O paraíso particular de Claudia Melli
Em um sobrado cercado de jardim às margens do rio Cabeça, no Jardim Botânico, a artista Claudia Melli se apropria das paisagens bucólicas para povoar suas telas, desenhadas com nanquim.
Há cerca de dez anos, Claudia Melli fincou o péno paraíso. Não um fim de mundo qualquer, mas umacasa antiga com jeito de roça, riacho passando ao lado,sombra de abacateiros e jaqueiras no quintal e povoadapor um silêncio absoluto. Tudo isso sem sair da cidadegrande, mais precisamente no final de uma ruazinha calçadacom paralelepípedos no alto do Jardim Botânico,zona sul carioca. É ali, num canto improvável e esquecidoem meio ao caos do dia a dia, que essa paulista denascença, mas carioca por natureza, trabalha até tardeda noite, sem ajudantes ou assistentes, só com a casualcompanhia do jardineiro, que vem uma vez por semanavarrer as folhas secas. “Tem dias que durmo aqui, poisadoro essa calmaria”, conta ela, referindo-se ao quartomontado com conforto no mezanino, onde recebe amigosde passagem pela cidade. Por sinal, tudo é extremamentecaprichado. Longe da bagunça típica dos ateliês,o clima é de uma casa de verdade. “Investi para valerna reforma, mesmo o imóvel sendo alugado. Convoqueiuma arquiteta amiga, a Andreia Vidigal, para me ajudar.Isso porque sou o tipo de pessoa que precisa de umcanto gostoso e organizado para criar. Acho que a arteque assino traz um pouco desse traço minucioso e detalhistaque faz parte da minha personalidade”, revela ela,que assume ter sete planetas em Virgem. “Não dá parair contra a natureza, né? O melhor é torná-la mais producente”,brinca.
Natureza, talvez, seja a palavra-chaveque define muito do traço que vem norteando sua trajetória.As obras, montadas em lâminas de vidro de 4 mm,representam céu, nuvens, mar, horizontes perdidos, estradasvazias, galhos… Enfim, imagens que exploram,com uma precisão quase oriental, os limites entre o desenhoe a pintura, com enquadramentos que remetemà fotografia. “Vou colecionando na memória flashes delugares por onde passo, cenas cotidianas. Depois tudovira, inconscientemente, referência para o meu trabalho”,explica ela, que enumera alguns dos nomes quea influenciam: o japonês Hiroshi Sugimoto, o alemãoGerhard Richter e o americano Richard Serra. “Cadaum tem algo que me encanta”, afirma. Na verdade, elesfazem parte do quebra-cabeça estético que compõe suaformação, iniciada há cerca de dez anos, quando deixoude lado a carreira de vitrinista de moda e passou a frequentaras aulas da Escola de Artes Visuais do ParqueLage. “Fui aluna de Charles Watson, Malu Fatorelli eexperimentei um pouco de tudo: o desenho clássico, ocarvão e o grafite, a cor, explorei a fotografia… até quedescobri a fluidez do nanquim. O trabalho passou porvárias fases, houve uma evolução natural até chegar aesse ponto”, revela a artista, que hoje tem obras em importantescoleções, como a de Gilberto Chateaubriand(MAM), Banco Santander, José Olympio Pereira, BancoEspírito Santo e Fundação Figueiredo Ferraz. “Foium caminho cheio de desvios, longo e tortuoso, masde certa forma agora estou vivendo uma fase de calmaria”,reflete. Que bons ventos a tragam.