Expedicionária do sabor: chef viaja para redescobrir receitas brasileiras
A chef Ana Luiza Trajano já se embrenhou pela Amazônia e viaja por todo o país para garimpar receitas. Suas incursões acabam de virar livro.
Ana Luiza em ação: cada viagem rende novidades no cardápio de seu restaurante
Foto: Divulgação
Foram 28 viagens nos últimos dez anos. Para a chef Ana Luiza Trajano, a melhor maneira de aprender sobre uma comida é visitar o lugar de onde ela veio – seja uma cozinha ou uma fogueira. Na opinião dela, não há nada mais instrutivo do que a observação direta acompanhada de uma conversa à beira do fogão. E ninguém melhor do que uma cozinheira tarimbada para contar os segredos de um prato ou um pescador para recitar as características dos peixes. É por isso que Ana Luiza às vezes pendura o avental e deixa os dois filhos em casa para passar alguns dias em rincões do país, provando seus cheiros e sabores mais típicos. Muito do que aprende nessas imersões culinárias acaba incorporando ao menu do Brasil a Gosto, seu premiado restaurante em São Paulo. Agora, algumas das receitas garimpadas em suas viagens e uma porção de histórias também recheiam Cardápios do Brasil (Editora Senac), o segundo livro da chef, lançado neste mês.
Sua mais recente aventura gastronômica foi em uma aldeia yawanawá, no Acre, e faz parte da seleção. A convite do arquiteto e designer Marcelo Rosenbaum, Ana Luiza passou 21 dias dormindo em rede, tomando banho em um rio enlameado e sem banheiro de alvenaria para aprender sobre a cultura e os sabores dos índios. Foi também um InspIração Gente mergulho em suas raízes. “A avó da minha avó por parte de pai era índia, e há tempos eu sonhava em conhecer uma tribo para saber como vivem e se alimentam”, conta. Uma vez lá, a chef se postou ao lado de índias cozinheiras que mantêm vivas as tradições culinárias de seus antepassados – algo que, como constatou, tende a se tornar cada vez mais raro. “Fiquei surpresa ao ver que há famílias passando fome porque perderam o hábito de cultivar a terra para comer alimentos industrializados”, diz.
Entre os yawanawás, homens e mulheres colaboram com as refeições. Eles são os responsáveis pela caça e pelo tratamento da carne recém-abatida. “Vi o pajé tirar as vísceras de uma paca enquanto os caçadores preparavam uma grelha para que fosse defumada, ou moqueada, como se diz por lá”, lembra. Depois, as mulheres fizeram a paca à pururuca e serviram com bolinhos de banana a fruta é a base da alimentação local. A passagem pelo Acre incluiu, ainda, uma experiência mística: em um ritual religioso, Ana Luiza tomou ayahuasca, bebida alucinógena produzida com plantas amazônicas. “Na volta, fiquei um mês sem sair de casa nem falar muito, assimilando toda aquela intensa vivência.” A chef afirma ter incorporado mais do que novos sabores ao seu repertório. “Estava em crise e, após a viagem, fiquei ainda mais segura das minhas escolhas.”