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Por Atualidades
Coluna da jornalista e psicóloga Patrícia Zaidan: atualidades, feminismo, direitos humanos
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A brasileira que virou fugitiva no México para proteger seus filhos do pai

Ela relata as nove mudanças de endereços que precisou fazer, a violência do ex-marido e a atuação rocambolesca da Justiça mexicana

Por Patrícia Zaidan
Atualizado em 3 abr 2018, 21h13 - Publicado em 3 abr 2018, 20h58

“Tenho 34 anos, mas me sinto como se estivesse com 60”, me disse hoje (3/4) ao telefone Marina de Menezes Santos, a brasileira que está fugindo pelo México adentro com os filhos David, 8 anos, e Olívia, 4, desde o dia 1º de fevereiro passado. Ao todo, eles já mudaram nove vezes, de endereço ou de cidade. Desta vez saíram de carro à tarde e com muito medo de serem alcançados pela polícia. Ela conta que sua saga começou em 2016, no que poderia ter sido o seu fim: o marido, um engenheiro eletrônico mexicano, tentou enforcar Marina na frente das crianças, deixando-a quase desacordada. “Criei forças e falei para meus filhos que eu os amava”, lembra. Irado, o homem bateu a cabeça da mulher muitas vezes na parede. Ela apagou.

Depois de repetidas crises de ciúme dele, a brasileira – que trabalhava como analista financeira em uma indústria de sensores em Tijuana e esteve casada por dez anos – pediu o divórcio. Ele parecia de acordo. No dia de assinar a separação, ao voltar da fábrica, Marina descobriu a casa vazia. As crianças haviam sido levadas pelo pai à Cidade do México, a 3 mil quilômetros de distância, onde passaram a viver com ele e os avós paternos. Em uma rocambolesca atuação, a Justiça mexicana tirou dela a guarda. Marina enfrentou 10 meses sem ver os dois pequenos. Há pouco mais de um ano, teve as crianças com ela para um período de férias. Desde então tenta reverter a guarda.

As coisas complicaram quando o ex-marido – como relata – colocou a força policial atrás dela, mais uma vez com aval judicial, considerado por Marina “absurdo, machista e cheio de preconceito relacionado à uma estrangeira”. A brasileira tenta em um tribunal federal que David e Olívia sejam ouvidos. Menciona a Convenção de Haia e os direitos das crianças e dos adolescentes protegidos pela ONU. Lembra que tratados internacionais recomendam considerar a opinião das crianças. “Se meus filhos tiverem a chance de falar ao magistrado, poderão contar que sofreram maus tratos na casa dos avós. De lá, voltaram doentes, com terror noturno, se autoflagelando, puxando os cabelos. Olívia não controlava mais os esfíncteres.”  

Marina tem defensores no México, mas, a pedido dela, o Instituto dos Advogados de São Paulo entrou na história. Uma comissão presidida pelo advogado Ricardo Sayeg solicitou providências à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, à cônsul-geral do México em São Paulo, Margarita Pérez Villaseñor, e ao governo brasileiro, por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.  

Sayeg afirma que atua no caso como voluntário e por ficar entristecido com a história. “Conheço só a versão dela, a verdade dela”, admite. “Mas essa mulher corre riscos reais de ser presa, por ser uma foragida, e de ter suas crianças apartadas de si. Por esse motivo, acho que Gustavo do Vale Rocha, o ministro dos direitos humanos, tentará trazer Marina e as crianças ao Brasil.” Para o advogado, não é apenas um caso de violação dos direitos da mãe, mas também dos direitos das crianças, que precisam ser cuidadas e amparadas. “Os agentes de Justiça arrancaram os filhos de Marina e a deixaram em uma situação degradante, o que é inaceitável e gravíssimo.”

 Vida de fugitiva

Conversei longamente com Marina e resumo aqui o depoimento dela:

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 “No dia 1º de fevereiro, busquei as crianças na escola à tarde e saí de Playa del Carmen, onde vivia desde o final do ano passado. Com autorização da Justiça, havíamos trocado Tijuana por esse local, a 4,4 mil quilômetros de distância. Literalmente, atravessei o país na tentativa de escapar da perseguição do meu ex-marido. Mas o cerco se fechou, não dava para correr o risco de perder, novamente, as crianças para o pai e os avós. Todos os dias, David acordava assustado e pedindo: “Não pare de lutar, mãe, eu não quero mais viver com meu pai”. Não coloquei na mala nada além de algumas roupas e brinquedos. Onde estamos agora é o nosso nono esconderijo. Meus filhos sentem falta da escola, dos amigos, das coisas pessoais que ficaram para trás. Tenho medo de muitas coisas que podem acontecer, mas não vou desistir.

As crianças não suportam mais ficar trancados, e às vezes me pedem para sair, dar uma volta, respirar. Logo em seguida, dizem: ‘Melhor, não. O papai pode aparecer e nos levar’. Tenho tentado ensinar as lições como eu consigo, seguindo os livros que David trouxe. Ele andava bem adiantado, mas não pode frequentar outra escola. Olívia já está conhecendo as letras e eu a incentivo a continuar. Os dois passaram por terapia logo que voltaram da casa dos avós. Lá, batiam neles com sapato e cinto. Não podiam se referir a mim como ‘mamãe’ e eram obrigados a tratar a avó como se ela fosse a mãe. A psicóloga diagnosticou estresse pós-traumático. Hoje estão bem.

Nas poucas vezes que saio, uso boné e óculos escuros. Se alguém tiver o propósito de me seguir, não me reconhecerá facilmente. Como deixei meu trabalho na indústria, me viro fazendo traduções e vendendo bolsas e roupas pela internet. Assim pago os advogados. Quem vai mais à rua para comprar alimentos é a minha mãe (Alda, 69 anos), nosso porto seguro. Ela é solidária à minha luta. Para as crianças, faz um mimo de avó, assa um bolo, lava as roupas à mão. Logo, porém, minha mãe terá de voltar ao Brasil e nós seguiremos sozinhos. O que as crianças imploram todo o tempo é para ir também. Querem viver perto dos primos brasileiros. Mas não posso fazer isso. Configuraria sequestro internacional.

 A reza das crianças

Dormimos bem juntinhos. Na verdade, quase não durmo tranquila. Eu acordo com qualquer sirene e barulho. Deitamos de mãos dadas, vendo um filme, contando histórias. Também rezamos para o Santo Anjo. Ou as crianças me pedem para cantar ‘Maezinha do Céu’. A oração deles é sempre para que Deus do céu coloque um coração bom no papai, para que a gente possa sair do México e ir viver em paz.

Meu ex-marido não foi um homem violento no começo do casamento. Ele era ciumento. Nos últimos tempos, se eu me atrasasse para chegar em casa, me agredia com palavras, dizendo que eu estava no motel. Depois ocorreu a violência física. Imagino que, se tivesse continuado casada, os ataques aumentariam e aconteceria o pior.

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Em momento algum ele me fez crer que desejasse ficar com as crianças por amor a elas. Quase não procurou vê-las. Sinto que usava os filhos para me culpar e se vingar de eu ter exigido o divórcio. Hoje tenho um companheiro, que encontrei após a separação, mas ele não pode permanecer ao meu lado; eu estou fugindo.

 Um marido esperto

O México é um país muito machista. Quando procurei o Ministério Público para denunciar a tentativa de me matar, ouvi o comentário: ‘Você deve ter feito alguma coisa errada para irritar seu marido’ e ‘Se apanhou, mereceu’. Então pedi para falar com uma profissional mulher, no Ministério Público. Ela veio, me escutou e respondeu: ‘Você é estrangeira. Melhor se acostumar, porque aqui é assim. Seu filho vai ser violento também, todos os homens são’.

Em outras esferas da Justiça, quando mencionei que meu ex-marido havia sequestrado as crianças, me corrigiram: ‘Se não pediu resgate, não é sequestro’. Eu expliquei de novo, usando a expressão ‘subtração de menores’, e mais uma vez veio um absurdo: ‘Não foi subtração. O pai tem o direito de levar os filhos para onde quiser e quando quiser. Ele só foi mais esperto que você.’

Eu espero mobilizar a comunidade internacional. O que tenho vivido é desumano. Depois de dez meses sem as crianças, a juíza fixou as visitas. Eu poderia ver os meus filhos por 2 horas a cada 15 dias, na Cidade do México. Como faria isso, se tinha que trabalhar em outra cidade e tão distante? Eu não representava nenhuma ameaça para meus filhos, no entanto só poderia vê-los na sede do DIF, um órgão semelhante ao Conselho Tutelar no Brasil. O pai, do lado de fora do Tribunal, só aceitou apresentá-los se eu assinasse um acordo aceitando a jurisdição da Cidade do México, não sair do país e ceder a guarda e custódia a ele. Assinei, deixando claro no documento que estava sendo coagida e para colocar fim à violência de viver longe dos meus filhos. Depois de reclamar muito, a juíza decidiu que eu também teria o direito de falar com eles por telefone toda sexta-feira. As ligações foram três no total, e de 5 minutos cada uma.

Estando com os meus filhos, reuni provas de que tinham voltado doentes e coloquei um processo de modificação de guarda a meu favor. Estou há mais de um ano sem obter uma decisão. E, com a polícia atrás, não me restou outra saída. Precisei sumir no mapa do México.”

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