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O homem ideal

Shirley tinha um namorado que sempre lhe mandava flores. Todas a invejavam, apesar de nunca o terem visto. Pudera: ele nunca existiu...

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 21 jan 2020, 12h44 - Publicado em 27 out 2008, 21h00
Carminha Nunes (/)
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Ilustração: Dreamstime

“Shirley, a que horas ele deve chegar?”, perguntou-me a primeira convidada da minha comemoração de 38 anos. Sorri. Caminhava pelo enorme salão de festas cumprimentando uma a uma minhas amigas. Estavam tão excitadas com tudo aquilo… “Menina, que sorte a sua ter um namorado desses, hein?”, cochichou Ana, a secretária mais baixinha do escritório onde eu trabalhava. Abri um sorriso novamente. Era um dos dias mais animados da minha vida!

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As centenas de canapés e os muitos litros de espumante já estavam servidos. Taças de vidro, que imitavam direitinho cristal, e uma infinidade de guardanapos com estampas de pequenos corações completavam a decoração da mesa de salgados. “Parabéns, querida, estou tão feliz por você… E ansiosa para vê-lo também!”, falou minha chefe de departamento.

O local estava lotado. Havia convidado 150 pessoas. Quase todas haviam aparecido ali em carne e osso para presenciar o casal mais feliz do universo. Pedi que só tocassem temas românticos naquela noite. Curto aqueles orquestrados: Paul Mauriat, Frank Purcell e o meu favorito, Ray Connif. Ah, tão bonito!

Passadas duas horas do início do rega-bofe, minha irmã se aproximou. “Shirley, a que horas o Araújo chega?”, perguntou, com certa impaciência. Depois de mim, Araújo era a pessoa mais aguardada naquela noite. Olhei para o relógio de pulso, preocupada. “Deve ter acontecido algum atraso na ponte-aérea, mas vou tentar achá-lo no celular”, respondi, enquanto ajudava um convidado a se servir de mousse de tomate seco.

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Ah, eu me sentia uma debutante naquela noite. Nem parecia que estava chegando aos 40! Todas as atenções eram para mim. Todos os olhares convergiam para minhas bochechas pintadas com o rosa de quem está alegre. Era a noite da Shirley.

A mesa do bolo finalmente foi posta. Ele era enorme, coberto por pasta americana e decorado com delicadas amêndoas glaçadas a seu redor. Uma confeiteira amiga minha havia preparado no dia anterior. “Vou pôr creme de ameixa no recheio, como você gosta”, comentou, atenciosa, na ocasião da encomenda.

Olhei ao redor. O relógio marcava 22h34. Nem sinal de Araújo. Fui até a cozinha para saber se eles reporiam mais algumas bebidas no bar do salão. A dona do bufê me elogiou. “Olha, agradeça a Deus, viu? Nunca vi um homem pagar uma festa de aniversário dessas para a namorada. Só o Araujo mesmo!”, disse, com certa inveja. Meu ego, de tão grande, queria explodir, saltar de dimensão, encontrar um mundo onde pudesse se aconchegar melhor.

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Voltei para meus convidados. “Shirley, está na hora dos parabéns. Falou com o Araújo?”, quis saber minha irmã. Olhei fundo nos olhos dela, emoldurados por cílios grandes e mal pintados. “Ele não vem! Ficou preso numa reunião de negócios importantíssima. Até chorou ao telefone de tanto pedir desculpas”.

A fisionomia de minha irmã foi transfigurada por um misto de decepção e tristeza. “Puxa, que pena… Mas nós estamos aqui!” , disse, me abraçando de repente. Ingênua, ela nem percebeu que meu semblante havia continuado absolutamente sereno. Não achou estranho que nenhuma lágrima caísse dos meus olhos.

Cortei o bolo e mantive o pique durante toda a celebração. Em casa, sozinha no quarto, senti-me recompensada com a festa que eu mesma havia me dado. Eu, sim, pois nunca houve nenhum Araújo em minha vida. Meu namorado existia apenas na minha imaginação e, por isso, decidi contar a verdade para você.”

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