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Por que eu estou fazendo isso?

Não dá pra ficar lúcido o tempo todo. Quer dizer, dependendo da minha semana, vi que não consigo ficar lúcida por dez minutos inteiros

Por Liliane Prata Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 mar 2017, 03h08 - Publicado em 3 mar 2017, 20h58

“Por que estou fazendo isso?” foi a pergunta que a terapeuta/guru/coach de um amigo propôs que ele se fizesse antes de cada decisão do seu dia. Achei a proposta interessante, nem sei bem por quê. Fiquei meio na dúvida sobre acumular métodos, porque as reflexões propostas pelo meu próprio terapeuta já me tomam um tempão (como se sabe, esse negócio de buscar ser uma pessoa melhor é legal, mas dá um trabalho danado). Porém, meu amigo estava gostando tanto do exercício, que vinha trazendo mais consciência pra vida dele e tudo mais, que resolvi tentar também.

Os problemas começaram quando saí para almoçar, levando comigo um livro. Comer, ler: bem simples responder por que eu estava fazendo aquilo. Mas, quando peguei meu celular para tirar uma foto do meu prato, fiquei meio assim. Não costumo tirar fotos do que estou comendo, mas puxa vida, aquele prato estava tão perfeito, tão bem montado, não sou de ferro… Uma imagem para o meu Stories do Instagram, por que não? Bom, mas aquela não era uma boa resposta: não dá para responder um “por que estou fazendo isso” com outra pergunta, “por que não?”. Me esforcei um pouco mais e respondi que queria postar porque achava que as pessoas iriam salivar vendo a foto. Meu Deus, que resposta horrível! Por que diabos eu ia desejar que as pessoas salivassem? Vou postar porque esse prato merece ser postado, pronto. Ou: vou postar porque quero que as pessoas saibam que esse prato existe. Não, não: vou postar porque quero que todo mundo tome conhecimento de que estou prestes a comer isso. Ou, quem sabe, vou postar porque minhas mãos estão tremendo com a constatação de que esses pimentões combinam perfeitamente com esse saleiro vermelho do lado do prato.

Era preciso admitir: eu ia fazer aquilo sem ter ideia do porquê. Frustrada, desisti de postar a foto e resolvi comer logo o prato (já meio frio, claro).

Pagar a conta, responder o Whats da minha mãe, responder o e-mail da minha chefe, ligar para o pai da minha filha para ver se estava tudo bem com ela, passar no caixa automático: todas as minhas decisões seguintes foram facilmente respondidas, ufa. As coisas se complicaram novamente tarde da noite, quando recebi um “Tá acordada?” de um ex das antigas. Acompanhando a pergunta, uma carinha com óculos escuros. Ai, ai.

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Sim, eu estava acordada, tanto que vi a porcaria da mensagem e tanto que meus dedos se dirigiram para o teclado para responder com um joinha, uma estrelinha e, por que não, uma tulipa cor-de-rosa – adoro a tulipinha cor-de-rosa do Whats. Meio sonolenta, me lembrei da pergunta. E a resposta, mais uma vez, foi um mistério. Eu estava a fim do meu ex? Não. Eu queria dar corda pra ele e me embolar quando a conversa continuasse? Não. Além disso, o joinha e a tulipa tudo bem, mas por que mandar uma estrelinha?! Eu não fazia ideia. Achei melhor não responder nada, mas fiquei com aquilo na cabeça: como eu, ser racional que (acho que) sou, faço coisas sem saber o motivo? Isso porque sou uma pessoa que pensa tipo o dia inteiro, imagina se não fosse.

No dia seguinte, a coisa degringolou de vez: descobri que eu lia um livro que eu não estava a fim de ler, terminei um pedaço de torta de morango sem vontade, fiquei à toa olhando para o teto quando precisava parar de procrastinar e ir trabalhar e fiquei lendo posts no Facebook automaticamente, sem a menor vontade, porque já tinha lido tudo o que tinha pra ler e, pra piorar, tinha outras coisas pra fazer, de modo que não fazia o menor sentido continuar navegando lá – na verdade, era pior que isso: ficar lá estava me irritando, e, no entanto, eu continuava lá!

Às nove da noite desse fatídico segundo dia, depois de mais perguntas que eu não conseguia responder ou que estava respondendo de modo bem capenga, sentindo-me sem controle sobre minha vida, com a autoestima abalada e sem fé no futuro, liguei pro meu amigo, perguntando como ele estava se saindo no exercício. E ele:

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– Que exercício?
– Como, que exercício? O do “por que estou fazendo isso”.
– Aaaah… Aquele já acabou, minha terapeuta me passou outro agora.
– Mas rolou? Você fez por quanto tempo? Tô muito tensa, não consigo responder a pergunta sempre. Como ela viu que você tava pronto pra passar pra outro exercício?
– Ah, rolou, sei lá, ela falou que já tava bom, tô aqui pegando o João na escola, foi mal, depois te ligo!
– Espera, mas e eu? Já rolou pra mim?Como eu vou saber?
– Putz, Lili, uma hora você vai ter que parar, né! Fica tranquila! Oi, filho! Papai chegou! Tem que relaxar, fazer besteira… Não, filho, você não, a tia Lili! Tia Lili, quer dizer, Lili, você tem que pensar uma coisa e fazer outra, tem que procrastinar, enfim, tem que viver, a gente não é uma máquina nem uma planilha de Excel, né! Sem contar que, se você fizer tudo certo, na boa, você vai ficar sozinha, por que quem vai aguentar ser seu amigo? Eu, com certeza, não! Hahaha! Depois a gente se fala!

Ele tinha razão. Não dá pra ficar lúcido o tempo todo. Dependendo da minha semana, vi que não consigo ficar lúcida nem por dez minutos inteiros. Mas isso é normal, certo? Hmm, pensando bem, também é normal postar foto de comida. E se meu amigo estivesse errado? E se eu estivesse sendo silenciosamente atacada por livros chatos, tortas de morango comidas sem vontade e procrastinações que seriam evitáveis se eu me esforçasse um pouco mais? Estaria eu me conformando em perder as rédeas da minha vida?

Como a questão ficou me incomodando, achei melhor levá-la para o meu terapeuta. Saí da consulta sem as respostas, mas ele me passou o que talvez seja o aprendizado mais importante dessa história toda: não pegar emprestado o exercício do terapeuta alheio. Ah, e ele me perguntou, claro: por que você fez isso?

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Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve semanalmente aqui no site. Para falar com ela, mande um e-mail para liliane.prata@abril.com.br

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