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Fugas e Residências, por Nara Vidal

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Nara Vidal é autora dos romances “Eva” e “Sorte”, e do livro de contos “Mapas para Desaparecer”. Nascida em Guarani (MG), ela é formada em letras pela UFRJ com mestrado em artes e herança cultural pela London Met University. Direto de Londres, escreve para CLAUDIA sobre as múltiplas experiências da vivência feminina.
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Por que falamos tão pouco sobre a menopausa?

Avanços científicos já mostraram que há muita vida depois da menopausa, mas a sociedade ainda trata o período com tabu – cheio de piadinhas nada engraçadas

Por Nara Vidal
8 dez 2022, 08h43
Por que falamos tão pouco sobre menopausa?
Por que falamos tão pouco sobre menopausa? (Foto: Nataliya Vaitkevich/Pexels)
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Em outubro eu fiz 48 anos e gostaria muito de continuar a envelhecer.

Sempre ouvi que não se pergunta a idade de uma mulher. Mas por quê? De onde vem essa frase despropositada? Vem de uma construção cultural que massacra as mulheres e vem do que foi aceito, socialmente, como conceito e modelo de beleza. Beleza essa sempre atrelada à juventude, ao frescor da idade e à abundância do colágeno

Não faz tanto tempo, vi uma série na Netflix em que uma mulher de cinquenta anos, passando pelos indícios da menopausa – calor intenso, certa confusão mental, redução na lubrificação, menstruação irregular e outros mais – era caracterizada como uma personagem cômica quando apresentava, exatamente, esses sintomas. Como se a menopausa fosse um momento impagável, de uma mulher que está virando uma velhota e isso é tão, mas tão divertido.

A série, fui confirmar, tinha sido escrita por homens. Mas, antes de colocar a culpa somente na falta de noção, façamos aqui uma ressalva: quem de nós, na menopausa ou na pré-menopausa, fala abertamente sobre os problemas, dúvidas e desafios dessa fase? Por que, eu me pergunto, o tema ainda constrange, enrubesce ou envergonha mulheres a ponto de ignorarem a questão? Você também ouve esse silêncio?

Graças as que têm coragem de escrever ou abordar o tema, eu tenho informações sobre o que se passa comigo, já que os médicos, aqui na Inglaterra, tiveram pouquíssimo treinamento para lidar com a menopausa, ainda que seja a natureza traçando seu curso. Conversando com a minha médica, que vem se especializando cada vez mais no assunto, ela me revela algo alarmante: quando fazia Medicina, a questão da menopausa era falada em, no máximo, duas aulas. Simplesmente não era assunto que merecesse mais aprofundamento ou pesquisa. Eu e ela debatemos sobre as razões e chegamos a algumas conclusões que não são só nossas.

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O fato é que a inferiorização histórica da mulher significou um completo desinteresse e uma sólida desvalorização no que diz respeito à nossa saúde e ao nosso bem-estar. Não faz tanto tempo, a menopausa era associada ao começo do fim. Ou seja, com o fim da fertilidade, já não prestávamos para o desejo e estávamos condenadas a nos vestir de santas ou de avós e sermos gratas pela vida sexual passada, já que a futura era um sol poente. O que acontece hoje, porém, é quase o oposto dessa sentença. Há vida, muita vida, durante e depois da menopausa. Muita!

Para começo de conversa, somos mais autônomas, não só em relação ao nosso dinheiro, mas ao cuidado com nossa saúde mental e emocional. A independência financeira também desemboca na liberdade que temos com o próprio corpo, o controle que temos sobre ele, como e quem amamos. Nós nos separamos, nos casamos, namoramos, experimentamos, ficamos sozinhas se quisermos. Temos mais informações sobre qual qualidade de vida queremos ter, porque matérias são escritas a partir de mulheres que expõem assuntos ainda tabus como esse. Informações são partilhadas. Medos e alívios são divulgados. Pesquisas são financiadas para que se entenda mais sobre os nossos corpos dentro de um mundo que mudou porque nós mudamos esse mundo.

Sim, nós mudamos este mundo aqui. Contudo, você, leitora, é das que tem o privilégio de acessar informações. Você, como eu, possivelmente nunca precisou lidar com pobreza menstrual, por exemplo. Há, porém, um número significativo de mulheres que não tem dinheiro comprar absorventes e a essas mulheres a educação sobre seus corpos e sua saúde praticamente não chega. Assim como informações sobre anticoncepcionais, DSTs, gravidez e saúde mental começam a ser mais ampla, política e gratuitamente viabilizadas no Brasil, informações sobre a menopausa devem ser um direito da mulher que vive cada vez mais, mas que tem o direito de viver bem e fazer escolhas próprias.

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Há uns dois meses, meu cabelo caía. Na hora de torcer os fios depois de lavá-los, um monte de cabelos na minha mão. Quanto mais enfraquecidos, mais eu me estressava, o que, possivelmente, não ajudava em nada o restabelecimento da situação. Além dos cabelos fracos, meu humor oscilava de tal maneira que uma vez cheguei a achar que fosse capaz atacar alguém. Coincidência ou não, quando meu celular foi furtado em Londres, e eu identifiquei o criminoso, saí atrás dele como um demônio, cravei minhas unhas no seu ombro e gritei que me entregasse o meu celular de volta. Assustado, o homem não teve escolha.

Também comprei um leque. Sem cerimônias, comecei a abri-lo e me abanar quando a onda chegava. Dez segundos e ia embora, mas eram dez segundos de um inferno. Meus hormônios estavam uma bagunça e eu sabia, porque eu posso me informar. Eu sabia também que essa desordem não é doença nem chacota: é sinal de que o corpo está mudando porque estou viva. Notei que quando eu dizia em casa que estava entrando na menopausa, meus filhos davam risadinhas. Tratei de explicar que não há graça nisso; há a sorte de ir vivendo. Que a mamãe é uma mulher. Uma mulher que tem o privilégio de envelhecer.

Afinal, o sangue do mês quando pingar pela última vez, não vai me trazer saudades. Já vai tarde. O humor esquisito ainda não voltou. O calor está em pausa. Os cabelos já estão bem. Entre suplementos, vitaminas e tratamentos, escolhi o que é melhor para mim e organizei a bagunça. Enquanto fazia essa escolha, me vi surpresa e assustada com a desinformação sobre o que está disponível na medicina e que pode nos ajudar. Refleti sobre as escolhas que uma mulher pobre não tem, inserida num ambiente cuja prioridade é não adoecer de fome. Que, enquanto a expectativa de vida aumenta tanto para a mulher que sabe o que se passa com o próprio corpo e a que não sabe, são a educação, a saúde e os meios de acessá-las que cortam ainda mais profundamente e de forma muito visível, a desigualdade social. 

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No que diz respeito a mim, eu não vou citar qualquer tratamento porque preciso ser responsável, já que a escolha deve ser individual, bem-informada e com a ajuda de um profissional médico. Mas digo que o que era oferecido às nossas mães, já não é o que nos é oferecido. Já dá para aceitar que mitos, primos do tabu e amigos do preconceito, já foram revistos. Então, que as nossas escolhas sejam pautadas em informações profissionais e atualizadas, e que a conversa se espalhe e chegue a cada uma de nós, a todas nós. Que tal abraçarmos abertamente esses temas? Porque, sem isso, é bem provável que você achasse que estivesse enlouquecendo. Quando, na verdade, você está só renascendo. 

Quantos anos você tem? Também pretende envelhecer?

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