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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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O racismo precisa doer no bolso

Estamos em um cenário de possibilidades importantes para que as empresas percebam que a luta antidiscriminatória é uma urgência e uma pauta inegociável

Por Da Redação
4 jul 2020, 20h40

Em 17 de junho, a empresa Unilever decidiu retirar todos seus anúncios e publicidade da plataforma Facebook. Em seguida, a Coca-Cola decidiu pela mesma posição. As empresas informaram que suas decisões se pautam na negativa sistemática da plataforma de Mark Zuckerberg em tomar medidas contra a disseminação de informações falsas, conspirações e discursos de ódio em suas redes. Mas não parou por aí.

Na última semana, o apoio à campanha liderada pelas organizações Free Press e Common Sense Media – com apoio forte da NAACP e da ADL, principais organizações negra e judaica americanas, respectivamente – cresceu de forma exponencial. Juntaram-se as gigantes Honda e Starbucks, sendo essa última a 6a maior anunciante do Facebook, além de mais de 160 empresas americanas.

Os efeitos já são sentidos… no bolso. Para terem uma ideia, a receita de publicidade do Facebook chega a 69,7 bilhões de dólares por ano, ficando atrás apenas da Google. As ações do Facebook na bolsa despencaram, fazendo com que Mark Zuckerberg decidisse responder a isso. Sob o argumento de já pensar ações há cerca de 3 semanas, o bilionário das redes anunciou uma nova política da plataforma que, segundo ele, proibirá mensagens de ódio e discriminatórias. Além disso, a nova política também fará a identificação de conteúdos jornalísticos e de importância para o público da plataforma.

A ação não aconteceu do nada. Há anos que se discute o espaço tóxico das redes sociais de Zuckerberg e sua resistência em aderir a um compromisso no combate aos discursos de ódio. Tudo sob uma pretensa defesa da liberdade de expressão. Um argumento difícil de engolir. Como compreender um espaço que acredita que quem incita a violência, a supremacia, o extermínio e o ódio a grupos historicamente subalternizados está apenas exercendo liberdade de se expressar? Essas expressões impactam diretamente na vida de milhões de pessoas cotidianamente. Uma preocupação é importante de se ter: sob uma pretensa “nova política” antidiscriminatória, o Facebook pode responder jogando todos no mesmo balaio e reforçando a discriminação a discursos de resistência e afirmação de identidades e de reconhecimento de humanidades e lutas. Quantas de nós não conhece alguém que já teve conteúdo bloqueado pelo uso de algumas palavras, quando a essência do texto em nada tinha como incentivador ao ódio, mas uma resposta – ou até conosco mesmo? A gente precisa ter cuidado para que a “nova política” não seja traduzida como política “Morgan Freeman”, aquela que acredita que basta parar de falar de determinados problemas que eles somem. Ou uma nova política que iguala opressores a oprimidos, agressores a vítimas. É preciso acompanhar de perto.

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A ideia dos organizadores da campanha é de torná-la global. Eu acho o máximo. Nessa semana, tivemos um caso interessante no Brasil, em que a esposa de um importante empresário do ramo de cosmética para cabelos declarou que o silêncio da empresa em relação ao racismo acontecia pelas possíveis perdas financeiras que poderiam decorrer do posicionamento. A ironia da situação é o fato de que o principal público consumidor da marca é de mulheres negras. Pois bem. A campanha norte-americana tem a nos ensinar que, em verdade, é o silêncio sobre o racismo que faz doer no bolso. Além da contradição de que um dos maiores empresários do ramo de produtos capilares, com público majoritariamente feminino e negro, seja um homem branco, precisamos enfrentar a contradição do fato de ele imaginar que silenciar diante do racismo, ao qual a maioria do seu público vivencia e enfrenta cotidianamente, seja algo lucrativo ou de preservação do seu lucro. Precisamos inverter essa lógica.

Dados do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) apresentam que quase metade dos negros, 47%, tem a chance de ter uma renda maior que a de seus pais. Ou seja, o poder de consumo de negros brasileiros está crescendo. Segundo o Instituto Locomativa, negros movimentaram 1,7 trilhão de reis na economia brasileira em 2017. Essa pesquisa, que envolve parceria, ainda, com a Feira Preta e o Instituto Unibanco, apresentou que quase metade dos entrevistados afirmaram estar dispostos a pagar adicional, caso produtos valorizem a temática negra. A maioria imensa, 98% dos entrevistados afirmaram preferir produtos e serviços que incorporem a temática negra; e 95% afirmou que boicotaria empresas com campanhas publicitárias preconceituosas.

Mas acredito que o momento é propício para irmos além. Mais do que ter nossos rostos nas embalagens e nos comerciais, queremos saber quem são os executivos a frente dessas empresas, quem são os conselheiros com poder de decisão nos conselhos empresariais, quem tem lucrado cada vez mais com uma temática que se demonstra importante no momento da decisão de consumo para a maioria dos negros brasileiros. E, mais do que isso, é importante sabermos se as empresas estão, de fato, comprometidas com processos antidiscriminatórios ou se estão apenas surfando na onda para manter lucro aos de sempre. Não podemos nos contentar em ser consumidores de empresas que manterão estruturas de desigualdades, que manterão os lucros nas mãos dos de sempre. Estamos em um cenário de possibilidades importantes para que as empresas percebam que a luta antidiscriminatória é uma urgência e uma pauta inegociável. O racismo precisa doer no bolso.

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