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Arquitetura da América Latina no centro das atenções

Casa Claudia Luxo entrevistou curadores da mostra Latin America in Construction, do MoMA

Por Por Nilbberth Silva
Atualizado em 25 Maio 2022, 18h29 - Publicado em 15 jun 2015, 17h41

A mostra deslumbra pela criatividade dos profissionais do período. Estão lá trabalhos de grandes nomes como Luiz Barragán, do México, e Eladio Dieste, do Uruguai. “O período é marcado por espantosa exploração de temas que ainda impressionam com sua relevância formal, social e urbana”, conta Barry Bergdoll, curador do Departamento de Arquitetura e Design do MoMA. Para entender melhor a exposição, Casa Claudia Luxo entrevistou Bergdoll e Carlos Eduardo Comas, curador brasileiro da mostra e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Entrevista com Barry Bergdoll

Em sua opinião, quais as maiores contribuições que o modernismo latino-americano do período trouxe para o modernismo internacional?

Arquitetos latino-americanos dedicaram-se a explorar os temas e possibilidades da expressão arquitetônica moderna com uma inventividade e compromisso que tem pouco paralelo no resto do mundo. E isso aconteceu em um período notado pelo impasse entre o tradicionalismo e um modernismo “internacional”, bastante ortodoxo, melhor encarnado pela emergência do arranha-céu de aço e vidro nos Estados Unidos.

Os manuais norte-americanos e europeus tenderam a enxergar a produção arquitetônica da América Latina principalmente como derivada de tendências orginadas fora da região. Na realidade, o período de pós-guerra é marcado por uma espantosa exploração de temas que ainda impressionam como sua relevância formal, social e urbana.

Você poderia destacar uma ou duas contribuições?

Dois temas se destacam em particular. Um é a exploração de uma arquitetura metropolitana urbana, que criou uma expansão sem paralelo no espaço público da cidade. Isso é inteiramente contrário à visão de hoje da cidade como um espaço privatizado, monetizado e defendido. Outro tema é a exploração de soluções para oferecer casas às populações metropolitanas que explodiam, uma dura batalha marcada por tantas falhas quanto sucessos, que provê um rico campo de análise no mundo contemporâneo de desigualdades sociais ainda maiores.

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Por favor, dê alguns exemplos.

O primeiro tema [as tentativas de expandir o espaço público] pode ser visto de forma mais notória em uma gama de projetos que vão desde o Conjunto Nacional e o Parque do Ibirapuera, ambos em São Paulo, ao grande redesenho do Aterro do Flamengo, em frente ao mar do Rio. Mas também no Banco de Londres, em Buenos Aires e nos campi das universidades nacionais em Caracas e Cidade do México. O segundo tema [novas soluções para oferecer moradia] é encarnado com mais êxito nos grandes sucessos de habitação social do século 20: o experimento PREVI, no Peru, as Torres del Parque, em Bogotá, de classe média, a habitação social President Alemam, na Cidade do México, ou até mesmo o projeto Portales, em Santiago do Chile, ou o projeto San Felipe, em Lima.

Entrevista com Carlos Eduardo Comas

Como o senhor vê a influência do período de 1955 a 1980 para a produção brasileira contemporânea? Houve rupturas ou estamos respondendo aos mesmos desafios, com os mesmos métodos?

Os desafios não são propriamente diferentes: as carências de nossas casas, bairros e cidades aumentaram mais em quantidade do que qualidade. Há novos métodos de projeto e construção, mas a difusão do computador, do ar-condicionado e do gesso cartonado, por exemplo, não garantiram projeto e construção melhores.

A exposição sugere que as oportunidades profissionais antes da crise de 1980 eram proporcionalmente maiores. A obra pública não estava amarrada pelas licitações por menor preço que confundem obra econômica com obra de menor custo inicial, esquecendo que a economia é uma questão de custo/benefício. A obra privada não estava tão contaminada pela confusão de luxo com ostentação, nem havia retornado ao culto dos “estilos.”

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A arquitetura moderna brasileira manteve seu prestígio no país mesmo quando passou a ser ignorada no exterior, em meados dos anos 1960. Apesar de um ou outro arroubo pós-moderno, não deixou de ser referência para a produção contemporânea culta dos anos 1980 em diante. Em vez de ruptura, é de evolução, ou involução, que cabe falar.

Muitos brasileiros costumam ver o país como uma exceção na América Latina, tanto cultural como socialmente. A exposição, no entanto, liga nossa arquitetura à dos outros países do continente. Em sua opinião, em que pontos principais o modernismo brasileiro é semelhante ao latino-americano?

A exposição é sensível às semelhanças e diferenças na evolução do modernismo arquitetônico na região. Ela inicia notando a sua emergência nos anos 1930 no Brasil, México, Argentina e Uruguai, seguidos no imediato pós-guerra pela Venezuela. Logo, como anuncia seu titulo, concentra-se na época desenvolvimentista em que o modernismo é hegemônico em todas os países latino-americanos, de 1955 a 80. Nesse período, a arquitetura responde a problemas de projeto parecidos, com soluções como o uso imaginativo de cálculo estrutural avançado, abundância de mão de obra não especializada e formas de madeira, então de baixo custo.

Caso extremo, Brasília é a única capital, não a única cidade fundada no período, como mostra o caso de Puerto Guayana na Venezuela. Nem é o Eixo Monumental de Brasília a única resposta ao encargo de representar uma monumentalidade democrática, como se vê no Centro Administrativo da Província de Santa Rosa, do argentino Clorindo Testa.

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Em que pontos nossa arquitetura se diferencia da de outros países?

Há apenas um projeto brasileiro não construído na exposição, o de Lina Bo Bardi para a aldeia cooperativa de Capumirim. E quanto à forma, seja no Rio, Brasília ou São Paulo, a arquitetura moderna brasileira no período 1955-80 conjuga simplicidade e planeza nas paredes externas com a marcação rítmica e a abstração eventualmente escultórica das colunas, independentemente do uso de concreto revestido ou aparente, de reta ou curva.

O contraste é forte com as obras de colombianos como Rogelio Salmona ou do mexicano Luis Barragán. O primeiro expõe uma pele esburacada de tijolos aparentes, ora ortogonal, ora em reta quebrada, ora orgânica – mas sempre, quando em altura, ocultando a estrutura resistente de concreto. O segundo, em obras de altura modesta, propõe paredes de reboco grosso pintado, substituídas, nas Torres de Satélite, por placas de concreto pintado.

O contraste é de outra ordem com as obras de Carlos Raul Villanueva em Caracas, ou de Testa em Buenos Aires, que também têm estrutura independente em concreto. As obras caraquenhas exibem dobras e nervuras pronunciadas, como folhas tropicais, pioneiramente brutalistas. As obras portenhas propõem uma figuração exacerbada, lembrando ossos e patas de animal.

Como os países influenciaram uns aos outros?

As distinções nacionais não têm limites rígidos, e a exposição insinua convergências tanto sabidas quanto inesperadas. As colunas em V de Niemeyer ganham reinterpretação no edifício Panamericano, de Raul Sichero em Montevidéu. Com paredes portantes de concreto, as torres desportivas de Lina Bo Bardi no Centro de Lazer do SESC Pompéia podem ser vistas como um Barragán desenvolvido na vertical. Aliás, a brasileira cita as Torres de Satélite como referência para o Castelo de Água do SESC Pompéia. As coberturas e paredes portantes onduladas em tijolo armado de Eladio Dieste, embora limitadas em altura, sintonizam com a obra colombiana. O Columbário, de Nelson Bayardo em Montevidéu, poderia passar por irmão mais moço da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, não fosse anterior em data. Se a dependência econômica não exclui a autonomia cultural, esta não parece se construir no isolamento.

 

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