDO.

Ao listar tantas obrigações, Drummond tece uma crítica às expectativas sociais que a vida moderna impõe diariamente sobre as pessoas, buscando moldá-las a um modo ideal e padronizado de viver, no qual os verdadeiros sentimentos e desejos devem ser ignorados.

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