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Por Atualidades
Coluna da jornalista e psicóloga Patrícia Zaidan: atualidades, feminismo, direitos humanos
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Aids: Lourdes,infectada pelo marido, está abandonada pelo governo

Ela e os outros 830 mil brasileiros com HIV não têm encontrado, no serviço público, os remédios que necessitam para viver

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 12 ago 2017, 12h18 - Publicado em 11 ago 2017, 22h05

Esta é Lourdes Cotienschi. Tem 54 anos, mora em Cascavel (PR) e convive com o vírus HIV há 14 anos. Ouvi hoje a sua confissão: “Tão duro quanto descobrir que havia sido infectado pelo marido, que amava, foi perceber que o Estado brasileiro me abandonou.” De nada adiantaria ter na bolsa 2 mil reais todos os meses para custear seus medicamentos. O que a mantém com disposição, tocando a vida, os dois filhos, o trabalho e longe das doenças oportunistas que assombram os pacientes com Aids não é vendido em farmácias, na internet em lugar algum. Por lei, a responsabilidade da oferta dos remédios que ela precisa é do governo federal.

Lourdes tem que comparecer ao Centro Especializado de Doenças Infecto Parasitárias (Cedip), na sua cidade, para retirar o biovir (uma combinação de lamivudina e zidovudina) e o ritonavir, antirretroviral que impede a multiplicação e o desenvolvimento do agente causador da imunodeficiência adquirida. Há seis meses essa rotina descambou. Hoje, quando ela chega ao Cedip, encontra a enfermeira, que controla a distribuição, profundamente desapontada. “Eu olho para ela e entendo: voltarei para casa de mãos vazias ou com uma dose insuficiente”, afirma. Mais doloroso ainda é ver mães de bebês, que dependem da solução oral de AZT, sair chorando. “É de machucar o coração. Mas não adianta chacoalhar a enfermeira, ela não pode fazer nada”, me disse Lourdes ao telefone.

Vamos deixar morrer ainda mais que 15 mil?

O Brasil, que já foi considerado referência mundial no enfrentamento da epidemia por HIV, patina há cerca de 3 anos. E patina feio. O Ministério da Saúde mantinha nas prateleiras de todos os centros de assistência os medicamentos para cobrir as necessidades dos 830 mil infectados do país. Era algo universal, gratuito e facilitado. Com regularidade e precisão. Mas eles desapareceram, rarearam ou têm sido entregues em doses fracionadas. Assim: uma porção de comprimidos que daria para um mês de tratamento é dividida entre três pacientes, de maneira que eles levam no frasco drogas suficientes para dez dias. Nos outros 20 ficam relegados aos caprichos da doença que matava 15 mil pessoas por ano até 2015 – e poderá matar muito mais este ano se uma medida drástica não for tomada urgentemente.

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“Todos os dias, às 9 da manhã e às 9 da noite, vou apanhar os remédios. Aí me lembro que não tenho”. O pânico descrito por Lourdes (“Eu me sinto ameaçada, fico insegura só de imaginar que vou perder qualidade de vida, adoecer e padecer) acaba gerando um abalo emocional. E desestabilização psicológica é fermento no problema: derruba o sistema imunológico.

A situação mais grave está no Pará, embora os brasileiros que dependem de Temer para seguir vivendo morem também no Rio de Janeiro, Maranhão, Mato Grosso, Ceará, na Paraíba, em São Paulo e Santa Catarina. Não que esteja tudo OK nos outros cantos, mas os movimentos sociais e de portadores de HIV fazem mais barulhos nessas praças. E têm que gritar mesmo. Na luta contra a Aids já perdemos alguns rounds. A desculpa oficial é a verba curta, a crise financeira do globo, a dificuldade de importação dos remédios… O Ministério da Saúde (que vergonha!) limitou a realização de exames de Contagem de Linfócitos T-CD4, disponíveis só para grávidas e crianças. Faltam kits para fazer testes de Carga Viral (CV). Conta Lourdes, ela fazia esse teste quatro vezes ao ano. “Agora, se tudo estiver bem, tenho direito a apenas um anual.” Mas se chega a vez dela e os kits estão em falta… Não há nada a fazer, a não ser gritar.

Mais um vexame nacional: as campanhas para atingir LGBTs, profissionais do sexo e HsH – os homens que transam com homens – foram censuradas. A Bancada dos evangélicos alterados, dos cristãos por oportunismo, dos que leem a Bíblia errado fizeram o Estado brasileiro desistir desses grupos, e há anos as campanhas educativas e preventivas sumiram.

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Uma forte, sim senhores

Ninguém pode dizer que Lourdes não seja uma forte. Quando soube que o marido estava muito doente, na fase terminal, ela não questionou como ele havia se infectado. “Perguntei apenas: ‘Por que?’ ” Ele, então, fez a clássica transferência de culpa, acusou-a de só cuidar dos filhos, da casa… O marido saía do trabalho à tardinha para brincar em hotel de prostituição. “Não pensei em morrer, ao contrário, quis viver quando fiz exame e soube da minha sorologia”. Mas tinha que cuidar do marido, trocar-lhe as fraldas, correr de um hospital para outro, dar banho, comida na boca, respeito. Esqueceu dela mesma.

Morto o homem, sobrou a viúva amarrotada, os filhos pequenos, a falta de uma profissão para sustentar a casa. Entre a depressão e a urgência de tomar um rumo, se levantou. Da esposa que pediu ao marido para esconder a Aids e poupar a família do preconceito e do julgamento, Lourdes ressurgiu. Revelou seu rosto, virou militante, abraçou a causa no Movimento Aids no Brasil, tornou-se agente de saúde. “A cidade inteira sabe, eu me identifico como pessoa vivendo com HIA-Aids”, declara, com todas as letras. “Faço palestra, corro atrás de pessoas que desistiram de se tratar e trago de volta aos medicamentos”, diz ela, por alguns segundos esquecendo a irresponsabilidade do governo, a negligência dele sobre mais essa necessidade de vida ou morte.

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