Globeleza grisalha
Pelancas, cicatrizes, banha, sim, com a liberdade de poder desfilar seu equipamento no sambódromo da vida
Na tela da TV no meio desse povo…. Quase não vejo cabrochas grisalhas. Espanta ainda no Carnaval a coisificação do corpo feminino. Andamos léguas, mas o desfile de carnes, tipo açougue, ainda impressiona. E vejo mulheres assumindo seu papel de isca para o prazer alheio. Já sei que vão me xingar de xiita, de polemizar algo cultural, de jogar gasolina no que já está estabelecido.
Então mudo a rota – ainda na passarela – e migro para as balzacas. Por que as mais velhas só merecem fantasias de baianas? Ia adorar um desfile de mulheres 50+, não necessariamente deusas. Pelancas, cicatrizes, banha, sim, com a liberdade de poder desfilar seu equipamento no sambódromo da vida. De fio dental, de salto plataforma, de pluma na cabeça. Acho chato esse mundo do carnaval que ainda faz com que madrinhas, rainhas, destaques, musas, divas, princesas precisem ter a coxa roliça, o peito em pé, a bunda dura.
É a fantasia que cobre menos, que revela mais, que desnuda e faz o corpo feminino parecer mercadoria – essa sim ganha nota 10, dez! Mas euzinha, nas minhas caraminholanças sobre a maturidade, penso num desfile meio Gaultier com Vivienne Westwood, uma passarela icônica só de adultas sessentonas à centenárias. Um abre-alas maravilhoso de ode ao conjunto da obra. Um grito de liberdade de existir, prestando homenagem ao caminho percorrido.
Mas devo estar delirando. Deve ser esse Carnaval fora de época que, mesmo na quaresma, impõe seus ziriguiduns logo após a crucificação e o ressuscitar de Cristo. É um momento que une blasfêmia e esbórnia em um palco louco, a cara do mundo atual. É guerra e bomba de um lado e purpurina e glitter de outro. E assim caminha a humanidade. No nosso Brasil, sambando na cara da sociedade. E o pior: nem tem quarta-feira de cinzas pra tudo se acabar. O calendário é outro e espero que o Deus da folia não fique chateado e jogue sua ira pra cima deste povo, que mesmo exausto, não desiste nunca. É Carnaval!