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Patrícia Campos Mello: “Tenho medo do meu filho ver os memes me difamando”

Em novo livro, a jornalista conta sobre ataques que vem sofrendo do presidente e seus apoiadores após revelar um esquema de fake news em 2018

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 16 set 2020, 13h46 - Publicado em 27 ago 2020, 16h00

Em março deste ano, Patrícia Campos Mello ocupava o terceiro lugar de uma lista que reunia os casos mais urgentes de jornalistas sob ataque. O levantamento da One Free Press Coalition, associação de diversos veículos pelo mundo, considerou mais graves apenas os casos do chinês Chen Qiushi, que sumiu durante a cobertura da pandemia, e Daler Sharifov, do Tajiquistão, preso sob acusações absurdas de extremismo. Patrícia não estava detida ou desaparecida, mas ela encara, desde 2018, ataques sucessivos do Presidente Jair Bolsonaro, seus apoiadores e eleitores. 

Durante as eleições, Patrícia publicou no jornal Folha de S.Paulo uma série de reportagens revelando um esquema de disparo de mensagens em massa que disseminavam fake news e mensagens de ódio. A compra dessas mensagens foi ligada a diversos políticos, entre eles o então candidato Jair Bolsonaro. Foram muitas as ondas de ataques organizados contra Patrícia. Ela recebeu mensagens de ódio nas redes sociais, teve seu WhatsApp hackeado, ouviu de uma mulher do prédio vizinho gritos ofensivos. Teve que explicar para o filho vídeos de Alexandre Frota, então candidato a deputado federal, a chamando de vagabunda sem-vergonha e mentirosa. Em um momento difícil de esquecer, o presidente ainda declarou para a imprensa que o que a jornalista queria era dar um furo, uma insinuação sexual machista e degradante. 

Patrícia fez diversas reportagens rebatendo com informação as tentativas de desmentir suas descobertas. Mais recentemente, transformou os episódios dos últimos dois anos, trajetória que se mistura à ascensão do debate sobre fake news, em livro. A Máquina de Ódio – Notas de Uma Repórter Sobre Fake News e Violência Digital (Companhia das Letras) relata como a disseminação de informações incorretas é uma ferramenta preciosa para manipulação das pessoas e como hoje é superpotencializada pelos meios digitais. Em um trecho, ela resume um dos maiores perigos que vivemos atualmente: “Na versão moderna do autoritarismo – em que governantes não rasgam a Constituição nem dão golpes de Estado clássicos, mas corroem as instituições por dentro –, não é necessário censurar a internet. Nas “democracias ‘iliberais’, segundo o vernáculo do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, basta inundar as redes sociais e os grupos de WhatsApp com a versão dos fatos que se quer emplacar, para que ela se torne verdade – e abafe as outras narrativas, inclusive e sobretudo as reais”.

Em conversa com CLAUDIA, Patrícia falou sobre o livro, o machismo por trás dos ataques ao seu trabalho, as fake news e como elas impactam o governo e a sociedade atualmente.

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Você usa no texto uma expressão, “destampava-se a panela do ódio”, para falar de momentos em que era atacada. Isso demonstra que há um esquema organizado de ódio, pronto para atacar. É um sinal dos nossos tempos?

Os governos populistas dependem sempre de um inimigo, pode ser uma coisa, uma pessoa, um tema. Eles têm que ter um alvo de ódio. Nosso governo atual, como outros do mundo neste momento, é populista. Aí você pega esse discurso do governo e soma ao funcionamento das redes sociais, nas quais mensagens de revolta, de raiva dão mais engajamento. As pessoas vão atrás desse tipo de mensagem. Isso vai se alimentando, chama mais atenção, leva a mais mensagens de ódio. A repercussão é maior do que de mensagens moderadas.Quando você tem um governo quebrando as regras não escritas de civilidade, você dá o sinal verde para que outras pessoas ajam da mesma forma.

Como jornalista, qual foi a sensação de descobrir um esquema de fake news ao qual políticos, inclusive o presidente, estavam ligados?

Eu acho interessante a gente pensar que hoje não existe um golpe militar clássico ou o fim da democracia como entendíamos anteriormente. Há uma corrosão das instituições dentro de um governo eleito democraticamente. É uma nova versão da censura. Na ditadura, o censor escolhia o que podia ser publicado. Se algo não fosse autorizado, entrava uma receita de bolo no lugar. Hoje, você inunda as redes sociais com a mensagem que quer emplacar. Você bombardeia as pessoas com informações que beneficiam você. Por isso tantas campanhas difamatórias contra vozes críticas, como jornalistas e políticos da oposição. Isso é difícil porque, sendo jornalista, sei combater isso com informação verdadeira, só que elas não viralizam tanto quanto as falsas, não se espalham com a mesma velocidade, não vão pelo WhatsApp, podem ser bloqueadas por paywall

Os ataques que você sofreu não eram direcionados à sua capacidade como profissional, mas ao fato de você ser mulher. Você relata no livro que, quando Hans River do Rio do Nascimento a acusou de ter oferecido sexo em troca de informações, você foi para a redação organizar suas gravações e provas de que era mentira. É uma atitude muito forte. Como lidou com esses ataques machistas?

Se a pessoa disse que minha matéria é uma porcaria, que está errada, isso é do jogo. A gente comete erros, tem que corrigir. Mas esse nunca é o tipo de crítica feita às mulheres jornalistas. Somos chamadas de velhas, gordas, feias, dizem que oferecemos sexo, xingam filho e marido. Eu nunca imaginava que isso aconteceria comigo. Fiquei muito revoltada, porque eram tantas mentiras. E foi tomando um tamanho avassalador. Enquanto eu estava na redação organizando minhas provas para desmentir o depoimento do Hans à comissão do Congresso, soube que o Eduardo Bolsonaro estava espalhando aquela informação. E aí deputados gravaram vídeos me difamando, de repente tinha memes pornográficos circulando. Isso tudo antes de eu conseguir soltar a matéria. Eu nem conseguia raciocinar na hora. Só pensava que eu sabia a verdade e tinha como provar, então escreveria para fazer isso.

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Já tinha sofrido com machismo anteriormente na profissão?

Eu cobri muitos conflitos em países mais conservadores, como no Oriente Médio e aprendi que não podemos olhar para esses lugares com a lente da mulher ocidental. Tenho receio de avaliar uma sociedade como machista, porque há um contexto cultural que não estou equipada para analisar. Mas, como todas as mulheres, já fui vítima de machismo em níveis variados. Uma vez, em uma cobertura de guerra, me perguntaram se eu usava calcinha fio-dental porque toda brasileira usava isso na praia.

Você começa o livro contando do dia que seu filho viu um vídeo do Alexandre Frota chamando você de vagabunda. Imagino que essa tenha sido apenas uma das situações terríveis com o desenrolar da história.

A pior parte foi pensar no Manuel envolvido com tudo isso. Ele queria um canal no YouTube para jogar, como muitas crianças hoje. Eu, com medo de tanta gente louca na internet, abri um canal no meu nome e coloquei no privado, assim ele poderia usar. Aí um dia ele joga meu nome ali e aparece esse vídeo da mãe dele sendo xingada. Na época, eu consegui explicar, contextualizei. Mas imagina se ele acha um desses memes pornográficos. Isso é um negócio que vai ficar para sempre na internet, não tem como apagar. Às vezes eu acordo pensando como vou explicar se ele achar uma coisa dessas, como vou tirar essa imagem da cabeça dele. A escola do Manuel foi maravilhosa nesse período. Os pais fizeram demonstrações de solidariedade. Isso só mostrava a enorme polarização, já que a minha vizinha abria a janela e me xingava.

Você pensou em desistir da cobertura em algum momento?

Em 2018 eu tive essa conversa no jornal e me ofereceram cobrir outra coisa. Mas eu achei que era exatamente esse o objetivo daqueles que tentam me intimidar. Eu fiz questão de continuar. Cobri viagem presidencial, fui para Washington cobrir o encontro do Bolsonaro com o Trump. Fui para a Índia investigar mais a fundo essa rede de desinformação. Tem vezes que eu me pego pensando: ‘De onde vem a porrada dessa vez? Será que eles vão falar do meu filho, da minha aparência?’. Dá desânimo, medo. Mas eu vejo que eu estou fazendo algo importante e continuo.

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O que falta para termos mais mulheres eleitas na política

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