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Ana Claudia Paixão

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A jornalista Ana Claudia Paixão (@anaclaudia.paixao21) fala de filmes, séries e histórias de Hollywood

O olhar feminino e brasileiro com destaque na indústria de animação

3 brasileiras representaram o país no Festival Internacional de Cinema de Animação de Annecy com projetos originais selecionados entre 30 países

Por Ana Claudia Paixão
Atualizado em 1 jul 2024, 17h00 - Publicado em 28 jun 2024, 16h00
animadoras brasileiras
Visual concept de "Aimó", de Fernanda Alves Salgado (Divulgação/Divulgação)
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Equidade é uma pauta urgente quando olhamos para o mercado profissional e ainda vemos poucas mulheres efetivamente na liderança. Por isso, saber que três jovens brasileiras venceram o Stories x Women 2024, sendo selecionadas em meio a mais de 140 projetos de mais de 30 países, é ainda mais inspirador e importante conhece-las.

O programa, que tem o apoio da Disney (faz parte da iniciativa Disney Future Storytellers, que identifica talentos para a indústria criativa) e da UNESCO, visa justamente aumentar a diversidade no segmentado mercado de animação e encontrou nos trabalhos de Camila Padilha, Fernanda Alves Salgado e Giuliana Danza autenticidade e originalidade, as ajudando a se prepararem para a apresentação no Festival Internacional de Cinema de Animação de Annecy e no Mercado Internacional de Cinema de Animação (MIFA) 2024, ambos em junho, na França.

Recém-chegadas da viagem, ainda cansadas, mas revigoradas com a oportunidade, elas se sentaram para contar sobre a experiência com exclusividade para CLAUDIA. E quem saiu inspirada e louca para ver os filmes delas fui eu! Aposto que terão o mesmo sentimento…

CLAUDIA: Queria começar o nosso papo dando os parabéns para todas, porque em um cenário tão árido para as mulheres como o da animação, vocês representaram não apenas as mulheres, mas o Brasil com dois projetos selecionados. A primeira pergunta, obviamente, é contar como a animação entrou na vida de vocês e se tem alguma personagem ou animação que marcou mais sua infância.

CAMILA: Realmente, é uma paixão. Não sou animadora – sei animar – mas sou storyboarder e, basicamente, me alimento de desenho animado desde que eu sou criança. Sei que em algum momento as pessoas param de gostar e passam a achar que é coisa de criança, mas pra mim nunca aconteceu. A animação é um mundo de possibilidades.

Na animação, dane-se a física e a matemática. Quer dizer, não tanto a matemática, mas dane-se a física. [risos] O que importa é ficar legal e eu acho muito maneira a arte. E os desenhos da Disney sempre foram uma grande, grande inspiração pra mim. A favorita para mim sempre foi Mulan. Tenho um grupo de amigos que assiste todo ano. É o filme que amo de paixão, que é a minha inspiração de vida e tudo.

Outro que me inspirou a ser diretora é o O Estranho Mundo de Jack (Nightmare Before Christmas), que é produzido pelo Tim Burton e dirigido pelo Henry Selick, que agora tem um autógrafo! [risos]

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JAÉ NATAL
“Jaé Natal”, de Camila Padilha (Divulgação/Divulgação)

 FERNANDA: Eu também não sou animadora, sou roteirista, diretora, produtora, e sócia de um estúdio criativo aqui em Belo Horizonte chamado Apiário, e a gente sempre se viu muito atraído pela animação. Já fizemos muitos documentários, ficções live-action, mas acabamos sempre voltando pra animação. E eu acho que pra mim, em particular, tem uma poesia, uma mágica na animação que é o que faz dela tão potente e tão valiosa.

Tem esse aspecto que a Camila estava comentando, de você conseguir burlar as leis do mundo e criar um universo completamente novo. Tem essa mágica nesse lugar, mas tem também uma mágica num outro lugar que cria imagens que não precisam ser necessariamente reais. Dá espaço pra fantasia, pra imaginação, pra uma sutileza que, às vezes, o live-action não tem. A poesia da animação está justamente nessas possibilidades, nessas brechas que abrem em termos de narrativa, de estética, de significados. E o que mais me inspira já há algum tempo é o filme Waking Life, que é uma rotoscopia cheia de poesia mesmo.

GIULIANA: O meu caminho é um pouco mais tortuoso, porque eu entrei um pouco mais velha, já beirando os 30. E, na verdade, tive vários sinais ao longo da vida que era pra terminar na animação e eu não me ouvi. [risos] Acabei escolhendo fazer terapia ocupacional antes e era muito legal, porque o que me atraiu na profissão foi justamente a questão de utilizar a arte pra lidar com as pessoas, com as doenças, etc.

A primeira vez que eu fui no cinema, eu devia ter um pouco menos de 10 anos, ainda existiam cinemas de rua, e aqui em Belo Horizonte tinha um próximo a uma praça onde faziam matinês para as crianças no domingo. Meu pai nos levou e estava passando Tom e Jerry. A trilha era tocada ao vivo por um pianista e foi fantástico. Essa memória é muito vívida na minha cabeça, as crianças correndo, um estardalhaço no cinema, aquela zona, e eu sentada, assimilando tudo aquilo. Fiquei emocionada, chorei.

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Crescendo, eu tinha uma família maravilhosa, com mulheres incríveis, que faziam artesanato e arte, e minha mãe me trouxe um livro da Raquel Coelho sobre cinema de animação para criança. Depois fui tendo contato com oficinas aqui em BH através de vários festivais, oficinas gratuitas incríveis, mas aquele medo de alçar voo na área de arte acabou me levando para a terapia ocupacional.

Depois que me formei é que falei “gente, eu preciso fazer Belas Artes” e lá havia um curso de animação, que era uma habilitação criada em parceria com a National Film Board e eu descobri o cinema de animação.  Assim que me formei, fui abandonando a terapia ocupacional e comecei a fazer oficinas. Era um período (em 2010) onde o mercado estava decidindo se ia assumir as animações autorais ou virar escravos de grandes produções de fora. Ainda bem também o pessoal decidiu começar a produzir! [risos].

CLAUDIA: Nós rimos, porque resumi que vocês trabalham em animação e o mercado é bem mais amplo, né? Como as pessoas entendem quando vocês falam que trabalham com “animação”?

CAMILA: Quando você fala “animação”, a primeira coisa que vem na cabeça delas é que você trabalha em festa infantil. [risos] Sério! É a primeira coisa que vem na cabeça das pessoas! E, na verdade, todo mundo que trabalha com animação também é um cineasta. Eu falo que sou diretora, editora, mas também posso fazer background, porque acaba que a pessoa que desenha, porque nem todo mundo que trabalha com animação necessariamente desenha, pode fazer tudo. Eu entrei fazendo setup, passei por várias, várias, várias etapas até chegar onde eu realmente queria, que era o storyboard, que é onde eu fico confortável. Mas como um amigo definiu, quem trabalha com animação é “designer de personagem”, mão necessariamente “artista”. Tem prazo pra cumprir! [risos] Você é designer de personagem, designer de cenário.

CLAUDIA: Mas no universo da animação, até mais do que o resto da indústria, ainda falta da representatividade da mulher. Com isso há organizações e estúdios, como a própria Disney, trabalhando para reduzir essa realidade. Como é esse desafio para vocês?

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CAMILA: Sempre teve mulher, só que talvez agora as nossas histórias estejam sendo colocadas um pouco mais. A Disney, por exemplo, sempre fez personagens femininos, né? O problema é aquele famoso teste que analisa o filme e vê quantas falas a personagem tem, o que ela faz, se o que ela tá falando é sobre ela ou sobre o que ela precisa fazer, ou se é sobre homens, se todos os personagens que rodeiam ela são homens.

FERNANDA: Teste de Bechdel.

CAMILA: Isso! Ele mede que, mesmo com vários filmes com mulheres protagonistas, ela não tem tantas falas quanto homens do filme, tem muitos outros personagens masculinos que estão rodeando essa personagem e fazendo com que ela tome certas decisões, ou essa personagem feminina, que tem uma amiga mulher, está o tempo todo falando sobre um homem, tá ligado? Por isso hoje os roteiristas já estão tendo um pouco mais de cuidado na hora de criar.  E na animação já tem vários exemplos aí, muito legais. O que mais me inspira é a Rebecca Sugar, diretora do Steven Universo, e nos anos 1950 quem fazia todos os concept arts da Disney, incluindo Alice No País de Maravilhas, Cinderela, e A Bela Adormecida, era Mary Blair, que criou super uma tendência de pinturas e tudo mais. Mas, de fato, agora é que a questão de liderança está começando a realmente vir em outras histórias…

FERNANDA: Eu complementaria pensando na pesquisa que a Women in Animation soltou em 2019, que era perceptível nos cursos de animação a divisão metade-metade entre homens e mulheres, mas, dentro da indústria, essa proporção não era equivalente em cargos de liderança criativa. Na indústria efetivamente você tem mais homens nas posições criativas, e as mulheres em posições de produtoras, que muitas vezes no cinema é muito mãe substituta. E acrescento um adendo, mulheres de cor era algo praticamente não existente. Por isso tem sido feito um trabalho para reverter o quadro e a Women in Animation tem a proposta de paridade de gêneros, que ainda está em processo.

Juntar várias representantes femininas da indústria no mesmo lugar para discutir esses pontos é super valioso também para a gente conseguir entender não só as dificuldades, mas também soluções possíveis e como nos movimentarmos para chegar nesses lugares. A Ancine aqui no Brasil também publica informações a respeito dessas disparidades. A gente ainda tem muito trabalho a fazer.

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CLAUDIA: E tem muito também a mensagem que passamos nas histórias, como vocês falaram, as personagens femininas meio que, mesmo liderando, estão conduzidas a priorizar o homem…

CAMILA: Sim, a gente vê mil casos de personagens femininas que desistem dos seus objetivos atrás do amor, né? Como dizem: ‘a mulher aprendeu a amar o homem e o homem aprendeu a amar a si mesmo, a vida e vários outros interesses’.

Me lembra do Toy Story 4, onde os homens são representados pelo boneco Woody e, quando ele larga tudo pra ir atrás do amor dele, muitos amigos meus, homens, criticaram essa escolha. Como assim? Eles diziam “isso não tem nada a ver com o personagem. Ele nunca faria isso”, mas fico pensando, se o Woody fosse uma mulher, e tivesse largado objetivo dela como heroína pra ir atrás do amor, seria aceito como normal.

CLAUDIA: Pois é, são gerações que são criadas dentro deste princípio. É o tal negócio – a Cinderela foi ao baile para usar o vestido, não para encontrar o príncipe! [risos] Mas, voltando à vocês, os projetos foram escolhidos entre mais de 140 em 30 países, e apenas cinco foram selecionados. Dos cinco, dois brasileiros! Como foi a experiência no festival de Annecy?

GIULIANA:  Nossa, eu ainda não sei como estão as meninas, mas foi uma semana intensa e incrível, repleta de muitas novidades. Já tinha ido para o festival duas vezes, mas nunca como realizadora. Foi um processo inacreditável. Eu lembro que quando a Fernanda veio com essa sugestão de a gente fazer a inscrição do projeto eu fiquei, como sempre, descrente.

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Fomos selecionadas, começou o treinamento, tive que fazer o pitch em inglês, o era algo inimaginável, porque não falo muito bem o idioma, fui super nervosa, mas foi muito legal. Sinto agora que a gente vai chegar lá muito mais preparada. Nosso projeto cresceu, amadureceu um pouco mais. Percebemos onde melhorar, porque numa apresentação para pessoas de fora do Brasil, falar de candomblé para criança com personagens muito característicos só para quem é dessa cosmogonia africana, nos faz ter um olhar diferente, né?

FERNANDA: Concordo com a Gi. O Festival de Annecy é o maior festival de animação internacional, então a gente ter sido selecionado para apresentar um projeto dentro do festival, dentro do evento de mercado do festival, já é algo extraordinário – e trazer esse respaldo também do Women Animation, da Disney, da Unesco, é muito valioso para o projeto nesse crescimento, nesse desenvolvimento, até conseguir financiamento, até conseguir produzir, até conseguir distribuir.

É um longo processo, uma jornada grande ainda à frente. Tivemos trocas muito interessantes e a gente se apoiou durante o processo de workshop, durante o pitch, e essa proximidade, essa confluência de ideias e de desejos e de dificuldades, mas também de soluções, reverbera e continua.

CLAUDIA: Me contem sobre o que é os projeto de vocês?

FERNANDA:  Aimó é um longa-metragem que conta a história de uma menina chamada Aimó, que se descobre morta no Orun, no mundo espiritual, e que quer voltar à vida. Ela parte numa jornada através das histórias mitológicas dos orixás, recolhendo objetos mágicos e escapando da morte para decidir se quer de fato voltar à vida ou não.

CAMILA Jaé Natal é sobre Cora, uma menina rebelde que vive numa ilha onde todo dia é carnaval. Essa é a lei da ilha, não tem espaço pra nenhuma outra celebração, é só carnaval, até que um dia, fuçando nas coisas da sua querida falecida mãe, Cora descobre uma festa excêntrica e estranha chamada Natal e decide que quer fazer numa ilha tropical o Natal de Hollywood, cheio de neve e com Papai Noel. Só que ela eventualmente descobre que essa festa pode virar um verdadeiro caos.

CLAUDIA: E os próximos passos?

FERNANDA: A gente tem que passar por uma segunda etapa de desenvolvimento, trabalhar mais no roteiro e buscar financiamento pra produção.

CAMILA: Depois de todo o feedback do festival, a gente precisa realmente passar por essa etapa de desenvolvimento e dinheiro.

CLAUDIA: Espero que consigam! E Qual é a dica que vocês dão para as outras meninas, para as outras pessoas que estão querendo desenvolver, entrar nesse mercado?

CAMILA: Eu diria confia no seu instinto pra caralho, porque é real, assim. Vai no seu instinto, não fica tentando se enquadrar numa caixa do que é animação, do que é contar uma história, ou jornada do herói, etc. Faz do seu jeito, porque a indústria precisa de histórias novas, diferentes e originais.

FERNANDA: A minha sugestão seria para assistir muitas coisas diferentes para ter contato com a maior diversidade possível dessas coisas, pra então encontrar o que é que te inspira de verdade, o que é que te faz querer fazer coisas também.

GIULIANA: Sugeriria, para quem está começando, as mulheres que estão começando, procurar grupos nacionais e internacionais de apoio e suporte. Porque isso faz total diferença.

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