A ceramista japonesa Shoko Suzuki e peças feitas em forno medieval
A história da ceramista que carregou a tradição medieval do forno noborigama do Japão para o Brasil nos anos 1960, atraída por imagens de TV da recém-inaugurada Brasília.
*Matéria publicada em Casa Claudia Luxo #31 – Novembro e Dezembro de 2012
Num dos ataques que entre 1944 e 1945 destruíram quase a metade de Tóquio, a menina Shoko foi salva sob uma colcha de um incêndio que transformou em escombros a aldeia onde morava. “Minha madrasta me cobriu e lembro que deixei minha casa sem enxergar quase nada.” Levada a uma morada próxima, onde dividiu o chão com dezenas de pessoas desabrigadas pelo bombardeio, a pequena órfã de mãe esperou o Sol nascer para ver o que tinha restado de sua casa. Nada – nenhuma das crianças vizinhas, inclusive, estava mais lá. Mas a menina não chegou a olhar os escombros do lugar onde cresceu. “No caminho vi um homem desenterrando objetos que devia ter escondido para proteger das bombas.
Tive uma sensação de vida tão boa no meio daquela morte toda. Era cerâmica que aquele senhor tirava de dentro da terra.” Shoko Suzuki, hoje com 83 anos – e 60 de trajetória no próximo ano –, nunca mais tirou as mãos da terra. Finda a guerra, casada e então uma aprendiz dedicada ao ofício, decidiu que faria sua carreira no Brasil.
“Vi uma imagem da Brasília de Niemeyer sendo inaugurada e tive certeza que o Brasil era o meu lugar.” Em Cotia, SP, desde então, uma das poucas herdeiras da técnica de queima a fogo noborigama é considerada por estudiosos e críticos – a exemplo de João Frayze-Pereira e Jacob Klintowitz – como um dos maiores brilhos da arte contemporânea brasileira. “Não concordo que eu seja artista. Sou uma ceramista e amo o meu trabalho.”
O grande forno composto de câmaras, o noborigama construído por ela mesma tijolo por tijolo, como costuma dizer, ocupa um espaço importante no quintal onde viveu até sete anos atrás com o marido, o pintor Yukio Suzuki. O antigo sítio, hoje cercado de endereços comerciais, está à venda. Como quem cumpre um ciclo, Shoko não se entristece ao pensar em desmontar o equipamento que fez viver a arte da queima a lenha entre ceramistas brasileiros. “Estou querendo desmontálo.
Foram muitos anos de serviço”, diz sorrindo a artista de dentro de sua modéstia atávica – ciente da beleza da ciência que trouxe para seu quintal. “Foi uma sorte ter encontrado quem ensinasse a construir as ferramentas para fazer o meu trabalho, ter sido tão bem recebida num país onde eu não conhecia as pessoas e a língua e ver hoje meu trabalho em publicações tão elegantes”, fala. “Farei uma abertura de forno provavelmente em dezembro e no ano que vem estou torcendo muito para que os amigos que estejam trabalhando em meu livro possam publicá- lo. Mas depois será outra vida, pois agora me sinto cada vez mais leve como uma criança. Me sinto perto de voar.”
*Matéria publicada em Casa Claudia Luxo #31 – Novembro e Dezembro de 2012