Traço multicultural: os belgas estão bombando no mundo design
Com infuências francesa, alemã e flamenga, a Bélgica se torna fonte de inventivos criadores
Berço de pintores como Pieter Bruegel (1525-1569) e René Magritte (1898-1967), o país também faz bonito no design. “Não sei se podemos falar num espírito exclusivamente belga”, diz Maarten De Ceulaer. “Nosso território é pequeno, dividido entre três línguas e culturas. A saída está em nos abrirmos para o mundo”, afirma Damien Gernay. Qual o segredo do sucesso? “Simplicidade e cuidado artesanal”, explica Patrick Beyaert. Veja outros nomes aqui.
1. Quando e por que a Bélgica se tornou uma referência em design, e o que caracteriza o design belga?
Maarten De Ceulaer: Nós sempre tivemos uma boa quantidade de bons designers na Bélgica, pelo menos na última década. Mas não gosto de falar em algo como “design belga”, não parece fazer sentido. No mundo atual todos estão conectados e se influenciam mutuamente. Pode-se até falar em design europeu ou americano, ou até brasileiro, mas a Bélgica é tão pequena, tão próxima da Holanda, Alemanha e França, que é impossível ficarmos limitados a nossas fronteiras.
Damien Gernay: Não tenho certeza se a Bélgica é uma referência em design, mas temos nomes famosos, de Victor Horta (1861-1947) e Henry Van de Velde (1863-1957) a Maarten Van Severen (1956-2005), entre outros… Eu acho que a principal característica da produção belga em design é que ela não existe! A Bélgica é um país muito pequeno, com três diferentes idiomas e culturas, então a única solução para um país tão pequeno é ser aberto para o mundo.
Patrick Beyaert: Do ponto de vista histórico, a Bélgica sempre teve uma rica tradição artística e artesanal, desde a Idade Média, bem antes de sua própria fundação como país. Por exemplo, a cidade onde vivo e trabalho, Ghent, era no final da era medieval uma das maiores e mais ricas cidades do norte europeu, famosa por sua indústria têxtil. Além disso, pense em artistas como Peter Paul Rubens (1577-1640), Pieter Bruegel (1525-1569), ou, mais recentemente, o escultor Constantin Meunier (1831-1905) e o pintor surrealista René Magritte (1898-1967), além de arquitetos como Victor Horta (1861-1947) e Henry Van de Velde (1863-1957). Organizações como Design Vlaanderen, Wallonie Bruxelles Design Mode (WBDM) e o prêmio Designer of the Year deram à Bélgica, na última década, uma importância cada vez maior no mundo do design – cuja principal característica, para mim, é honestidade, a simplicidade e o toque artesanal privilegiado.
Alain Gilles: Pode-se dizer que o design belga começou lá atrás com figuras internacionalmente conhecidas como o arquiteto Victor Horta (1861-1947), que, no final do século 19 já assinava todos os móveis de seus projetos. Depois, veio a ascensão do chamado minimalismo belga, representado por designers como Maarten Van Severen (1956-2005), Hans De Pelsmacker e Xavier Lust. O elemento-chave para esse sucesso além das nossas fronteiras foi, provavelmente, o fato de que muitos designers tiveram a oportunidade de trabalhar para renomados editores e marcas internacionais. Somos um país bastante aberto às influências externas, com consumidores bem informados, que gostam de residências amplas e decoradas com peças assinadas, que começam a colecionar desde cedo. Em geral, há uma predominância no uso de materiais nobres como a madeira e o metal, por exemplo. De certo modo, tudo o que é feito na Bélgica é muito “honesto”. Mas é um risco generalizar, são muitas pessoas trabalhando com diferentes lógicas e estilos, o que gera grande diversidade.
2. Quais são suas referências, e como você concilia funcionalidade e estética?
Maarten De Ceulaer: Eu busco inspiração em muitas e diversas fontes. Eu vou a museus e mostras de arte. Arte, definitivamente, é uma dessas fontes principais, mas também podem surgir ideias a partir de uma visita à uma loja de ferragens ou de lâmpadas. Às vezes, é algo que encontro durante um passeio pela natureza, ou assistindo a um filme, lendo um livro… O aspecto funcional do meu trabalho é parte do processo desde o início, assim como o conceito, a história da peça. Eu normalmente tento expressar uma ideia, um pensamento, um sentimento. O produto deve ser a materialização disso tudo.
Damien Gernay: Minhas referências pessoais estão na vida cotidiana, principalmente na natureza. Experiências e erros são a base do meu trabalho. Minhas criações situam-se sempre no campo experimental, com um foco muito forte no material, na textura e nas ambiguidades. Assim como na obra de um pintor ou escultor, o imponderável desempenha um papel decisivo na minha prática. O erro é aceito, assimilado, tornando cada peça única, com sua própria história, suas complexidades e paradoxos íntimos. Eu tento combinar controle e espontaneidade, misturar o suave com o bruto. A funcionalidade nunca aparece como ponto de partida, é mais uma imposição que eu tento respeitar.
Patrick Beyaert: Minha formação se deu em parte na Bélgica (escola de arte), mas principalmente na Holanda, na Academia de Design de Eindhoven, bem na época em que o design holandês estava em ascensão. Então, não me considero nem um verdadeiro designer belga nem um designer holandês. Por causa da minha abordagem mais escultural, sou igualmente percebido como artista. Gosto de um objeto que ocupe um espaço por si próprio. Mas não produzo efeitos estéticos vazios. Tudo têm uma função. Eu crio objetos esculturais funcionais. Um bom projeto para mim resulta num objeto despojado até o esqueleto, com essência intacta, suportado por uma linguagem individual, forte e convincente. Considero isso lúdico e poético, conectado à minha interpretação da cultura visual contemporânea de arte, moda e design.
Alain Gilles: Costumo dizer que trabalho tanto com o que chamo de “simplexity” – projetos que são mais complexos do que parecem, que têm diferentes camadas de compreensão – quanto com o que chamo de “nova simplicidade”: alguns dos meus projetos que, apesar de serem práticos e objetivos, se opõem ao minimalismo por possuírem uma personalidade forte, única e marcante. Entre os fatores que me inspiram está a lógica arquitetônica. Gosto de estruturas fortes, mas claras e fáceis de ler, como a de Oscar Niemeyer (1907-2012), que tive a oportunidade de conhecer em viagens a Brasília e Niterói. Tento criar peças dinâmicas – às vezes, elas parecem estar em movimento ou poderiam estar em movimento, ou capazes de trocar de personalidade a partir do ponto de vista. As possibilidades gráficas de um produto também me inspiram, provavelmente porque eu lia muitos quadrinhos na infãncia, como o Tintin, de Hergé. Gosto ainda de, se possível, permitir alguma interatividade com o usuário. Finalmente, mas não menos importante, está o aspecto humano. Quando crio, não importa o quão artísticas ou dramáticas sejam as peças, quero ter certeza que sejam viáveis e fácil de usar. Apesar de conceitual, o meu design tem de ser funcional, do contrário eu estaria criando peças para galerias. Equilibrar estética e funcionalidade é sempre um grande desafio!