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Afroempreededorismo é realidade para quase 5 milhões de brasileiras

Resgatando e valorizando suas raízes, mulheres negras criam negócios de sucesso, alcançam públicos antes ignorados e impactam suas comunidades

Por Letícia Paiva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Esmeralda Santos (colaboradora)
Atualizado em 6 ago 2020, 14h43 - Publicado em 19 nov 2019, 13h08

Vestida inteiramente de branco, a baiana anda pelas ruas de Salvador vendendo quitutes preparados com receitas da mãe e da avó. Desde o fim da escravidão, com dificuldade para conseguir oportunidades de trabalho – principalmente fora da área doméstica – e tendo de sustentar a família, essa foi uma das alternativas encontradas pelas mulheres negras. O termo não era usado então, mas pode-se dizer que se delineava assim uma empreendedora.

Os anos se passaram e até hoje, em certa medida, as motivações de 4,7 milhões de mulheres negras para se tornarem empreendedoras no país continuam sendo os entraves do mercado tradicional e a subsistência. Mais recentemente, ganhou força o movimento de jovens na abertura do próprio negócio em áreas que vão de moda a tecnologia.

O afroempreendedorismo feminino tomou impulso com a valorização da cultura afro e a ampliação da autoidentificação e do acesso ao ensino superior. “Grande parte dos negócios nasce não só por oportunidade mas também por necessidade. Ao verem que suas demandas não são atendidas pelo mercado, elas criam as próprias alternativas”, explica Taís Oliveira, professora universitária que investigou o tema em sua dissertação de mestrado. Mirando um público ignorado, elas fundam negócios fortalecidos primeiro em suas redes e comunidades e, depois, fora delas.

Os entraves, porém, são grandes – em geral relacionados a gênero e raça. Enquanto quase metade dos negócios das brancas tem registro, apenas um quarto dos empreendimentos das negras é formalizado. Elas também contam com 50% menos receita. Um dos principais obstáculos é a falta de crédito para começar a empresa ou fazê-la crescer.

“O sistema financeiro não aposta tanto nessa população nem oferece condições especiais a ela”, diz Renata Malheiros, coordenadora de empreendedorismo feminino do Sebrae.

Embora marcadas pela desigualdade, quando prosperam, as afroempreendedoras puxam a comunidade e outras mulheres negras consigo – tanto pelo impacto que causam na renda quanto por atendê-las com produtos e serviços específicos.

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“A mulher negra avança pensando também nos outros. Por isso, a receita que gera volta para seu entorno”, afirma Ítala Herta, cofundadora da aceleradora Vale do Dendê, focada na região baiana.

Por mais representatividade

Depois de uma temporada trabalhando como bailarina na Itália, em 2010 Regina Ferreira, 30 anos, foi morar em São Paulo, pretendendo mudar de carreira – queria ser modelo. Logo no primeiro contato com uma agência, viveu um episódio constrangedor.

“Sou do Guarujá (litoral paulista) e não tinha apartamento na capital, mas mesmo assim não me ofereceram moradia. Sugeriram que eu tentasse me manter por algum tempo para ver se dava certo. Já para uma modelo com o mesmo perfil que eu, porém branca, arrumaram uma casa”, lembra.

Empenhada em fazer dar certo, topou. Mas mudou sua apresentação nas redes sociais, fortalecendo seu perfil. Também deixou para trás os fios alisados. As primeiras campanhas apareceram e a nova rede profissional de Regina foi se firmando.

Regina Ferreira
Regina Ferreira (Takeuchiss e Taylla de Paula/CLAUDIA)

Ela percebeu que constantemente era consultada para indicar profissionais da área e que poderia fazer diferença colocando outras modelos negras em evidência. Foi então que abriu as portas da Hutu Casting, agência que insere mais modelos negros no mercado, gerando oportunidades de desenvolvimento econômico para eles. Já são cerca de 300 pessoas no portfólio da empresa.

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Além do impacto na vida dessas pessoas, Regina promove uma mudança maior ao aumentar a representatividade nas campanhas publicitárias. “Quero que as marcas entendam que a diversidade que muitas dizem valorizar ainda caminha a passos curtos. Elas precisam nos enxergar, de fato, como consumidores”, afirma.

Público certo

Inovação e criatividade são as palavras que guiam o trabalho da museóloga Débora da Luz Nascimento, 29 anos. Em 2017, com o sócio Bruno Brigida, a paulistana fundou o Clube da Preta, para levar aos consumidores produtos de marcas pequenas e médias criadas por pessoas negras. Havia notado que esses empreendedores, concentrados nas periferias das cidades, tinham dificuldade para escoar sua produção.

Começou reunindo apenas cinco assinaturas. Agora, já são 500, a maioria de moda e beleza. Estima impactar financeiramente cerca de 3 mil famílias de fornecedores e calcula que, no ano passado, o retorno para as marcas girou em torno de 100 mil reais.

Débora da Luz
Débora da Luz Nascimento (Takeuchiss e Taylla de Paula/CLAUDIA)

Ela percebe outro reflexo nos consumidores. “Quem recebe as caixas se enxerga de forma diferente, se sente valorizado. Entregamos produtos que são exatamente o que gostariam de ter. Esse preocupação é muito importante, especialmente para as mulheres negras, que representam 80% dos nossos clientes”, diz Débora.

Pratos que ensinam

Lilian Almeida, 38 anos, carinhosamente apelidada de chef Lili, sempre foi uma cozinheira popular entre os amigos. Fazia almoços memoráveis quando os recebia em sua casa. Com o sucesso de sua culinária afro-baiana, que se espalhou boca a boca por Salvador, ela resolveu abrir o próprio restaurante, Casa da Dona Lili.

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É entre panelas e temperos que a chef dá novo significado ao lugar das mulheres negras na sociedade. “Quero que elas olhem para mim e percebam que a cozinha não é subalterna, mas ancestral”, afirma ela, que resgata o legado culinário de suas antepassadas. Sem falsa modéstia, Lili considera seus pratos obras de arte e quer que todos conheçam a trajetória de cada ingrediente que compõe suas criações.

Lilian Almeida
Lilian Almeida (Takeuchiss e Taylla de Paula/CLAUDIA)

Para aproveitar ao máximo suas habilidades e ensinar as pessoas, ela oferece oficinas de culinária fora da Bahia. Mas há outra conquista a destacar. Cada vez mais, Lili vem deixando de lado o título de chef para ser chamada de empreendedora. “Há cinco anos, eu estava vendendo comida na praia e, agora, estou reformando meu restaurante para ampliar o espaço. Isso é grande”, diz, emocionada.

Mais oportunidades

Durante a faculdade, a paulistana Liliane Rocha, 37 anos, conseguiu seu primeiro estágio em uma multinacional. Ela atribui a oportunidade a uma gestora preocupada em incluir minorias no ambiente corporativo.

Depois dessa experiência, passou por diferentes companhias até assumir a função de representante da América Latina em uma mineradora. Apesar do aumento salarial, ela não ocupava formalmente o cargo. “Percebi que a promoção poderia não sair e que seria difícil chegar ao topo”, conta Liliane. Resolveu então deixar a estabilidade do emprego para empreender.

Liliane Rocha
Liliane Rocha (Takeuchiss e Taylla de Paula/CLAUDIA)

Em 2015, abriu a Gestão Kairós, consultoria para empresas que desejam aprimorar suas políticas de diversidade e sustentabilidade. Seu primeiro cliente foi o Itaú. Depois, atendeu empresas como Gerdau, Via Varejo e Grupo Pão de Açúcar. Ela propõe ações efetivas para ampliar a representatividade feminina negra. “Às vezes, tudo de que elas precisam é de oportunidade e reconhecimento pelo trabalho que fazem”, diz.

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De olho nos desejos

Cursar ensino superior era o sonho de Camila Reis, 30 anos. Ela seria a primeira de sua família a frequentar uma faculdade. Esperava assim conseguir um bom emprego. Na reta final dos estudos de gestão comercial, o ímpeto empreendedor surgiu ao constatar a falta de opções de produtos de qualidade para cabelos crespos, especialmente os óleos vegetais.

“As mulheres negras que querem manter os fios naturais precisam dos nutrientes dessas substâncias”, explica a baiana. Decidida a apostar na própria marca, criou em 2014 a Óleos da Mi, que vende online.

Camila Reis
Camila Reis (Takeuchiss e Taylla de Paula/CLAUDIA)

Sua formação lhe permite construir estratégias de vendas e enfrentar o recente aumento da concorrência. Ainda que estejam surgindo novas marcas, admite que é difícil encontrar referências de produtos já existentes para estudar ou até mesmo matéria-prima de qualidade.

Para criar um diferencial, ela aproveita as próprias vivências e o contato com as clientes. “Muito se fala de empoderamento, mas é necessário um novo aprendizado, inclusive para as mulheres negras. Precisamos resgatar o que perdemos com as exigências racistas da nossa sociedade, nos desfazer dos padrões impostos”, afirma Camila.

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