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Mulheres ganham reconhecimento no mercado de bebidas

Mulheres experts em bebidas ganham seu espaço e ajudam a combater o machismo nos bares.

Por Daniel Salles
Atualizado em 17 jan 2020, 16h13 - Publicado em 14 set 2017, 13h37
 (Guto Seixas/Estilo)
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Não dá para chamar de coincidência. Cinco anos atrás, a paulistana Beatriz Ruiz, então professora de inglês, decidiu estudar o universo das cervejas artesanais, com as quais se encantara havia pouco. Graduou-se sommelière pelo Instituto da Cerveja Brasil, em São Paulo, e em seguida diplomou-se mestre. Na mesma época, passou a se dizer feminista. “Esse universo ainda é muito machista. Tomei como missão ajudar a torná-lo mais favorável às mulheres”, afirma. Aos 30 anos, Beatriz é gerente de conhecimento cervejeiro da produtora e distribuidora de bebidas Ambev e responsável pelo treinamento dos mais de 30 mil funcionários da companhia no Brasil. Especializada em marcas do grupo tidas como especiais, como a Colorado e a Wäls (da qual é uma das embaixadoras), e de fato empenhada em mostrar que lugar de mulher pode, sim, ser no bar, ela criou, em abril, uma confraria feminina para discutir a igualdade de gêneros no mundo cervejeiro. Batizada de Goose Island Sisterhood, conta com quase dez integrantes – entre elas, a arquiteta paulista Stephanie Ribeiro, 24 anos, um conhecido nome dos movimentos feminista e negro. “Desmitificar a ideia de que só o homem pode entender de cerveja é um passo para menos machismo no mundo”, acredita Stephanie.

Da confraria também sai cerveja, claro, e a meta é criar quatro chopes sazonais por ano, todos em homenagem a mulheres de destaque e com o lucro da venda revertido para instituições sociais que batalham pela classe. Já lançado, o primeiro chope, o Carolina, nome que foi uma sugestão de Stephanie, homenageia a escritora mineira Carolina Maria de Jesus (1914-1977), tida como uma das primeiras negras do país a se aventurar nas letras. O Carolina é um chope no estilo sour, caracterizado pela maior acidez, e tem um leve sabor de goiabada, ingrediente adicionado em homenagem ao estado natal da escritora. “Tive medo de deixar o sabor doce e dar margem para alguém falar que era bebida de mocinha. Ainda vou provar que o paladar masculino é igual ao feminino”, diz Beatriz, que criou a receita junto à mestre-cervejeira Marina Pascholati, mais um nome da confraria (as bebidas, aliás, são encontradas somente no Goose Island Brewhouse, bar na capital paulista que é sede dos encontros das meninas). Com o lançamento previsto para as próximas semanas, o segundo chope, Enedina, presta tributo à paranaense Enedina Marques (1913-1981), primeira negra a se graduar em engenharia civil pela Universidade Federal do Paraná. O estilo escolhido foi o potente double brown ale e ele conta com um leve toque de pinhão.

À turma de Beatriz, juntam-se mais mulheres experts em bebidas, que provam que alguma coisa nesse universo, em que até há pouco tempo só os papéis secundários pareciam sobrar a elas, está mudando. Também paulistana, a especialista em cachaça Isadora Fornari, 31 anos, aprendeu sobre o destilado por conta própria depois de largar a carreira de publicitária. Frequentadora assídua da extinta unidade do bar Empório Sagarana, na Vila Romana, em São Paulo, famoso pelas cachaças, acabou contratada como sommelière. Quando percebeu, dominava o assunto. As cartas do restaurante Galeto Sat’s e do boteco Aprazível, no Rio de Janeiro, levam a assinatura dela, entre outras casas. Isadora foi ainda embaixadora da cachaça Leblon e consultora da série Bendita Marvada, sobre a história da bebida, exibida pelo canal Mais Globosat.

Nada que garantisse, porém, que ela não sofresse com atitudes machistas. Em 2016, participava de um debate com um importante especialista em fermentação, cujo nome prefere omitir, como única mulher. A todas as perguntas feitas por ela, ele respondeu com silêncio. “Fiquei ofendidíssima”, lembra. Algo parecido aconteceu no início da carreira de outra paulista, a bartender Jéssica Sanchez, 28 anos, uma das mais festejadas do país. Em seus primeiros trabalhos em bares e casas noturnas, só a deixavam lavar a louça. “O jeito era lavar bem rápido para ter tempo de criar meus próprios drinques”, diz. Hoje, ela comanda os coquetéis do bar Must e dos restaurantes Nakka, em São Paulo, e do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, além de outros 14 endereços cariocas.

No badalado Oro, no Rio, a premiada sommelière do local, Cecilia Aldaz, 35 anos, diz que enfrenta o assédio masculino ignorando – e trabalhando. Nascida na Argentina, ela observa que as sommelières no Brasil são poucas porque os salários costumam ser menores que os dos profissionais masculinos. Mas pondera: “Felizmente essa diferença vem diminuindo, assim como tem perdido espaço a ideia de que a mulher só gosta de vinhos rosê e branco”. Fora dos bares e em uma escala maior de alcance, outro sopro de novidade vale o registro. Em março, a cúpula da Skol, a marca de cerveja mais vendida por aqui, deu um basta nas campanhas publicitárias do tipo mulher-seminua-com-cerveja-na-mão. No lugar delas, chegaram peças ilustradas com modelos vestidas nas quais se leem frases como “meu corpo, minhas regras” e “lugar de mulher é onde ela quiser”. Merece um brinde.

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