Arquitetos e designers dão cara nova a móveis usados
Eles não podem ver uma peça abandonada que já querem transformá-la. Tem vitrola, bar que foi doado e até carrinho tirado de caçamba de entulho
Quanto pior, melhor
Os móveis mais detonados são os preferidos do arquiteto André Lima. “Sabe aqueles que parecem não ter salvação? Adoro acompanhar a mudança.” O faro para encontrar raridades, ele desenvolveu nos 18 anos de convivência com a designer de interiores Karina Vargas, sua mulher e parceira na apresentação do programa Admirável Móvel Novo, do canal GNT. “Ela é uma garimpeira nata”, garante. Esse talento levou a dupla a abrir o Estúdio Gloria, loja com oficina especializada em recuperar peças como esta poltrona, que, de tão acabada, havia sobrado num evento do tipo família vende tudo. Hoje, depois da reforma, fica difícil imaginá-la esquecida num canto.
A vantagem de ser único
“O legal de trabalhar com material reciclado é que todas as criações são exclusivas”, acredita o designer Cristhian Gregoraschuk. Mas ele vê mais uma boa razão para usar sobras de marcenaria e tábuas colhidas na rua nas luminárias de sua grife, a Guacho. “Amo cuidar de um pedaço de madeira maltratada e vê-lo se tornar bonito novamente.” Esse espírito também guiou o décor do lugar que o designer utiliza como casa e oficina: o revestimento das paredes fez parte de uma cenografia montada por amigos, a cadeira estava esquecida num depósito e a mesa foi largada ali perto. “Meu pai me ensinou as técnicas de restauro e a enxergar a beleza dessas peças.”
Cacos transformados em arte
Pedaços de louças são a principal matéria-prima do Projeto Garagem, iniciativa da arquiteta Luciana Monaco. “Minha amiga Olga Amato tem uma empresa de aluguel de utensílios para festas e me sugeriu fazer algo interessante com os itens que voltam quebrados”, explica. Os cacos de pratos, copos e travessas, hoje também recolhidos em restaurantes parceiros, vão parar nas mãos de artistas e designers que Luciana reúne numa garagem – ali, tornam-se objetos decorativos e utilitários. Um deles é a luminária Bitoca (no retrato, sobre a mesa mais alta), de Eduardo Borém. “Busco conectar pessoas que trazem poesia e novo significado a essas peças rejeitadas”, diz a arquiteta.
O bar ficou no Brasil
Toda vez que visitava uma amiga, o empresário Fernando Sommer esticava os olhos para este móvel de madeira feito na década de 1960 em homenagem à inauguração de Brasília. “Não me cansava de avisá-la para pensar em mim se um dia quisesse passá-lo adiante”, lembra. “Adoro peças com história.” A insistência deu resultado: quando resolveu se mudar para os Estados Unidos, a amiga ofereceu o bar a Fernando. Boa parte da decoração do apartamento dele veio de feirinhas de antiguidade e brechós, lugares que parou de frequentar nos últimos tempos por um único motivo: “Me empolguei e agora não tenho mais espaço em casa.”
Mesinha pra lá de original
Vem de família o gosto do arquiteto Gustavo Calazans pelo reaproveitamento. “Lembro de umas férias em que a maior diversão da minha mãe foi remover a pintura de um portão achado na rua”, conta. E foi ela que ganhou do dono de uma serralheria esta vitrola, usada como mesa lateral no apartamento do filho. “Fomos lá encomendar umas esquadrias e saímos com a peça, que estava esquecida num canto da oficina.” O projetor de filmes colocado ao lado (na caixa com alça) sobrou da mudança de uma cliente. “Se algo é bacana, por que jogar fora? Fica lindo combinar peças novas com essas preciosidades. Faço assim em casa e nos meus projetos.”
Olhar carinhoso para o descarte
“Por que tudo precisa ser novo?”, questiona a artista plástica Ana Moraes. A pergunta motiva seu trabalho – ela produz esculturas e objetos utilitários feitos principalmente de arame e latas recicladas – e a decoração da casa onde mora. A mesa de jantar, por exemplo, veio do quintal de um conhecido. “Ele pretendia jogar fora. Peguei para mim na hora.” Com a pintura amarela e as cadeiras laminadas (presente de uma amiga), o móvel ganhou fôlego extra. Até por uma mola de colchão abandonada numa viela Ana se encantou: pendurada na parede, ela virou uma inusitada obra de arte. “Gosto quando consigo dar um uso diferente e nada óbvio ao que encontro.”
Fama entre amigos
“Minha mulher fala que trago lixo para casa. Prefiro chamar de garimpo urbano”, brinca Décio Navarro. Com o radar eternamente ligado, o arquiteto é do tipo que sai para caminhar e volta carregando uma moldura antiga encontrada na calçada. “Muita gente sabe disso e me avisa quando vai se desfazer de algo”, diz. Se a peça tem design bacana e boa qualidade, Décio aproveita a chance, como fez com este carrinho de chá dos anos 1960, que viu jogado numa caçamba e reformou com a ajuda do lustrador Antonio Almeida. Mesmo móveis que não parecem tão incríveis podem dar samba, segundo ele. “Uma cadeira sem graça vira uma mesa de apoio sensacional ao lado da cama.”
Veja também: Como pintar um móvel antigo